Mudanças climáticas pesam no bolso
Empresas brasileiras não podem mais ignorar impactos de descuido com questões ambientais
Mudanças climáticas pesam no bolso

Ilustração: Rodrigo Auada

Há muito se discute o impacto das mudanças climáticas sobre as sociedades de maneira geral, mas o debate ainda é tímido quando se trata especificamente dos efeitos sobre as organizações, suas operações e lucros. A pergunta que surge nesse contexto é: quem investe numa empresa tem a clara noção das implicações de uma decisão equivocada da administração em termos ambientais? Por enquanto, a resposta genérica é não. Com o objetivo de mudar essa realidade, em 2015, o Financial Stability Board criou a força-tarefa sobre divulgações relacionadas ao clima (TCFD, na sigla em inglês), que elaborou recomendações sobre como o setor financeiro pode explicar questões relacionadas ao clima, para que sejam apresentadas de forma consistente, comparável, eficiente e clara. O Carbon Disclosure Project (CDP), organização que incentiva e apoia empresas a divulgar e mitigar seu impacto ambiental, aplica um questionário anual adaptado aos critérios da TCFD em 190 países. Ao todo, cerca de 8 mil organizações respondem às perguntas.

As deficiências em torno da abordagem e da divulgação desses tópicos pelas empresas, assim como as estratégias para mudança desse cenário, motivaram o Grupo de Discussão “Finanças e mudanças climáticas”, promovido em dezembro pela CAPITAL ABERTO. Participaram Diogo Bardal, analista de investimento da International Finance Corporation (IFC) e colíder do Fórum de Diálogo e Políticas Públicas e Instrumentos Econômicos da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura; Guilherme Setubal, gerente de desenvolvimento de novos negócios da Duratex; Lauro Marins, diretor-executivo do CDP; e Sérgio Leitão, fundador e diretor do Instituto Escolhas. Confira a seguir os destaques da discussão.

CAPITAL ABERTO: Como a atuação do CDP se relaciona com a força-tarefa sobre divulgações relacionadas ao clima, do Financial Stability Board?

Lauro Marins: Quando saiu o primeiro caderno de recomendações do TCFD sobre como as empresas devem reportar as informações ambientais, o CDP tomou para si essa missão. O mercado financeiro já usa nossas informações de maneira direta, por meio dos grupos de membership que temos com investidores e empresas integrantes dos nossos programas, e indireta, por terceiros responsáveis por distribuição de informações. Os investidores sempre gostam de olhar um gráfico para saber se as mudanças climáticas estão ligadas ou não às suas finanças, e já contamos com um indicador na Europa capaz de mostrar que as empresas com boa gestão das questões ambientais também têm bons retornos financeiros. Um índice do CDP Brasil a ser lançado vai mostrar que as empresas que agem para lidar com as mudanças climáticas têm desempenho financeiro melhor do que a média das integrantes do IBrX.

CAPITAL ABERTO: Uma visão antiga, mas ainda persistente, percebe iniciativas voltadas à sustentabilidade como meras geradoras de custos. De que forma uma indústria como a Duratex dribla esse tipo de avaliação para levar adiante projetos que consideram as mudanças climáticas?

Guilherme Setubal: É um aculturamento da companhia. A Duratex hoje está num processo muito maduro em relação a esse tema, com um comitê atuante de sustentabilidade e debates com especialistas externos e internos. Consigo ver claramente que a maior parte da companhia entende que esse assunto não é um custo. Primeiro, ele é uma necessidade. Segundo, pode servir, eventualmente, até como economia em termos financeiros. É preciso que se discuta a monetização da sustentabilidade.

CAPITAL ABERTO: Qual o principal desafio para a construção de uma força-tarefa nas empresas em torno de questões de sustentabilidade?

Sérgio Leitão: Tanto o presidente americano quanto o brasileiro dizem que esse tema não tem concreta relevância. Mas o sistema financeiro está dizendo que, independentemente dessa visão, vai criar e sedimentar as próprias regulações. Então, o primeiro ponto é: o processo tem um caminho e um escoamento próprios. Mesmo diante das vicissitudes políticas, o assunto trafega. O segundo tem a ver com até que ponto o risco climático é levado em consideração para tomada de decisões extremamente importantes do ponto de vista econômico para o País. Por exemplo: saiu há dois anos um relatório mostrando que a região brasileira mais importante em termos de expansão da fronteira agrícola é a do “Matopiba” [Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]. Mas a região está sofrendo secas mais frequentes e, com isso, uma análise que antes previa duas safras por ano agora espera apenas uma. Logo, o investimento não se paga. Aí cabe a pergunta: em que ponto isso chega para investidores, empresas e bancos?

CAPITAL ABERTO: Diante desse tipo de incerteza, ficaria ainda mais difícil mostrar aos mercados financeiro e de capitais a relevância dessa questão?

Sérgio Leitão: A Shell, por exemplo, decidiu que a remuneração de investidores e CEOs depende do cumprimento das metas ligadas à questão climática. Se não interfere no bônus, essa conversa não é para valer. Ela pode ser a mais relevante, mas não ganha tradução efetiva no processo de tomada de decisão se não chega aos bolsos.

