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Conflito de interesses — Parte II
Tema trata de questões de natureza humana e vai além de um debate técnico-jurídico

, Conflito de interesses — Parte II, Capital AbertoNa edição passada, evidenciamos que os principais códigos de boas práticas recomendam que as partes conflitadas se abstenham das discussões e deliberações envolvendo matérias nas quais possuem mais de um interesse. Também discorremos sobre uma corrente jurídica que emergiu no País denominada “substancial”, a qual argumenta que o conflito de interesses deveria ser avaliado apenas após a decisão e que todos, incluindo os personagens conflitados, deveriam participar das deliberações.

Na coluna deste mês, procuraremos evidenciar que o conflito de interesses lida primordialmente com questões de natureza humana, indo muito além de um debate técnico-jurídico. Para isso, apresentaremos resultados de dois trabalhos recentes que refutam dois argumentos centrais da corrente “substancial”: 1) que conseguimos analisar as questões e decidir com neutralidade se assim o desejarmos, mesmo quando estamos sujeitos a conflitos de interesses; e 2) que a divulgação plena dos diferentes interesses envolvidos na matéria (o chamado full disclosure) constitui uma solução razoável para mitigar quaisquer potenciais problemas.

1. Impacto dos conflitos de interesse sobre nossa imparcialidade — experimento com obras de arte

Nesse trabalho, quatro neurocientistas norte-americanos recrutaram 151 pessoas, as quais receberiam uma remuneração fixa por sua participação. Elas deveriam avaliar obras de arte de duas galerias fictícias: “Third Moon” e “Wecyclers”.

Os participantes eram informados que o estudo e seu pagamento — de US$ 30 para o primeiro experimento, podendo chegar a US$ 300 nos próximos — estavam sendo generosamente patrocinados por uma das duas galerias: alguns eram aleatoriamente avisados que o patrocínio seria da “Third Moon”, enquanto outros acreditavam que era da “Wecyclers”.

As pessoas eram então colocadas dentro de um escâner de ressonância magnética. Na sequência, eram apresentadas 60 obras de arte, uma de cada vez por cerca de 5 segundos. No canto superior direito de cada obra, aparecia o logotipo da galeria que seria a hipotética proprietária dos quadros. A figura abaixo resume a estrutura geral do experimento:

A seguir, os participantes avaliavam as obras em uma escala de -4 (não gostei) a 4 (gostei). A remuneração era fixa e independente da avaliação atri- buída aos quadros. O que aconteceu? Os participantes avaliaram muito melhor as obras da galeria que, em tese, os havia patrocinado. A fim de verificar se isso resultava apenas de uma tendência social de retribuição à gentileza da galeria patrocinadora, os pesquisadores analisaram os dados da ressonância magnética, chegando a uma conclusão impressionante: a presença do logotipo do patrocinador havia aumentado substancialmente a atividade do córtex pré-frontal ventromedial, uma área do cérebro associada à regulação das emoções e ao prazer.

Em outras palavras, a gentileza da galeria em patrocinar o estudo influenciou profundamente como as pessoas avaliavam as obras de arte. Curiosamente, quando os voluntários foram interrogados se achavam que o logotipo do patrocinador havia impactado suas preferências, a resposta geral foi que “com certeza não houve qualquer influência”.

Os pesquisadores resolveram então aumentar o valor pago aos voluntários, com alguns passando a receber US$ 100 e outros US$ 300. O que aconteceu? A preferência pela galeria patrocinadora aumentou de acordo com o incremento do montante pago: não apenas a diferença de pontuação entre as galerias se tornou maior, como também a magnitude da ativação das áreas de prazer no cérebro aumentou substancialmente quando o pagamento saiu de US$ 30 para US$ 100 e de US$ 100 para US$ 300.

O resultado geral do trabalho evidencia nossa fortíssima tendência à reciprocidade: quando alguém nos faz um favor, tendemos a nos tornar parciais e a apoiar qualquer coisa que possa resultar em algum tipo de retribuição.

