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O conselho que queremos
Eficácia dos boards com grande parcela de independentes é questionada no Brasil e no mundo

, O conselho que queremos, Capital AbertoIndispensáveis em qualquer companhia que preze as boas práticas de governança corporativa, os conselheiros independentes foram propagandeados, nos últimos tempos, como a cura para todos os males. Quanto mais deles houvesse no conselho, mais os acionistas estariam protegidos. A crença nessa teoria os fez ganhar espaços reservados nos boards. Nos Estados Unidos, a Bolsa de Nova York (Nyse) exige que os independentes sejam maioria nas companhias listadas. O objetivo da regra é compreensível: proteger os interesses dos acionistas de desmandos cometidos pelos administradores, o chamado conflito de agência. Porém, a obrigação vista como um grande avanço há cerca de dez anos começa a revelar seu lado perverso: “A ênfase em padrões extremamente rigorosos de independência vem à custa, muitas vezes, de outras qualidades importantes para um conselheiro, como experiência no setor e familiaridade com o negócio”, observou Martin Lipton, sócio-fundador da Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, em texto publicado no blog de governança corporativa e regulação financeira da Harvard Law School sob o título “Some Thoughts for Boards of Directors in 2013”. Segundo Lipton, a regra da bolsa americana e a pressão dos investidores ativistas por independentes deixam pouco espaço para as companhias ajustarem a composição de seus conselhos. Equilibrar os perfis dos integrantes, entretanto, tornou-se uma necessidade premente para os conselhos de administração na atualidade.

No Brasil, não há regra que obrigue os conselhos a ter maioria de independentes. A BM&FBovespa exige que esses profissionais representem 20% dos boards das companhias listadas no Novo Mercado e no Nível 2. O código de boas práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) recomenda que a maioria dos conselheiros seja independente, mas pondera que a parcela deles no conselho dependerá do grau de maturidade da organização, do seu ciclo de vida e de suas características.

Há também uma diferença nas formas como brasileiros e americanos definem o conceito de independência. Pelas regras da Nyse, voltadas para companhias de capital pulverizado, o independente não pode ser acionista da companhia; BM&FBovespa e IBGC, ao contrário, não consideram essa característica um impeditivo para a classificação do conselheiro como independente. O instituto, entretanto, faz uma ressalva: a participação no capital que esse membro detém não pode ser relevante a ponto de lhe dar mais incentivos para agir como acionista do que como conselheiro — um parâmetro bastante subjetivo. Para facilitar as comparações feitas nesta matéria, consideraremos como independentes apenas os conselheiros que não possuem ações da companhia.

Guilherme Affonso Ferreira, sócio da Bahema Participações, é um crítico da importância excessiva conferida aos independentes. “Eu só vejo artigos valorizando a questão da independência. Mas antes de pensar nisso, devemos defender a representatividade no conselho dos diversos grupos de acionistas”, afirma.

A última temporada de assembleias mostrou que mais investidores pensam como Ferreira. Vários deles se articularam para ganhar espaços nos boards e solicitaram a adoção de voto múltiplo para emplacar um representante — o mecanismo confere a cada ação um número de votos igual ao total de vagas disponíveis no conselho e permite que esses votos sejam concentrados em um candidato ou distribuído entre vários. Em outras situações, negociaram previamente com os boards e incluíram seus indicados nas chapas submetidas à votação.

Outra novidade dessa temporada foi a formação do Grupo de Governança Corporativa (GGC), que buscou o apoio de acionistas para ocupar assentos destinados aos minoritários. Ao todo, o grupo, que conta com o apoio do fundo Geração Futuro L. Par. FIA, principal veículo de investimento do empresário Lírio Parisotto, lançou 26 candidaturas para conselhos de administração e fiscal e elegeu 13 assentos. O caminho para atingir esse objetivo foi, em vários casos, pedregoso. “O requerimento da lista de acionistas, na maioria das vezes, demorou a ser atendido, o que prejudicou ou até mesmo inviabilizou o contato para composições de interesse”, conta o advogado Marcelo Gasparino, um dos fundadores do GGC.

INDEPENDENTES DEMAIS, RISCOS DE MENOS — A presença de acionistas nos conselhos é vista como positiva sobretudo em companhias de capital pulverizado. Insere na administração pessoas com interesse econômico na empresa e, portanto, comprometidas com o seu desempenho no longo prazo. A ausência de conselheiros com esse tipo de comprometimento pode ser, inclusive, danosa para a companhia. O estudo Does monitoring by independent directors reduce firm risk?, publicado no ano passado, evidencia que, conforme a proporção de conselheiros independentes aumenta, as decisões do board se tornam mais conservadoras. Como consequência, essas companhias podem perder oportunidades relevantes para seu crescimento, já que tendem a aplicar menos recursos em pesquisa e desenvolvimento, a gastar pouco com investimentos em expansão (capex, na sigla em inglês) e a ter poucas chances de adquirir empresas. Ferreira, da Bahema, atesta a conclusão do estudo: “Eu me lembro de um conselho em que a maior preocupação dos independentes era não fazer nada que pudesse macular sua dignidade”.

