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Fome de dragão
O que esperar do movimento de diversificação dos investimentos chineses no Brasil
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Demorou um pouco, mas no começo deste ano finalmente nasceu o primeiro unicórnio brasileiro. Por um montante estimado em 1 bilhão de dólares — valor que simboliza o batismo de uma startup com o nome do animal das fábulas — foi vendida a 99, operadora de aplicativo de transporte individual. Se o surgimento do unicórnio era esperado, em tempos de domínio da Uber nesse mercado, a surpresa veio da origem da compradora: a empresa de transportes chinesa Didi Chuxing, que com a operação se alinha a outros muitos investidores conterrâneos que constantemente aportam recursos no Brasil há pelo menos uma década. Tamanha aposta num ramo tão novo quanto o de aplicativos de transporte consolida a diversificação dos interesses dos chineses no País — que vão de commodities a serviços financeiros, de energia a montadoras de veículos.

De acordo com levantamento da consultoria Transactional Track Record (TTR), em 2017 houve um recorde de 22 operações envolvendo ativos brasileiros e investidores chineses, num total de 27,1 bilhões de reais. São transações de vulto como a compra da CPFL Energia e da ERSA Energias Renováveis pela State Grid e as vendas da consultoria em engenharia Concremat para a China Communications Construction Company (CCCC) e da Guide Investimentos para o grupo Fosun.

As investidas dos chineses — à parte os interesses específicos de cada empresa —alinham-se ao fortalecimento das relações bilaterais, comenta o coordenador de análise do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Tulio Cariello. Desde 2009, a China ocupa o posto de maior parceiro comercial do Brasil — apenas no ano passado, 20% das transações comerciais brasileiras no mercado internacional envolviam o mercado chinês. Entre 2016 e 2017, as exportações brasileiras para a China aumentaram 35%, para 47,5 bilhões de dólares. Não à toa, portanto, os investidores têm dedicado tanta atenção aos ativos brasileiros. “Se os chineses investem em ferrovias e portos, por exemplo, têm condições de beneficiar o transporte de produtos importantes na pauta das exportações brasileiras para a China, como soja e minérios”, destaca. “Com essa estratégia, conseguem reduzir os custos com transporte e contribuir para o desenvolvimento do Brasil”. Nesse contexto, não se estranha a frequência de empresas chinesas em disputas por projetos e ativos de infraestrutura por aqui.

Fato é que diante de uma demanda gigante de 1,3 bilhão de pessoas por insumos e serviços básicos, a China precisa buscar fora o que não tem — ou que não possui em quantidade suficiente — em seu próprio território. Um bom case vem do segmento de energia, que conquistou especial atenção dos chineses dentro do setor de infraestrutura, observa Guilherme Malouf, sócio do Machado Meyer Advogados. Segundo ele, estima-se que em 2035 a China represente 28% da demanda mundial por energia primária. Para fazer frente a um desafio de fornecimento desse tamanho, o país planeja investir muitos bilhões de dólares em empresas e projetos de energia renovável mundo afora nos próximos anos. “O objetivo é reduzir a dependência que a China ainda tem das usinas de carvão”, ressalta. E potencial de energia renovável certamente não falta ao Brasil.

Diversificação

Mas o olhar dos chineses vai além do básico. Setores como construção civil, de serviços de saúde e financeiro também estão no radar. No ano passado, o grupo Fosun comprou uma das torres do empreendimento Parque da Cidade, na zona sul da capital paulista, por 440 milhões de reais — vale lembrar que, também em 2017, o Fosun adquiriu uma participação relevante na gestora Guide Investimentos, depois de ter ficado, em 2016, com o controle da gestora Rio Bravo Investimentos. “É preciso lembrar que a China está passando por um processo de internacionalização e de abertura de mercado”, destaca Malouf para justificar a abrangência dos interesses dos chineses no Brasil. Esse movimento levou o país a saltar do 8º lugar na lista das maiores economias do globo há apenas 20 anos para a vice-liderança.

