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O jogo mudou
Novidades tecnológicas e de comportamento transformam a indústria de distribuição de investimentos
Ilustração: Beto Nejme / Grau 180

Ilustração: Beto Nejme / Grau 180

Se a revolução digital já foi capaz de, em muito pouco tempo, transformar completamente a forma como as pessoas trabalham, se locomovem, se divertem e se comunicam, não é razoável imaginar que seria diferente com a maneira como investem. O caso da XP é emblemático nesse sentido. A empresa começou há apenas 15 anos como um acanhado negócio em Porto Alegre e hoje é uma robusta plataforma de múltiplos investimentos que arrecada R$ 2 bilhões por mês em novos recursos — um crescimento de cem vezes em relação ao que captava oito anos atrás. O dinheiro é proveniente de clientes que abandonam os bancos tradicionais em busca de uma plataforma aberta de investimentos. “Existe um campo gigantesco no nicho de distribuição, fato comprovado pelo sucesso da XP”, observa Lauro Araújo, diretor da consultoria Lockton.

A empresa capitaneada pelo carioca Guilherme Benchimol é, de fato, uma inspiração para quem deseja explorar esse nicho. Se a expectativa do empresário se confirmar, o IPO da XP, previsto para acontecer ainda este ano, pode movimentar extraordinários R$ 12 bilhões. A cifra é um indicador do valor do negócio cultivado por Benchimol e que trilhou os passos da corretora americana Charles Schwab. Uma das maiores dos EUA, ela percebeu que, para fidelizar o cliente, precisava oferecer uma plataforma em que ele pudesse comparar diversos produtos financeiros (conceito de “arquitetura aberta”) e escolher os que melhor se adaptassem aos seus objetivos. A corretora, nesse contexto, era apenas um veículo para fisgar potenciais usuários da plataforma. Esse modus operandi é exatamente o oposto do adotado pelos grandes bancos de varejo — oferta de produtos próprios, divididos conforme as características (e o bolso) dos clientes. “A indústria de distribuição brasileira ainda continua muito concentrada nessas instituições. Mas esse cenário começa a mudar”, observa Carlos Massaru Takahashi, consultor sênior da BlackRock no Brasil, citando como exemplos os movimentos recentes de BTG Pactual e Banco Original.

Controlado pela holding J&F, dona da JBS, o Original lançou em março de 2016 o seu banco digital, que não tem agências físicas e permite abertura de conta corrente pelo celular. A plataforma tem a proposta de cuidar de toda a vida financeira do cliente, o que inclui desde a gestão dos gastos no cartão de crédito até a seleção de investimentos com valores de entrada reduzidos. A proposta agradou o mercado: em um ano de operação, o banco conquistou 230 mil correntistas. Por meio da plataforma do Original, eles têm acesso a CDBs, LCIs e LCAs de diversas instituições, além de fundos de renomadas gestoras independentes, como ARX, BNP Paribas, JP Morgan, Vinci Partner e Western Asset. O Original não informa o quanto já captou em investimentos.

O banco fundado por André Esteves também aposta na distribuição de produtos de terceiros para ampliar sua base de investidores. No ano passado, a instituição inaugurou o BTG Pactual Digital, plataforma para a oferta de fundos, produtos de renda fixa e planos de previdência, antes disponíveis apenas para clientes abastados. Agora quem tem a partir de R$ 3 mil pode igualmente ter acesso a essa vitrine. “Em algum momento vamos repetir o que aconteceu nos Estados Unidos. Lá, a migração de recursos de bancos para plataformas começou por volta de 1975. A evolução levou cerca de 20 anos para se consolidar [vale ressaltar que em uma era não digital, notadamente mais lenta], mas hoje operações como a da Fidelity [famosa plataforma de investimentos pessoais] são de fato muito grandes”, observa Marcelo Flora, sócio responsável pelo BTG Pactual Digital. A meta do banco é ter na plataforma, nos próximos quatro anos, cerca de 300 mil clientes e 10% do patrimônio do varejo brasileiro de alta renda, que em 2016 somava R$ 630 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Com uma gestora já consolidada no mercado — são R$ 116 bilhões sob administração, além dos R$ 70 bilhões da gestão de patrimônio —, o BTG há muito tempo tinha interesse em montar uma operação nesses moldes, mas só viu condições favoráveis de mercado para colocá-la em prática nos últimos anos. Houve, nas palavras de Flora, um “alinhamento perfeito dos astros”: mudança comportamental dos investidores — que ficaram mais receptivos à ideia de fazer aplicações financeiras por meios digitais —, popularização dos smartphones e queda do custo de acesso à internet. “Estamos fazendo isso agora porque a tecnologia permitiu um grande ganho de escala, o que não era possível no passado”, justifica.