Esse tipo de postura ajuda a explicar algumas evidências empíricas de que companhias com mais conselheiros independentes não apresentam um desempenho melhor. Os autores do estudo Do independent directors matter?, publicado em 2012, avaliaram os currículos dos conselheiros independentes do S&P 1500 e concluíram que a correlação entre o peso deles no conselho e o desempenho da companhia era significativo apenas quando esses profissionais tinham conhecimento do setor da empresa na qual atuavam.

O estudo também chama a atenção para um dilema na escolha desses profissionais. “Quanto mais independentes são os conselheiros, menores as chances de eles conhecerem profundamente a empresa, seus negócios e a indústria. Por outro lado, quanto mais eles sabem sobre a companhia, suas estratégias, mercados, concorrentes e tecnologias, menos eles se tornam independentes”, escrevem os autores, citando uma frase do especialista em governança Bob Tricker, editor da revista Corporate Governance — an international review. A premissa é a de que os conselheiros que conhecem profundamente a companhia têm mais chances de possuir laços com os administradores que reduzam sua independência. O problema disso, como bem apontou Tricker, é que os profissionais com experiência no negócio são justamente aqueles de que as companhias mais precisam.

A percepção de que ser independente não basta tem sido amplamente discutida nos Estados Unidos desde após a crise financeira de 2008. Nos casos de Lehman Brothers e Merrill Lynch, os conselheiros de administração que estavam no posto antes do colapso não teriam conhecimento financeiro suficiente, aponta o estudoDoes financial experience help banks during credit crises?. Entre os independentes e conselheiros externos, somente Jerry A. Grundhofer (CEO aposentado do U.S. Bancorp), no Lehman, e John D. Finnegan (CEO da Chubb Corporation), no Merrill, tinham experiência no setor, constata o estudo. Essa condição, avaliam os autores, expôs os bancos a riscos elevados.

Equilibrar os perfis dos conselheiros tornou-se uma necessidade premente para os boards atuais


A ILUSÃO DOS “MEDALHÕES” — 
Outro erro comum na hora de escolher os independentes é colocar “celebridades” nesses assentos. “Antigamente, os conselhos das empresas brasileiras eram formados por nobres palpiteiros da cena econômica nacional. Pessoas com conteúdo de palestrante, mas pouca experiência e envolvimento nas questões operacionais e estratégicas das empresas”, lembrou Mário Fleck, presidente da Rio Bravo Investimentos, na palestra “Ativismo dos fundos de investimento”, promovida pelo IBGC em maio. “Nos últimos dez anos, isso mudou bastante; hoje os conselheiros têm perfil mais técnico, experiente e representativo”, avaliou.

Fleck foi um dos investidores ativistas que se tornaram conselheiros da Cremer a partir de 2008. Até o ano anterior, o conselho da companhia, então de capital pulverizado, era constituído majoritariamente de membros sem participação acionária. “A Cremer é uma small cap e remunerava os conselheiros com salários compatíveis com o seu tamanho. Então, eles preferiam dar atenção aos seus negócios pessoais”, conta Luiz Spinola, na época presidente do conselho de administração da companhia. A situação tornou-se insustentável à medida que os resultados da Cremer começaram a degringolar. “A companhia precisava de donos. Fui, então, buscar fundos ativistas”, recorda Spinola. Até maio de 2009, dos sete membros do conselho, quatro eram representantes de fundos — José Alexandre Borges e Pedro de Andrade Faria (Tarpon), Mário Fleck (Rio Bravo) e Sergio Lisa Figueiredo (Guepardo). Atualmente, o board da Cremer, controlada pela Tarpon, é formado por sete conselheiros, sendo quatro deles profissionais da gestora. Fundadaem 1935, a fornecedora de produtos para cuidados com a saúde teve capital aberto até 2004, quando o fundo de private equity MLGPE, do banco americano Merrill Lynch, comprou o seu controle e fechou o capital. A companhia só voltou ao pregão em 2007.

O grande desafio dos conselhos parece ser encontrar o equilíbrio certo entre os representantes de donos e daqueles que não estão vinculados a ninguém. Ter um conselho que funcione bem e de acordo com os interesses de longo prazo da companhia é, afinal, o que se pretende alcançar. Com base nessa ideia, os Princípios de Governança Corporativa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não recomendam que os conselheiros independentes sejam maioria. Eles ressaltam, de modo geral, que “o órgão de administração deve ser capaz de exercer um juízo objetivo e independente sobre os negócios da sociedade”, esclarece Daniel Blume, analista de políticas da OCDE. A fórmula dos conselhos eficazes, na visão da organização, é algo a ser decifrado em cada companhia, conforme a sua realidade. Sem mitos nem fórmulas de sucesso
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