A diversificação se estende aos ativos de tecnologia. A compra do controle da 99 não foi a primeira investida da Didi Chuxing no País. A empresa desembarcou por aqui ainda no ano passado, quando adquiriu participação minoritária na mesma 99, por cerca de 100 milhões de dólares. Dois anos antes, a PSafe (de segurança para celulares) passou a contar, em sua estrutura de capital, com um grupo de acionistas que incluía a chinesa Qihoo 360 Technology. “A China tem interesse estratégico em deter mais tecnologia, para mudar o perfil de sua economia”, observa Alan Fernandes, presidente do Haitong Banco de Investimento do Brasil. Segundo ele, a China é um dos países mais avançados em uso de aplicativos e meios de pagamento. “Eles querem encontrar bons negócios, com preços atrativos e que supram determinados pontos que são relevantes para a economia chinesa”, avalia.

Já na avaliação de Cariello, do CEBC, as investidas em startups de tecnologia brasileiras não configuram uma tendência. Mas não por falta de interesse: ocorre que, em geral, os chineses compram empresas de tecnologia que já estão operando a pleno vapor, e no Brasil ainda é reduzida a oferta de ativos com essa característica — diferentemente do que acontece em países do sudeste asiático, no leste europeu e na Índia. A própria Didi Chuxing é proprietária da operação chinesa da Uber e já investiu em alguns concorrentes do aplicativo em outras partes do mundo — como Grab (Cingapura), Ola (Índia), Taxify (Estônia) a Careem (Oriente Médio). “Sem dúvida há espaço para ampliação dos investimentos chineses em tecnologia, mas não os vejo como destaque”, afirma Cariello.

Quarta onda

Numa perspectiva histórica, os investimentos de empresas chinesas no Brasil podem ser divididos em ciclos. O atual, comenta Cariello, teve início em 2014, quando os chineses começaram a mostrar grande interesse em ativos de energia, tanto na área de geração quanto na de transmissão. Também fazem parte dessa onda aportes no agronegócio — principalmente via aquisição de tradings — e participação em leilões de infraestrutura. Característica marcante desse ciclo é o fato de os chineses se concentrarem em fusões e aquisições, de forma a garantir a compra de empresas que já estão com operação consolidada — exatamente o caso do unicórnio 99.

Já na primeira onda dos investimentos chineses, relata Cariello, entre 2007 e 2011, as empresas da China priorizavam aportes em atividades ligadas a commodities. “Estratégia totalmente alinhada com a pauta de exportações do Brasil para a China”, sublinha. Até hoje, por sinal, as commodities representam 80% das vendas brasileiras para os chineses. Foi nesse ciclo inaugural que a estatal Sinopec comprou 40% das operações brasileiras da espanhola Repsol. Esse movimento, explica Cariello, estava em sintonia tanto com o volume de petróleo bruto brasileiro importado pela China quanto com o processo de internacionalização das empresas chinesas. “O foco, na época, também estava em companhias ligadas à exploração de recursos naturais”, afirma.

Na fase seguinte, que se estendeu até 2013, foi a vez de os chineses buscarem oportunidades na área industrial — particularmente em máquinas e equipamentos, produção de automóveis e de aparelhos eletrônicos. “O então bom momento da economia e a expansão do mercado consumidor no Brasil favoreciam essa estratégia”, destaca. Nesse período, desembarcaram fabricantes de máquinas e equipamentos, como a Sany, e montadoras de veículos, como a Chery. Empresas do setor de eletrônicos, como Huawei e Lenovo, ampliaram as operações que já tinham no Brasil.

A terceira onda durou de 2013 a 2014, especialmente com o interesse no setor de serviços. Foi por essa época que bancos chineses se estabeleceram no País ou adquiriram participações acionárias em instituições que já operavam no Brasil. “Essa estratégia foi motivada pelo aumento gradativo dos investimentos chineses no Brasil, uma forma de dar suporte às operações e de respaldar o comércio entre os dois países.”

O quarto ciclo, na opinião do executivo da CEBC, é dominado por investimentos em infraestrutura e deve continuar firme em 2018. Afinal, estão na agenda oportunidades de aquisição de ativos que o governo quer privatizar (portos, aeroportos, rodovias e ferrovias). Já a próxima onda, afirma, deve gerar controvérsia, por envolver o interesse dos chineses pela compra de terras brasileiras — a venda de propriedades rurais a estrangeiros ainda tem restrições legais. Mais do que o reforço de uma parceria comercial, esse tipo de aquisição inevitavelmente esbarraria na apaixonada discussão sobre ameaça à soberania nacional. Mas a julgar pela quantidade de operações feitas dos últimos anos, os chineses não devem perder essa oportunidade.

 


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