2. Efeitos perversos da divulgação completa (full disclosure) como mecanismo de mitigação dos conflitos de interesses — experimento com jarra de dinheiro

Nesse trabalho, três pesquisadores norte-americanos recrutaram 146 participantes, os quais poderiam ter papel de “decisores” ou “assessores”. Enquanto os decisores deveriam avaliar com a maior precisão possível quanto dinheiro havia em um jarro repleto de moedas, sendo ao fim, pagos pela acurácia de sua estimativa, os assessores deveriam aconselhar os decisores sobre quanto dinheiro existia no jarro.

Duas diferenças básicas entre decisores e assessores: 1) os decisores podiam olhar o jarro por alguns segundos e a certa distância, enquanto os assessores podiam olhá-lo por muito mais tempo (alguns minutos) e bem mais de perto; e 2) os assessores sabiam que havia entre US$ 10 e US$ 30 no jarro, os decisores não. A ideia era conferir vantagem informacional aos assessores, que mesmo não sabendo o valor exato no jarro se tornariam uma espécie de “experts” no assunto (de forma análoga ao que acontece com analistas de investimento, advogados, etc.).

Em uma versão inicial do experimento denominada “sem conflitos de interesses”, os assessores eram pagos de acordo com a precisão dos decisores. Nessa variante, os assessores recomendavam aos decisores a existência de um valor médio de US$ 16,50 no jarro.

Depois, os pesquisadores criaram uma nova versão denominada “com conflito de interesses, sem disclosure”, na qual os assessores eram pagos quanto mais distante (para cima) fosse a opinião dos decisores em relação ao montante real no jarro. Nessa variante, os assessores passaram a recomendar US$ 20 em média.

Os pesquisadores então criaram a versão denominada “com conflito de interesses, com disclosure”. Nela, os assessores continuariam a ser pagos em função da imprecisão (para cima) da opinião dos decisores. Dessa vez, entretanto, deveriam informar previamente aos decisores que estavam sujeitos a esse conflito de interesses. O quê aconteceu? Os assessores passaram, então, a recomendar US$ 24,16 em média, US$ 4 a mais do que quando não tinham que manifestar seu conflito de interesses.

Mais importante: enquanto na versão “sem disclosure” os decisores tendiam a aceitar os US$ 20 de sugestão dos assessores (por não saberem da existência do conflito), na situação “com disclosure” passaram a descontar em média apenas US$ 2 do valor sugerido pelos assessores, resultando em estimativas de US$ 22 — mais distantes, portanto, do montante correto.

O trabalho chega a duas conclusões principais. Primeiro, as pessoas não “descontam” as opiniões dos sujeitos enviesados como deveriam, mesmo quando há divulgação plena do conflito de interesses. Segundo, a prática do full disclosure pode gerar um efeito perverso, aumentando o viés da opinião da parte conflitada, já que ela se vê livre moralmente e encorajada estrategicamente para enviesar ainda mais sua opinião.

Diante do exposto, o melhor a fazer — para companhias e para a consciência dos conflitados — é evitar participar das decisões nas quais possuem mais de um interesse simultaneamente.

Trabalhos citados: Ann H. Harvey, Ulrich Kirk, George H. Denfield, and P. Read Montague. 2010. Monetary Favors and Their Influence on Neural Responses and Revealed Preference. The Journal of Neuroscience, 30(28):9597—9602. DOI:10.1523/JNEUROSCI.1086-10.2010 Daylian M. Cain, George Loewenstein, and Don A. Moore. 2011. When Sunlight Fails to Disinfect: Understanding the Perverse Effects of Disclosing Conflicts of Interest. Journal of Consumer Research, 37(5): 836-857. Daylian M. Cain, George Loewenstein, and Don A. Moore. 2003. The Dirt on Coming Clean: Perverse Effects of Disclosing Conflicts of Interest. Working paper disponível em http://ssrn.com/abstract=480121


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