Empurrão da Selic

Mas o que no Brasil realmente deve dar tração a esse comboio de saída dos investimentos dos bancos em direção às plataformas digitais é a tendência do fim de uma genuína jabuticaba, representada pela alta taxa de juros brasileira. De acordo com o boletim Focus, os economistas projetam que, no fim de 2017, a Selic possa atingir 8,5%. Hoje, a taxa básica de juros da economia é de 11,25%.

Sem a muleta da Selic de dois dígitos, quem estiver atrás de rentabilidade vai precisar se mexer — e, nesse cenário, o pequeno investidor tem um incentivo para analisar as oportunidades disponíveis nas plataformas de investimentos. Em 2012, quando a taxa Selic escorou em 7,25% ao ano, pouco mais da metade do patamar atual, os investidores perceberam que para garantir rentabilidade era necessário diversificar e sofisticar as carteiras. Como a taxa logo voltou a subir, por circunstâncias macroeconômicas e políticas adversas, o processo não se solidificou — todavia, não deixa de ser uma boa amostra do que pode acontecer quando não existe a possibilidade de ganho alto com risco baixo. “O juro básico menor é um grande vetor de migração de recursos e um atrativo para fundos alternativos”, diz Marcelo Michaluá, sócio-gestor da RB Capital, gestora especializada em fundos imobiliários e em securitização de ativos.

Os bancos de varejo, evidentemente, já perceberam a mudança de clima, e tentam criar opções para limitar a migração de recursos. Entre os grandes, o Itaú Unibanco deu a largada: desde o início deste ano oferece fundos de terceiros à própria base de clientes de alta renda do segmento Personnalité, que atende pessoas com renda mensal mínima de R$ 10 mil ou investimentos de R$ 100 mil a R$ 10 milhões. O banco trilha assim os passos do Citibank, pioneiro no País no uso do modelo de arquitetura aberta (em 2016 o Itaú comprou a operação de varejo do banco americano no Brasil, por R$ 710 milhões). “A mudança será gradual, a exemplo do que aconteceu no segmento de private banking. É um movimento saudável para a indústria, que ganha em produtividade e transparência”, avalia Takahashi, da BlackRock.

A arquitetura aberta, portanto, não é exatamente uma novidade para os bancos de varejo; no entanto, ela é muito mais comum para os clientes com grandes patrimônios, do segmento de private banking (com mais de R$ 1 milhão em aplicações) para cima. Nessas faixas, a concorrência na distribuição já é maior — as ofertas dos bancos se somam às de gestoras de patrimônios e de family offices. E é a ressonância dessa disputa na média e baixa rendas que tende a fomentar os negócios das novas plataformas, sejam independentes ou vinculadas a grandes bancos, ou até mesmo daquelas estruturadas para o aconselhamento por algoritmos (robo-advisors).

Interesse de fora

O novo tabuleiro da distribuição de investimentos igualmente arregimenta jogadores estrangeiros. Na opinião de Giuseppe Perrucci, presidente da Azimut Brasil, em termos de distribuição o Brasil parece a Itália dos anos 1990, quando as aplicações por lá eram igualmente concentradas em bancos. “A falta de competitividade não favorecia a disseminação de serviços e produtos de alta qualidade”, destaca Perrucci.