CAPITAL ABERTO: Observando do ponto de vista de quem faz análise de investimentos: como está efetivamente a comunicação de informações relacionadas ao impacto ambiental da operação corporativa?

Diogo Bardal: O que faz parte da rotina de análise de investimentos da IFC (International Finance Corporation) é que se estabeleça para fatores socioambientais e de governança o mesmo peso dado para a análise de crédito. Isso porque se trata de fatores que vão afetar o risco de crédito no médio e no longo prazos. Na IFC há uma meta de investimento em projetos que tenham a mudança climática como foco principal. Hoje, 20% do portfólio global tem essa diretriz e a meta é que o percentual chegue a 30% até 2028. O problema é que, em muitos casos, o modelo de crédito das instituições financeiras não contempla a dimensão de risco climático. Ao avaliar uma propriedade rural, por exemplo, hoje um banco vai olhar que produto é ali cultivado e quais as garantias da produção; dificilmente vai fazer uma análise sobre a possibilidade de faltar água, a exposição ao calor extremo e a variabilidade da safra. Mas, ao mesmo tempo, são necessárias experiências que mostrem que em propriedades nas quais se adota práticas agroflorestais o risco climático diminui.

CAPITAL ABERTO: É possível atualizar esses modelos de crédito?

Diogo Bardal: Questões ambientais precisam integrar as cláusulas dos contratos de financiamento. Quando a IFC faz um empréstimo para uma empresa privada, apresenta uma série de condições socioambientais a serem cumpridas. O descumprimento é considerado um evento de default, assim como uma eventual inadimplência ou o não atendimento de uma cláusula anticorrupção. Desse modo, as empresas começam a entender como deixar de lado questões ambientais pode afetar sua reputação e também aumentar seu custo de capital. Um dos pontos que discutimos na coalizão Brasil Clima é que hoje essa experiência dos contratos de financiamento que incluem aspectos ambientais é algo ainda anedótico dentro das empresas. Mas sentimos que daqui a alguns anos essa será a única forma de se fazer um financiamento no Brasil. Estamos falando de um grande elefante de cristal que é o crédito rural — são 150 bilhões de reais. A partir do momento em que esse crédito passa a ter componentes socioambientais, é colocada uma via para a melhora do uso da terra no País.

CAPITAL ABERTO: Parece complicado conciliar negociação com investidores e defesa dos conceitos de sustentabilidade…

Guilherme Setubal: Entrei na Duratex no final de 2014 e peguei a crise de 2015 e 2016. Lembro que houve muitos questionamentos de investidores de curto prazo perguntando sobre aumento de gastos. Isso porque a sustentabilidade naquela época já apontava para algo mais complexo do que é hoje, e precisávamos de mais pessoas para dar conta do tema. Então, quando a receita da empresa cai 15%, 20%, e ela não quer ajustar seus custos fixos por acreditar que eles são sustentação de longo prazo, haverá sim pressão dos investidores de curto prazo. Mas manter a coerência da companhia e deixar isso claro são posturas que ajudam a atrair o olhar de investidores de longo prazo. Uma empresa que não acredita no seu DNA de sustentabilidade vai cortar e vai criar uma história para se convencer de que precisava fazer isso, pois “era necessário”.


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CAPITAL ABERTO: Na prática, os bancos e os investidores já mensuram os riscos socioambientais quando avaliam um projeto?

Sérgio Leitão: Há para os bancos o que chamamos de risco não financeiro, que é objetivo — permite ao analista ou ao gerente de banco decidir se apoia ou não um projeto. Já o risco não financeiro é, em última instância, um risco reputacional — se o projeto puder “criar problema” para a instituição, melhor não fazer parte dele, pensa quem está encarregado de tomar a decisão do investimento. É aquela velha e boa questão fundamental para o sistema financeiro: a diferença entre risco e incerteza. Risco se precifica, e de incerteza se mantém distância. O desafio é tornar as questões socioambientais capazes de criar parâmetros que transformem esse risco reputacional em risco financeiro.

Lauro Marins: Poucas empresas valoram o risco ambiental, e para o investidor isso é uma grande incerteza. Mas se elas não mensuram, o investidor vai fazer isso, colocando na conta um valor associado a um risco que ele mesmo calcula. Apresentar esses dados pode representar uma grande vantagem para a empresa, que deve lembrar de dar transparência para essas informações.

CAPITAL ABERTO: Em que medida a mudança de governo no Brasil pode influenciar — para o bem ou para o mal — a conscientização da importância da sustentabilidade para os mercados financeiro e de capitais?

Guilherme Setubal: Pessoalmente, me preocupam as primeiras sinalizações que foram dadas pelo novo governo — da anunciada [e depois não concretizada] fusão dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente até o Acordo de Paris. Me parece que o governo vai tratar esse tema como secundário; e o pior é que as decisões que forem tomadas nesses próximos quatro anos vão afetar os 50 seguintes. Como não será possível mensurar isso no início, não vai chamar a atenção da sociedade como deveria.

