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Primeira rodada de voto a distância fracassa na democratização de AGOs
, Não funcionou, Capital Aberto

Raphael Martins*/ Ilustração: Julia Padula

A temporada de assembleias gerais ordinárias de 2017 marcou o primeiro ano de adoção obrigatória, para as principais empresas listadas na bolsa, do boletim de voto a distância. Por um lado, esse instrumento permitiu a participação remota de investidores, que puderam manifestar suas intenções de voto sem o ônus de se fazerem presentes ou representados em cada uma das assembleias gerais. Por outro, a pouca familiaridade dos acionistas e das companhias com a sua dinâmica gerou toda sorte de perplexidades, especialmente para os que desejaram apresentar propostas diversas daquelas das respectivas administrações.

Representaram uma dificuldade, já esperada, os inexplicáveis requisitos de participação mínima no capital social para o exercício do direito de inclusão de uma proposta no formulário de votação a distância. Esse requisito tornou a inclusão de matérias no boletim privilégio de poucos acionistas — o que gerou não apenas distorções injustificadas nas disputas entre minoritários, como também dificultou várias tentativas de exercício de determinadas prerrogativas, como a eleição em separado para o conselho de administração. Explicando: nos casos em que nenhum dos acionistas minoritários conseguiu incluir candidato ao conselho de administração no boletim, aqueles que utilizavam esse instrumento ficavam afastados da formação do quórum necessário para requisição da eleição em separado — e isso, em muitos casos, inviabilizou a própria eleição.

Além disso, poucos compreenderam os impactos dos prazos para inclusão de propostas. A companhia é obrigada a incluir no formulário as propostas que, além de atenderem todos os demais requisitos, sejam apresentadas com 45 dias de antecedência. É verdade que, influenciado por um aspecto cultural, o acionista nacional não estava acostumado e não se preparou para ter suas propostas apresentadas às companhias com tamanha antecedência. Mas muitos verificaram que não apenas a definição desse prazo era extremamente confusa na legislação: em um grande número de situações, ele era impraticável.

A legislação obriga o acionista a preparar sua proposta com antecedência anterior à proposta da administração e, na maioria dos casos, até mesmo antes da divulgação dos resultados do exercício anterior. Pense-se em deliberações simples, como a destinação do resultado, por exemplo. O prazo inviabiliza a utilização desse instrumento por acionistas que queiram propor uma distribuição diferente do resultado — uma vez que, ao termo do prazo para inclusão no boletim, o acionista não conhece a proposta da administração e muito menos qual o resultado da companhia a ser destinado. O mesmo problema envolve a apresentação de chapas alternativas à apresentada pela administração para os conselhos de administração e fiscal, em especial nas sociedades sem um controlador definido, de modo que o acionista proponente não tem a opção de trocar apenas parte da proposta da administração.

Mais um problema importante, e que não havia sido previsto, foi a coexistência do boletim com outros mecanismos de apresentação de propostas aos acionistas da companhia, em especial, o proxy card, formulário de votação usado pelos titulares de ADRs. Embora a legislação do boletim não trate dos proxy cards, companhias passaram a utilizar as regras e limitadores da votação a distância para impedir que acionistas incluíssem suas propostas do formulário destinado aos titulares de ADRs. Embora a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tenha esclarecido o equívoco desse entendimento, em meados de abril, para a rodada de assembleias de 2017, o prejuízo já estava causado.

É possível concluir que, se o boletim de votação a distância teve o objetivo de democratizar as assembleias gerais, ele fracassou enormemente. Afinal, a democracia depende não apenas da participação dos potenciais votantes, mas fundamentalmente do conjunto de opções que lhes são oferecidas para escolha.

Analisando bem, essa primeira rodada de assembleias demonstrou que o canal de votação a distância se tornou um mecanismo de fortalecimento do poder da administração nas assembleias gerais, uma vez que a base acionária que usou o boletim acabou tendo apenas a possibilidade de votar nas opções propostas pela companhia. Isso porque o conjunto de restrições e requisitos para que os acionistas incluíssem propostas no boletim inviabilizou a inclusão de sugestões alternativas às da administração. Consequentemente, foi retirada dos que participaram da votação a distância a possibilidade de escolher propostas apresentadas antecipadamente, mas por acionistas que não atendiam os requisitos legais de percentual mínimo de ações ou capital social, ou que foram apresentadas depois do prazo limite de inclusão no boletim.

Espera-se que o regulador corrija essas distorções a tempo da próxima rodada, em 2018.

 


Raphael Martins ([email protected]) é sócio de Faoro e Fucci Advogados


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