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Em benefício de quem?
Oferta para venda de ativos do BC Fund acende debate sobre conflito de interesses entre gestores e cotistas de FIIs
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Já faz algum tempo que os cotistas de fundos de investimento imobiliário (FIIs) vêm fazendo barulho, atuando de forma mais ativa na defesa de seus interesses. A disposição tende a ganhar força no atual cenário de juros reais relativamente baixos, que enseja um acompanhamento com lupa da atuação de gestores e administradores para limitar perdas que poderiam ser evitadas ou para maximizar ganhos. Na ponta oposta, alguns dos que estão à frente dos FIIs questionam se os cotistas não estariam indo longe demais em suas interferências. É esse cenário de ativismo que os novos investidores — cuja migração para o segmento de FIIs é incentivada exatamente pela Selic reduzida — vão encontrar neste ano. Estão na pauta questões como conflitos de interesses, discordância sobre as taxas cobradas pelos administradores e limites de participação dos cotistas.

Um intrincado episódio do último mês de dezembro ilustra bem o que tem acontecido nessa seara. Em jogo, o destino do BC Fund, o maior e mais líquido FII do País — seu patrimônio atingiu 2,4 bilhões de reais no fim de 2017; já a negociação de suas cotas no ano passado representou 20% do volume financeiro do mercado secundário de FIIs da B3. Administrado pelo BTG Pactual Serviços Financeiros DTVM e gerido pela BTG Pactual Gestora de Recursos, o BC Fund possui nada menos que 29 mil cotistas.

No início daquele mês, em fato relevante divulgado no dia 5, a gestora informou ter recebido uma proposta para vender todos os ativos integrantes da carteira do BC Fund. A GTIS Partners Brasil, empresa de investimentos imobiliários que tem 4,4 bilhões de reais em participações no País em centros de distribuição, hotéis e edifícios residenciais, ofereceu pagar por eles 2,32 bilhões de reais. Essa foi a segunda investida da GTIS, que em outubro havia oferecido 2,19 bilhões (calculados com base no valor contábil de julho de 2017) por esses mesmos ativos. Já na primeira oportunidade, a gestora do FII recusou o negócio, fundamentando sua decisão em dois argumentos principais. Em primeiro lugar, considerou que o momento era de recuperação do mercado imobiliário, o que poderia levar à valorização dos imóveis do BC Fund. Além disso, observou a gestora, aceitar a proposta desvirtuaria a razão principal da existência de um FII, que é auferir rendimento dos seus imóveis para repassá-lo periodicamente aos cotistas — não faria sentido, assim, vender todos os ativos. A alienação da carteira implicaria, na prática, distribuição dos valores aos cotistas, proporcionalmente a suas participações, e posterior dissolução e liquidação do BC Fund.

Direito a opinar?

A BTG Pactual Gestora de Recursos tem até 60 dias — contados da data da segunda oferta (5 de dezembro de 2017) — para se manifestar. “Está em curso a análise sobre a proposta não vinculante e não solicitada pelos ativos do BC Fund. Em observância à sua missão de maximizar o patrimônio dos fundos e preservar o interesse dos investidores, a gestora informa que se manifestará no tempo devido”, diz nota divulgada pela gestora.

Na visão de um investidor pessoa física conhecido no mercado por sua postura ativista, que já se desfez das cotas do BC Fund e prefere não se identificar, a venda dos ativos do fundo seria uma boa oportunidade para os cotistas descontentes com os rumos do FII alienarem suas participações. Segundo ele, o fato de a taxa de vacância dos imóveis do portfólio do fundo estar acima da média do mercado é um sinal de má-gestão. Não à toa, observa, até a primeira proposta da GTIS as cotas eram negociadas a preços inferiores ao valor patrimonial. Dados da provedora de informações financeiras Quantum mostram que, na média de novembro, as cotas do BC Fund eram transacionadas a 93,8% do valor patrimonial. No primeiro trimestre de 2016, esse percentual já chegou a cerca de 70%.

É provável que mais uma vez a asset do BTG Pactual recuse a proposta da GTIS. No dia 18 de dezembro, a gestora tornou público um laudo de avaliação dos dez imóveis detidos direta ou indiretamente pelo fundo, feito pela consultoria Cushman & Wakefield, que avaliou cada cota em 124,55 reais — preço superior que o da melhor oferta da GTIS. De acordo com o fato relevante de 5 de dezembro, os 2,32 bilhões de reais que propôs como pagamento correspondiam a um valor patrimonial de 115 reais por cota em 31 de outubro de 2017.

