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Vida nova para as assets
Há razões para o endurecimento da regulação das gestoras de recursos
Guilherme Fernandes Cooke*

Guilherme Fernandes Cooke*

A indústria brasileira de fundos de investimento se prepara para um 2016 turbulento — e não só por causa da crise. Na sequência das mudanças estabelecidas pelas Instruções 541, 542 e 543 da CVM (que mexeram com a vida dos custodiantes), agora é a vez de administradores e gestores se ajustarem a uma nova realidade com a vigência das Instruções 555 e 558.

Enquanto milhares de fundos regulados pela antiga Instrução 409 se ajustam à 555 (a transição termina em junho de 2016), também é o momento de adaptação à Instrução 558 e a uma nova relação entre administradores e gestores no ambiente fiduciário.

As mudanças afetam os atores da indústria de formas diferentes. Os efeitos mais relevantes parecem ser as possibilidades de investimento da poupança pública em fundos — principalmente na relação entre varejo e ativos sofisticados — e a alteração do ambiente para os gestores independentes (não ligados a instituições financeiras).

Os independentes viveram a última década sob uma regulação relativamente flexível, em grande parte fundamentada na ideia de que não integram o risco sistêmico — por não serem donos dos ativos que gerem e por estarem sujeitos à supervisão do administrador dos fundos (o conceito de gatekeeping). Já os investidores de varejo conviveram com acesso limitado aos sofisticados investimentos nascidos da evolução do mercado mundial, restritos a investidores qualificados.

A Instrução 558 exige dos gestores mais compliance, políticas formais, diretores estatutários, maior responsabilidade e custo adicional. Para o independente, uma dor de cabeça que pode parecer desnecessária, por dar a impressão de barreira à entrada e alimentar o dilema regulação versus mercado — presente na discussão internacional de “over regulation”, a suposta situação das indústrias dos EUA (Dodd-Frank Act) e da Europa (AIFMD) no pós-crise de 2008. Estamos passando por isso? Não parece fazer sentido. Bom lembrar que a indústria brasileira de fundos resistiu exemplarmente à crise e não tivemos nenhum Madoff por aqui.

Para entender o que nos trouxe à realidade atual, é preciso verificar a cronologia das normas. A Instrução 558 substitui a 306, vigente por cerca de 15 anos. Objeto de poucas alterações, a 306 gerava desconforto por prever no registro de administradores de carteiras de valores mobiliários uma autorização que cobria, sob uma única chancela, atividades muito diferentes — a administração e a gestão de fundos. Era um reflexo da Lei 6.385/76, que usa o mesmo termo para as duas funções.
A questão foi superada na Instrução 558, que categoriza as atividades dentro do gênero e corrige outra antiga complicação do mercado ao permitir que gestores distribuam seus próprios fundos. A 306 previa, ainda, procedimento relativamente simples para registro, algumas regras de conduta e poucas exigências de políticas internas.

Nos idos de 2004, com a 306 valendo, já havia uma grande quantidade de gestores registrados, de diferentes tamanhos. Era possível encontrar empresas responsáveis por centenas de milhões de reais de terceiros formadas pelo próprio gestor e por uma secretária — como em um exército de um homem só. Eram (e são) muitas as estruturas com poucas pessoas, baixo custo e alta rentabilidade vivendo um drama comum: a batuta do administrador. Essa supervisão, ao mesmo tempo em que dava aos gestores a possibilidade de se manter enxutos, limitava seu alcance às interpretações do administrador.

A evolução econômica e financeira da última década fez o mercado nacional se tornar destino e origem de recursos para investimentos alternativos. Estrangeiros passaram a se interessar mais pelos nossos fundos e os gestores brasileiros começaram a olhar mais para a indústria de fora. A eclosão dessa nova economia ensejou, então, a exigência de práticas internacionais de compliance para os gestores que buscavam recursos de estrangeiros. O movimento inspirou a autorregulação a abrigar parte dessas exigências em seus códigos. Em 2007, a grande mudança: a CVM passou a permitir que os fundos regulados pela Instrução 409 investissem pequena parte de seus recursos no exterior. Consequentemente, a cada ano que passava, tanto a diligência dos administradores quanto o processo de autorização da CVM complicavam-se, frustrando as expectativas dos gestores e advogados de primeira viagem.

Foi nesse ambiente que os independentes viveram até 2015. Regido por uma regulação defasada, o mercado mostrava discrepâncias nos controles internos. Dependendo de quando o gestor houvesse pedido sua autorização ou do tipo de cliente e administrador com que trabalhasse, sua relação com processos internos variava drasticamente. A Instrução 558 veio para corrigir esse tipo de distorção.

O raciocínio se completa quando analisamos a história da política de investimento dos fundos de varejo. De 2004 a 2015, a Instrução 409 passou por profundas mudanças. Em pouco mais de dez anos, saímos de uma realidade de investimentos em ações, CDBs, títulos públicos e derivativos na BM&F para entrar em um novo mundo com investimentos no exterior, BDRs, derivativos na Cetip, debêntures privadas e fundos estruturados — todos acessíveis para investidores de varejo. Ou seja, as opções para esse público evoluíram e se sofisticaram, o que naturalmente gerou a intensificação da regulação.

Aí parece estar a raiz da nova realidade. Ao percebermos a flexibilização e a sofisticação da Instrução 409 na última década, enxergamos a intenção da CVM de não sacrificar a rentabilidade da poupança pública em razão de gestores pouco regulados. Para expor o varejo a esse novo mundo, o gestor precisou se sofisticar em um ambiente de mais controles próprios, independente da supervisão do administrador.

O desafio, portanto, não é apenas entender o contexto — é, igualmente, saber adaptar-se a ele. Os gestores precisam adotar compliance realista e proporcional ao seu tamanho, sem se deixar seduzir por soluções customizadas que desconsideram seus riscos reais — muitas vezes menores do que os teóricos, o que gera custos e burocracia excessiva. A área de compliance deve ser atuante, mas econômica. Diante de uma supervisão baseada em evidências, os manuais podem ser sucintos e precisos.

As lições de Marcos Elias no infame relatório “Monte sua própria gestora de recursos”, de 2011, ficaram defasadas. Já não bastarão um escritório na Faria Lima, um terminal da Bloomberg e um japonês para criar uma asset.


*Guilherme Fernandes Cooke ([email protected]) é sócio de Velloza & Girotto Advogados


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