O jogo virou
Não foi desta vez que a fragilidade dos desenvolvidos impulsionou os emergentes. Turbulências políticas e econômicas ainda os impedem de decolar

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O Brasil ganhou alguns apostos pouco enaltecedores do resto do mundo nos últimos meses. Um deles, cunhado pelo britânico Financial Times, é “ex-estrela emergente”. Outro, forjado pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), é “vulnerável”. Para completar, a Standard & Poor’s, uma das três principais agências de classificação de risco do mundo, rebaixou a nota de rating brasileira de BBB para BBB-.

A má fase, contudo, não é exclusividade deste emergente. Turquia, Índia, Indonésia e África do Sul também são vistas como frágeis pelo Fed, e diversos outros congêneres vêm apresentando desempenho ruim. Como uma bola de neve, as notícias devastaram esses mercados. Dados da consultoria EPFR Global mostram que houve resgates líquidos de US$ 37,2 bilhões dos fundos de ação desses países em 2014, até 20 de abril. O número é bem superior ao do ano passado inteiro, quando US$ 26,7 bilhões deixaram os emergentes como um todo. No Brasil, foram sacados US$ 554 milhões este ano, mas em 2013 haviam sido vultosos US$ 6,2 bilhões. Em abril último, o cenário começou a se inverter, ainda que timidamente: US$ 5,6 bilhões retornaram aos fundos de ação, e o Brasil recuperou US$ 100 milhões. O movimento, porém, é marginal diante do todo.

Retomando a coroa
Uma parte da fuga de capital resulta da vulnerabilidade dos emergentes à mudança de política monetária dos Estados Unidos. Com o fim da bilionária injeção de recursos para compra de títulos (quantitative easing), prevista para ocorrer até o fim deste ano, a tendência é o Fed aumentar sua taxa de juros, atualmente estacionada em míseros 0,25% — e, por consequência, fisgar muitos dos recursos atualmente espalhados pelo mundo. O mercado acionário americano também exerce seu fascínio. O S&P 500 valorizou mais de 26% em 2013, enquanto o Ibovespa caiu 21,4%. A alta estimulou as aberturas de capital: do começo do ano até o fim de abril, 94 IPOs ocorreram nas bolsas americanas, rendendo um total de US$ 7,6 bilhões em captações.

O otimismo com os desenvolvidos também se estende à Europa. Até a Espanha, que envergonha-se de um desemprego de 26%, vem recebendo elogios. “O país tomou decisões difíceis e está mais competitivo”, analisa Andres Garcia-Amaya, estrategista global da J.P. Morgan Asset Management. Para reduzir o déficit público, o governo espanhol se comprometeu a economizar € 150 bilhões entre 2012 e 2015. Teve que aumentar impostos e diminuir gastos com saúde e educação, além de congelar salários no setor público. As medidas foram impopulares, mas ajudaram a economia a sair da recessão relativamente rápido. Depois de dois anos sem crescer, a Espanha anunciou, em outubro de 2013, avanço de 0,1% no PIB.

Houston, nós temos um problema
A recuperação de países desenvolvidos está longe de ser a única pedra no sapato dos emergentes. “Esses mercados enfrentam muitos ventos pesados, entre os quais a incerteza a respeito do ritmo de crescimento da China e a queda no preço das commodities. Além disso, há questões específicas de cada nação”, observa George Hoguet, diretor global de estratégia de investimentos da gestora State Street Global Advisors.

A maioria dessas particularidades tem a ver com política. A Turquia, desde maio de 2013, vem sendo palco de intensos levantes populares contra o governo de Recep Tayyip Erdoğan. Na Ucrânia, o presidente Viktor Yanukovich foi deposto após protestos marcados por violência. Apesar de alguns especuladores verem oportunidades em períodos de crise política, os investidores de longo prazo fogem da incerteza. Fundos de ação voltados para a Rússia sofreram resgates de US$ 345 milhões no primeiro trimestre de 2014 e de US$ 1,34 bilhão em todo o ano passado.

No caso da África do Sul, da Índia e do Brasil, a situação política é mais estável, mas também incerta. Os três países passarão por eleições gerais este ano, e o Brasil é o que mais permanece em banho-maria. “Dilma Rousseff tem que tomar algumas decisões difíceis, e é complicado para ela fazer isso e pedir votos ao mesmo tempo”, diz Amaya. As decisões às quais ele se refere estão ligadas, principalmente, à política fiscal, pivô do rebaixamento do rating brasileiro pela S&P.

Quando comparado aos pares do grupo de emergentes, no entanto, o Brasil preserva vantagens. “Acertou ao começar um ciclo gradual de aumento da taxa básica de juros no ano passado”, considera Amaya. Enquanto o governo brasileiro demorou mais de um ano para subir sua taxa de juros de 7,25% para os 11% atuais, a Turquia, por exemplo, a elevou em janeiro em uma tacada só: de 7,75% ao ano para 12%, com o intuito de conter a inflação, que alcançou 7,5% em 2013.

Sombrero americano
Nesse amontoado de emergentes que geram preocupação, o México ocupa um patamar privilegiado, ainda que os fundos voltados ao país também tenham sofrido resgates. O motivo é a forte ligação da economia com a do vizinho americano: 71% de suas exportações vão para lá. Como os Estados Unidos se recuperam e aceleram o ritmo de expansão econômica, nada mais natural do que voltar os olhos para quem mais negocia com eles. Além disso, incerteza política não é um problema por lá: as últimas eleições presidenciais foram em 2012, e as próximas ocorrerão apenas em 2018. “O México já fez suas escolhas”, comenta Hoguet.

A sensação dos investidores com relação ao país, entretanto, é a mesma que eles reservavam a nós em 2010. O México tem promovido o aumento da renda da população mais pobre e registra um índice contido de desemprego (em torno de 5%, tão baixo quanto o brasileiro). Já o PIB per capita mexicano, de acordo com dados de 2011 do Fundo Monetário Internacional, é um pouco mais baixo que o nosso: US$ 10,2 mil, contra US$ 12,6 mil do Brasil. “O México é promissor. Todavia, se não entregar os resultados nos próximos anos, vai perder a atratividade da mesma forma que o Brasil”, avalia Nick Robinson, diretor dexinvestimentos em ações para o Brasil da escocesa Aberdeen Asset Management. Em 2013, a expansão do PIB mexicano foi de apenas 1,1%, abaixo do crescimento de 2,3% registrado pela economia brasileira.

Se for para seguir o exemplo de alguém, então, que seja o da Coreia do Sul. O país asiático não é mais uma promessa. Com economia forte e empresas sólidas, principalmente no setor de tecnologia, é visto como um porto seguro entre as nações que não ascenderam à categoria de desenvolvidas. O PIB coreano vem crescendo de forma consistente: 2,3% em 2012 e 3% em 2013. Além disso, apenas 3,4% dos cidadãos não têm emprego. A renda anual média dos sul-coreanos é de quase US$ 23 mil, nível próximo ao de muitos países desenvolvidos. Embora os fundos dedicados ao país também tenham registrado saídas (mais de US$ 1,5 bilhão em 2013), isso não desanima os investidores de longo prazo. “A Coreia do Sul tem um índice de poupança interna alto, o que ajuda a manter o nível de investimentos quando os estrangeiros vão embora”, afirma o estrategista Amaya, do J.P. Morgan. Enquanto Brasil e México registram taxa de poupança de, respectivamente, 21% e 16% do PIB, o país asiático tem 31%. Essa nave, Houston, está mais próxima de onde todos queremos chegar.

Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com


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