Um pouco antes da divulgação do laudo, no dia 12 de dezembro, a gestora comunicou ao mercado que um cotista detentor de pelo menos 5% das cotas do BC Fund pediu a convocação de uma assembleia geral extraordinária (AGE) para que os cotistas pudessem deliberar sobre a proposta da GTIS Partners Brasil. No dia 18, no entanto, a asset do BTG Pactual informou que o cotista desistiu do pedido de convocação de AGE, sem explicar o motivo. Cabe observar, que embora inferior ao preço de 124,55 reais apurado pelo laudo da Cushman & Wakefield, o valor oferecido pela GTIS supera o preço das cotas do fundo na B3: 105,68 reais em 15 de janeiro. E se os investidores estão de fato descontentes com os rumos do BC Fund, é possível que boa parte deles esteja interessado na aceitação da oferta.

De acordo com a regulação estabelecida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o responsável pelo fundo tem a prerrogativa de tomar as decisões de compra e venda de ativos sem precisar convocar assembleia. Apesar disso, é habitual a chamada dos cotistas para deliberação nos casos de fundos que detêm apenas um imóvel (monoativos), pois a venda implicaria o fim do FII. A própria BTG Pactual Gestora de Recursos convocou uma AGE dos cotistas do fundo Cyrela Thera Corporate por ter recebido proposta de venda do único imóvel do portfólio.

Embora a gestora do BC Fund esteja legalmente amparada, pode-se dizer que teve uma atitude questionável, critica o investidor ativista. Como a GTIS queria comprar todos os imóveis pertencentes ao fundo, em tese ficaria caracterizada uma situação semelhante à de um fundo monoativo — ou seja, a oferta poderia representar a extinção do FII, o que por si só justificaria a convocação dos cotistas para uma AGE. Importante destacar que o grupo BTG, com um hipotético encerramento do BC Fund, deixaria de receber a taxa de gestão (1,1% ao ano) e também a taxa de administração (0,25% ao ano). A questão levantada nesse ponto é a existência de um eventual conflito de interesses.

Faca afiada

A taxa de administração do BC Fund já chegou a ser bem maior. Uma redução de 27% — de 1,5% para 1,1% — foi anunciada em outubro passado e feita voluntariamente pelo BTG. A nova taxa anual de 1,1% vale até outubro de 2019. A justificativa oficial para diminuição foi a redução dos juros e a lenta recuperação do mercado imobiliário, fatores que achatam os rendimentos distribuídos para os cotistas. Houve, no entanto, quem enxergasse na medida uma maneira de se evitar que as taxas fossem cortadas à revelia — e com uma faca mais afiada —, como ocorreu com o fundo CSHG Brasil Shopping, administrado pelo Credit Suisse Hedging-Griffo. Em assembleia, os cotistas desse FII conseguiram reduzir a taxa anual de administração de 1,5% para 0,6% ao ano.

Foi uma evidente demonstração da força do ativismo. O corte ocorreu por decisão de cotistas reunidos numa AGE convocada pela Hedge Invest, detentora de pelo menos 5% das cotas do fundo. No pedido de convocação, de agosto passado, a Hedge solicitou a redução com o argumento de que quando o fundo foi criado, em 2006, a Selic era muito mais alta e que, em julho de 2017, o equivalente a 24% dos resultados do FII foram destinados ao pagamento da taxa de administração. Em setembro, o CSHG convocou a AGE, mas não para deliberar o pedido de redução: colocou na pauta a eleição de três representantes de cotistas para discutir o assunto.

Para o advogado que defendeu a Hedge Invest no caso, Felipe Demori Claudino, sócio do Rolim de Mello Sociedade de Advogados, a medida do administrador foi protelatória — já que, a cada dia, o fundo devia ao Credit Suisse 60 mil reais a título de taxa. O escritório apelou à área técnica da CVM, para que a assembleia ocorresse de acordo com o pedido do investidor relevante, e a autarquia acolheu a reclamação. O CSHG recorreu ao colegiado — e perdeu. Aí começou uma guerra de pedidos de procuração para a votação na assembleia agendada para o dia 8 de novembro de 2017.

