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A mancha persiste
Como as falhas de governança da Petrobras contribuem para degenerar os preços das ações da companhia em plena era do pré–sal

, A mancha persiste, Capital AbertoEm janeiro, a eleição de Josué Gomes da Silva, filho do ex–vice–presidente da República José Alencar e presidente da Coteminas, para o conselho de administração da Petrobras irritou investidores da companhia. Eles chegaram a enviar uma carta ao presidente do conselho e ministro da Fazenda, Guido Mantega, reclamando da escolha. O documento foi assinado por dez gestores estrangeiros, em um movimento liderado pela britânica F&C Management. Eles se ressentiram do fato de Silva ter sido aprovado para uma vaga reservada a um representante dos acionistas ordinaristas minoritários sem que eles próprios tenham sido convidados a indicar alguém ou mesmo informados de que se tratava do filho de um ex–membro do governo. Os gestores afirmam que foram induzidos a votar no empresário. “Quando notamos a proximidade política de Gomes da Silva, fizemos o possível para mudar a situação, mas já era tarde demais”, relata Michael McCauley, diretor do programa de investimentos e governança corporativa do fundo de pensão americano Florida State Board of Administration (SBA), que também participou da carta.

O episódio é o mais recente da série de deslizes da Petrobras quando o assunto é governança corporativa. Os efeitos colaterais estão refletidos nos preços das ações. A maior empresa brasileira e uma das gigantes globais em seu segmento tem um futuro promissor. Em alguns anos, o petróleo do pré–sal deve começar a jorrar abundantemente, e, se o preço da commodity se mantiver em alta, isso significará lucros e dividendos gordos. Essa perspectiva, contudo, não tem sido suficiente para valorizar as ações. Os papéis preferenciais estão longe do pico de R$ 46,25 atingido em maio de 2008 — em 24 de fevereiro, fecharam a R$ 24,28, uma queda de 47,5%.

Nos últimos dois anos, várias atitudes da companhia e do acionista controlador — a União — fizeram os investidores torcer o nariz. Um dos aspectos que mais incomodam é a nomeação política para cargos na alta administração. À primeira vista, parece natural que um representante do controlador assuma esse papel em uma empresa do porte da Petrobras. Mas a influência do Estado nas esferas elevadas da organização — o caso de Josué Gomes da Silva, por exemplo — é percebida como um fator de risco grave pelos investidores.

Cabe destacar que, na petroleira norueguesa Statoil, igualmente de capital misto, sete dos dez conselheiros são independentes, dentre eles o presidente. Os outros três são representantes dos funcionários. A preocupação da companhia com esse assunto é tão grande que, em seu site, cada membro do conselho tem uma página com informações sobre sua biografia, o número de ações que detém da empresa e, inclusive, se tem parentesco com colegas ou diretores da companhia. A Statoil ainda reserva uma parte de sua página na internet para explicar quais são os direitos e deveres do controlador. E determina que o acionista majoritário só pode tomar decisões que afetem a empresa uma vez ao ano.

No caso da Petrobras, há quem se sinta incomodado com a falta de independência dos conselheiros em vários aspectos. O investidor minoritário Romano Allegro, que tem ações da petrolífera, critica o fato de fornecedores e credores da companhia ocuparem as cadeiras reservadas aos representantes dos minoritários. Atualmente, Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho da siderúrgica Gerdau, representa os detentores de ações preferenciais no conselho da Petrobras. Antes de Gomes da Silva, o detentor da cadeira dos ordinaristas era Fábio Colleti Barbosa, na época presidente do conselho do Santander (hoje ele é presidente executivo do Grupo Abril). “A Gerdau fornece aço para a Petrobras, e o Santander fornece crédito. Esses conselheiros podem ser muito competentes, mas são conflitados para nos representar”, diz Allegro.

INTERESSES DÚBIOS — O risco da influência do governo federal na alta administração da Petrobras é que a companhia seja dirigida com objetivos mais políticos do que econômicos. Um exemplo é o preço da gasolina. Em 2011, a empresa teve lucro líquido de R$ 33,3 bilhões, 5% a menos que em 2010. Dentre os motivos apresentados, está o maior gasto com aquisição de petróleo e importação de derivados, não repassado ao restante da cadeia. A explicação oficial é de que se trata de uma política de longo prazo e que a companhia evita repassar flutuações ocasionais da cotação do petróleo aos preços da gasolina. Entretanto, para os investidores fica claro que a demora em transferir aumentos tem mais a ver com a meta de inflação do governo do que com uma estratégia orientada ao que seria efetivamente bom para a empresa e seus acionistas.

Não bastasse o peso que o controlador tem dentro da companhia, ainda há o poder que o governo exerce por meio de órgãos externos a ela. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) determina que entre 37% e 85% dos bens e serviços adquiridos pelas companhias do setor sejam de fabricação nacional. O objetivo da medida é estimular a indústria brasileira, mas o fato é que nem sempre isso é bom para a Petrobras. “Qualquer intervenção no livre mercado acaba levando à ineficiência e à perda de competitividade da empresa e do País como um todo”, considera McCauley, da SBA. Se a Petrobras não cumprir as exigências de aquisição de bens e serviços nacionais, ela paga multa. A última penalidade do tipo foi aplicada em agosto de 2011, no valor de R$ 29 milhões.