O grupo italiano adquiriu, desde 2013, duas gestoras de recursos (Quest e Legan) e duas gestoras de patrimônio (Futura Invest e LFI Investimentos) no Brasil. Segundo o executivo, o foco das aquisições agora está apenas em gestoras de patrimônio, para acelerar o crescimento via distribuição. De acordo com Walter Maciel, presidente da AZ Quest, a sociedade com a Azimut oferece a possibilidade de a gestora brasileira ter parceiros de distribuição fora do País, para ofertar os produtos da casa também a estrangeiros. “É uma opção para o futuro”, afirma.

Outro caso que ilustra bem o interesse estrangeiro por participar do processo de desintermediação bancária no Brasil é o acordo que a gestora americana Advent International fechou em março para comprar uma participação minoritária na corretora Easynvest, por um valor não divulgado. Líder na distribuição de Tesouro Direto no País, a Easynvest conta com uma plataforma digital de investimentos dedicada principalmente à oferta de produtos de renda fixa. A transação marca mais um deslocamento no tabuleiro. Com os juros imbicando para baixo, ninguém quer correr o risco de estar mal posicionado quando o jogo esquentar.

Estrangeiros avançam sobre assets brasileiras

Não é só no setor de distribuição que os estrangeiros estão ganhando espaço. O mesmo acontece no nicho de gestão de recursos no Brasil. Nos últimos anos, a italiana Azimut comprou a Quest e a Legan, a chinesa Fosun abocanhou o controle da Rio Bravo, a americana Principal Financial Group adquiriu a Claritas e a japonesa Orix arrematou uma participação na RB Capital. Para Carlos Ambrósio, vice-presidente da Anbima e presidente da Claritas, a entrada de estrangeiros mostra que o mercado está suficientemente maduro para instigar o interesse externo.

Há, ainda, um fator curioso nessas trocas de controle. Os estrangeiros chegaram bem no momento da aposentadoria de uma pioneira geração de gestores brasileiros, responsável por erguer importantes casas independentes de gestão. Os italianos da Azimut compraram a participação de Luiz Carlos Mendonça de Barros, sócio-fundador da Quest; a Orix proporcionou a porta de saída para sócios antigos da RB Capital, que já haviam se afastado das funções executivas. Marcelo Michaluá, sócio-gestor da RB Capital, conta que a entrada de capital estrangeiro na companhia foi resultado de uma convergência de fatores microeconômicos (necessidade de institucionalização da empresa, que até então era controlada por CPFs) e macroeconômicos (a mudança de governo e a expectativa de um cenário de maior estabilidade para a economia e para um novo ciclo de crescimento do mercado de capitais brasileiro).

No caso da Rio Bravo, havia um fundo de private equity americano que detinha 30% do capital da gestora e que precisava de uma boa oportunidade para se desfazer do investimento. Na ponta oposta, a Fosun já havia estabelecido em seu plano estratégico o aumento de exposição em mercados emergentes e aproveitou o bom momento para compradores gerado pela crise econômica no Brasil. “Havia um vendedor e um comprador em um mesmo momento”, resume Paulo Bilyk, diretor de investimentos e um dos sócios-fundadores da Rio Bravo. O sócio chinês levou à Rio Bravo capital financeiro e competências de uma empresa com atuação global. Segundo Bilyk, a Fosun tem importantes investimentos em tecnologia financeira nos EUA e, na China, proximidade com soluções digitais como Baidu e Alibaba. “Estamos discutindo algumas ideias e projetos com eles. Vamos aumentar fortemente nossa presença em canais de distribuição eletrônicos”, diz o sócio, que não dá mais detalhes, mas diz que a gestora eventualmente pode criar uma solução própria para isso. (T.F)


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