Sérgio Leitão: Acho interessante se observar nos próximos anos no Brasil até que ponto a nova interligação do econômico com o ambiental vai condicionar a ação do governo para além do que gostaria. Não se trata de gostar ou não do meio ambiente: fato é que ele interfere no processo de tomada de decisão do ponto de vista econômico. Concretamente falando, todos os acordos de venda de soja brasileira para os mercados europeus incluíram um condicionante a partir de 2008: o acordo “moratória da soja”, que determina que só se façam vendas mediadas por determinadas empresas em relação às áreas que não tenham sido desmatadas recentemente. É um acordo de desmatamento zero, pelo menos para aquela cultura. Os produtores do Mato Grosso gostam? Não. Tanto é que recentemente pediram para que esse acordo fosse negado. Mas há uma realidade que se sobrepõe à sua vontade.

CAPITAL ABERTO: O novo governo brasileiro vai se hábil ao lidar com esse tipo de acordo?

Sérgio Leitão: Creio que haverá atritos. Qualquer novo governo custa a descer do palanque — e às vezes nem desce. E o atual tende a manter essa retórica. Mas vejo um grande teste no fato de o Macron [Emmanuel Macron, presidente da França] ter condicionado o acordo da União Europeia com o Mercosul à permanência do Brasil no Acordo de Paris. As empresas brasileiras, principalmente as do agronegócio, já perceberam a ameaça que significa o enfrentamento dessas forças.

Diogo Bardal: O Acordo de Paris não é só um acordo sobre o clima. Ele é uma refundação das relações econômicas entre os países. O Brasil ficar fora disso significa ser excluído de um novo arranjo diplomático, geopolítico e econômico nesse mundo de modos diversos de organização do trabalho e do capital financeiro. É uma questão mais complexa do que simplesmente dizer que envolve amarras de redução de emissões para cada país.

CAPITAL ABERTO: Quais benefícios práticos o cuidado com questões de sustentabilidade pode trazer para o País e para as empresas brasileiras em particular?

Lauro Marins: Os investimentos internacionais, pelo menos considerando os ligados ao CDP [ativos de 84 trilhões de dólares], já estão se encaminhando para uma economia de baixo carbono. Assim, trata-se de porta de oportunidade que pode ser transformar em entrave. Existem 200 bilhões de dólares aprovados no Fundo Clima para investimento em baixo carbono em países emergentes — e o Brasil seria um fluxo natural desse investimento. Mas precisamos ver até que ponto essa queda de braço do governo vai valer a pena. Somos competitivos no mercado internacional de baixo carbono, é fato.

CAPITAL ABERTO: O que falta para que a sociedade se mobilize em torno dessas questões?

Sérgio Leitão: A área entre São Paulo e Piracicaba é a quarta região do mundo mais ameaçada do ponto de vista de estresse de água. Se fosse para se obedecer ao que está na legislação brasileira a respeito de recursos hídricos, São Paulo já tinha parado por causa de falta de água, porque já está consumindo uma água que não é sua. E consome porque, como é atendida por uma companhia estadual [Sabesp], pode pegar água da Bacia do Piracicaba num ato de força. Se fosse para cumprir a regra do jogo, essa água não poderia ser desviada. Esse é um dado econômico, concreto, afeta investimento, afeta funcionamento, afeta a maior cidade do País. Por que as pessoas ou os CEOs não estão se importando com essa questão? É falta de informação, é falta do quê?

Guilherme Setubal: A falta de condições para produção de energia elétrica aparece diretamente no preço. Faltou energia elétrica em 2014, o que que aconteceu? O preço subiu. Só que foi possível pagar, teoricamente. Faltou água, não dá para pagar mais; não existe “eu pago o dobro”. São duas matérias-primas que têm efeito diferente: a energia vai para o preço e a falta d’água representa paralisação total de atividades.

CAPITAL ABERTO: As perspectivas são otimistas?

Sérgio Leitão: A discussão sobre clima é fundamentalmente um acordo de como é que se paga a conta e se rearranja todo o processo produtivo. Porque se é verdade que não há mais uma divisão internacional do trabalho e sim uma divisão internacional do carbono, estamos num período de transição. É preciso manter o que já existe — não dá para deixar a economia parar de funcionar — e, ao mesmo tempo, colocar algo novo para rodar. Todo esse processo representa custo. Qual é a preocupação de setores no Brasil em relação a questão não só de clima como de qualquer regulação? Que essa regulação ditada no plano internacional refreie as possibilidades brasileiras de superar as assimetrias que nos separam dos países que já são ricos. Não acho que é mais uma questão de é ou não é ou deixa de ser. Mudança climática é um fato científico. Há algumas empresas que ainda precisam se adaptar a esse tema. E acho que em vez de se olhar tanto o viés do risco, da incerteza, é melhor olhar a oportunidade que existe para o Brasil, as empresas, os investidores. Será preciso mostrar ao novo governo que cuidar de aspectos ambientais é vantajoso para todos, à medida que atrai capital e negócios.


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