Toda essa influência parece desagradar, principalmente, os investidores estrangeiros. É claro que eles estão conscientes de que se trata de uma estatal e, portanto, já contam com uma intervenção política. “Sabemos que há outras preocupações além do lucro e, por isso, não esperamos o mesmo comportamento de uma companhia privada”, admite Jack Deino, gestor de portfólio para mercados emergentes da asset americana Invesco. Mas o problema maior da Petrobras para esses investidores é a nebulosidade do assunto.

Sérgio Lazzarini, professor de organização e estratégia do Insper e autor do livro Capitalismo de Laços, que trata das diferentes formas de participação do governo em empresas, observa que a companhia não estabelece um plano de longo prazo em que fique claro para quem for investir nela qual vai ser a prática do controlador daqui a alguns anos. “Empresas mistas podem priorizar o bem–estar social e o equilíbrio de preços em detrimento dos acionistas, desde que os limites para isso sejam definidos e cumpridos”, pondera. “A intervenção nos preços incomoda porque é feita de forma casuística e imprevisível”, completa um gestor de recursos brasileiro.

Para piorar a impressão dos estrangeiros, a mão pesada do Estado foi selada em fevereiro pela presidente da República, Dilma Rousseff. Na posse da nova presidente executiva da companhia, Maria das Graças Foster, ela declarou publicamente que quer a Petrobras cada vez mais atuando como um braço do governo. Para Dilma, a petroleira é um dos principais instrumentos para catapultar a expansão de outros setores econômicos e promover o desenvolvimento social do País. Ao mesmo tempo em que assustou o mercado com esse tipo de afirmação, a presidente o agradou com a escolha de um nome técnico para ocupar o posto de CEO no lugar de José Sergio Grabrielli. Funcionária de carreira da companhia, Maria das Graças foi, no geral, bem recebida pelos investidores. “Ela é muito inteligente e técnica”, avalia Deino.

ENGASGADOS — Colocadas todas as mágoas com a Petrobras na balança, nenhuma deixou cicatrizes maiores que a da capitalização realizada em 24 de setembro de 2010, quando a empresa levantou R$ 120,2 bilhões. O aumento de capital trouxe a diluição de minoritários e, na visão de muitos deles, foi o pontapé inicial para a destruição de valor da companhia observada nos últimos anos. Os investidores associam a deterioração do preço do papel, principalmente, à captação de recursos. Uma das questões mais mal digeridas do episódio foi a cessão onerosa de 5 bilhões de barris (a serem extraídos no futuro) da União para a empresa como forma de integralizar o aumento de capital. No fim das contas, somando as fatias detidas pela União, pela BNDESPar, pela Caixa Econômica Federal e pelo fundo soberano do Brasil, a participação do governo cresceu de 39,8% para 48,3% do capital total da empresa. “Na prática vimos a participação do governo se expandir sem que ele colocasse dinheiro real na empresa”, lembra o gestor da Invesco.

Para completar o cenário, existe a constante sensação de que os fatos relevantes da companhia não são tratados com o sigilo adequado. “As ações da Petrobras normalmente começam a subir pouco antes da divulgação de uma descoberta”, afirma um investidor que preferiu não se identificar. A reclamação do profissional em questão poderia se tratar apenas de uma impressão de quem já tem um olhar enviesado para a empresa. Mas um estudo acadêmico publicado em 2009 corrobora parte de sua observação.

A dissertação de mestrado Evidências de Insider Trading em Eventos de Descoberta de Petróleo e Reservas de Gás no Brasil, de autoria de Camila Araújo Machado, analisou o comportamento dos ativos da Petrobras entre 2001 e 2008, período no qual foram divulgadas 49 descobertas de reservas no território brasileiro. Camila estudou cotações anteriores a cada um desses anúncios e encontrou indícios significativos de atuação de agentes com informação privilegiada em pelo menos sete deles.

As faltas graves da Petrobras parecem só não ter efeitos piores sobre a percepção dos estrangeiros porque algumas outras companhias que se equiparam a ela também estão longe de ser exímias cumpridoras das melhores práticas. “A Petrobras tem, sim, seus problemas, mas, comparada com outras petroleiras de capital misto de países emergentes, como a Rússia ou a Tailândia, ela tem padrões razoáveis de governança e é mais transparente”, reconhece Deino, da Invesco. Cabe à Petrobras e aos governantes decidir se, para o mercado de capitais brasileiro e para o País, é suficiente que o padrão da maior empresa da Bolsa seja apenas razoável.

Conteúdo extra

Clique e leia o estudo de Camila Araújo Machado que analisa evidências de casos de insider trading provocados por descobertas de reservas de petróleo e gás no Brasil.


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