Na AGE, o administrador argumentou que o 0,6% correspondia à metade do percentual médio cobrado pelos fundos “de tijolo” (que compram ativos reais, em contraposição aos fundos que investem no setor por meio de títulos como os certificados de recebíveis imobiliários, os CRIs) com gestão ativa que fazem parte do Índice Ifix da B3. Como alternativa, propôs um sistema de cobrança anual vinculado à variação do patrimônio do fundo — começando em 0,95% para um patrimônio de até 1,5 bilhão de reais e chegando a 0,85% caso superasse 2 bilhões de reais. A instalação da AGE dependia da presença de 25% das cotas e a deliberação seria por voto da maioria. Participaram da assembleia 64,25% dos cotistas e votaram pela redução da taxa para 0,6% ao ano 39,46% das cotas —24,66% foram favoráveis à proposta escalonada do administrador.

“Vemos o ativismo com bons olhos, mas o ativismo praticado por concorrentes é discutível”, diz Bruno Laskowsky, diretor da CSHG Real Estate. A Hedge Invest é capitaneada por André Freitas, que por muitos anos foi gestor do CSHG, antes de abrir a sua casa de gestão. E completa: a CSHG não se recusou a chamar a AGE; apresentou uma alternativa, a de discutir com os cotistas mais profundamente sobre a redução da taxa.

Ativismo crescente

Laskowsky recomenda cuidado com esse tipo de discussão, uma vez que a guerra de preços reforça uma inadequada visão de curto prazo que pode desanimar administradores de fundos. Segundo ele, o mercado de FIIs no Brasil tem potencial para triplicar e a CSHG adota uma agenda positiva para desenvolver o produto. Hoje, a casa é a maior gestora de FIIs do País: são oito fundos, com patrimônio de 5 bilhões de reais. A CSHG poderia ter renunciado à administração do Brasil Shopping, mas decidiu não fazê-lo. “Vamos entregar sempre o melhor serviço”, garante Laskowsky.

O que ele designa agenda positiva inclui reuniões trimestrais por teleconferência com investidores, ocasiões em que a CSHG apresenta resultados dos fundos e responde a perguntas; e esforço para melhorar a liquidez das cotas na B3, por meio de reuniões com investidores e analistas. Para 2018 está nos planos a instalação de um conselho consultivo — cuja remuneração sairá da CSHG, e não dos fundos — integrado por profissionais independentes e com amplo conhecimento da área, para discussões sobre as tendências do setor imobiliário.

Na visão de Freitas, da Hedge Invest, no novo ciclo de mercado que se iniciou o ativismo dos investidores será crescente. Ele considera que o ponto nevrálgico dos embates — a taxa de administração — depende de variáveis como o tamanho do fundo e sua complexidade — um FII monoativo que tenha contrato de locação de 20 anos certamente exige menos de gestores e administradores do que um fundo com uma carteira pulverizada de imóveis. Além disso, quanto maior o patrimônio do fundo, maior a possibilidade de diluição de custos e, consequentemente, menor pode ser a taxa de administração. “Tudo depende de bom senso.”

Ainda que os casos de ativismo no segmento de FIIs tenham crescido, o advogado especialista em mercado imobiliário Carlos Ferrari, sócio do NF&A Advogados, observa que o mercado brasileiro ainda não presenciou embates radicais entre ativistas e administradores, como costuma acontecer em mercados mais maduros. No caso do CSHG Brasil Shopping, o Credit Suisse abriu mão de continuar a querela — nem levou adiante a discussão sobre eventual impedimento do voto da Hedge Invest por ser uma concorrente. “O ativismo no Brasil por enquanto não encontrou seu lugar. Em alguns casos ele ainda se apoia em interesses pontuais, e não no benefício de todos os cotistas”, avalia.

À parte as brigas entre cotistas e administradores e gestores, a expectativa é de recuperação do mercado imobiliário neste ano. “A retomada já começou. O poder de barganha, que estava nas mãos dos inquilinos por causa da recessão, vai começar a passar aos proprietários”, afirma Alexandre Rodrigues, analista da Rio Bravo. As ofertas públicas de cotas de FIIs em 2017 somaram 4,4 bilhões de reais até o fim de novembro, de acordo com a B3 — foram 2,1 bilhões de reais em todo o ano de 2016. Em 10 de janeiro, 11 registros de ofertas de FIIs estavam em análise na CVM, num total de 1,9 bilhão de reais.

Mais experientes, os investidores de FIIs devem examinar essas operações com lupa. “O mercado será mais criterioso, da mesma forma como ocorreu com o mercado acionário após o boom de aberturas de capital”, observa Marcos Ribeiro, advogado do Stocche Forbes. Nesse cenário, gestores e administradores que se cuidem. A chance de um investidor ativista bater em sua porta é cada vez maior.

 

 


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