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Efeito dos juros na bolsa nem sempre segue o senso comum
Análise derruba crença da existência de inquestionável correlação inversa entre variação de taxa básica e índices de ações  
Ilustração de Alexandre Póvoa

Alexandre Póvoa*/ Ilustração: Julia Padula

Investidores e profissionais do mercado compartilham uma crença geral em torno da existência inquestionável de correlação inversa entre variação da taxa básica e desempenho das ações. Traduzindo: juro (Selic) sobe, bolsa cai; juro cai, bolsa sobe. Essa ligação está parcialmente correta, por uma questão de demanda potencial por ativos de risco — normalmente sobe/cai quando o juro cai/sobe. A queda/alta da taxa Selic reduziria/aumentaria o retorno médio dos fundos DI e de renda fixa, o que, teoricamente (nem sempre na prática), melhoraria/pioraria a atratividade para a compra de ações.

Cabe enfatizar, porém, que o fator determinante para a formação da taxa de desconto nos fluxos de caixa é o juro longo, que será influenciado pelas expectativas dos agentes de prazo mais dilatado, de acordo com a qualidade de condução da política monetária pelo Banco Central (BC). Portanto, mesmo que a autoridade monetária algum dia resolva — seja por “pressão política” ou decisão técnica errada — reduzir sem fundamento a taxa Selic para patamares muito baixos, a influência na bolsa pode até ser negativa, caso os investidores percebam o passo em falso. Em geral, nessa situação, a curva de juros “empina”, ficando as taxas baixas somente nos prazos curtos (nos quais o BC consegue atuar). As taxas mais longas, que exercem influência na atividade econômica, tendem a subir. É como se o investidor fizesse a seguinte projeção: “A autoridade monetária está fazendo um movimento errado hoje que terá de ser corrigido algum dia.”

De maneira inversa, mesmo com a elevação da taxa Selic, o mercado acionário pode reagir bem, caso os investidores percebam a antecipação do governo a algum problema inflacionário futuro.

Fizemos um estudo de 45 anos para os EUA e de 20 anos para o Brasil, analisando os diversos períodos de aperto e relaxamento da política monetária. A conclusão foi de que não há correlação empírica direta entre as fases de elevação/contração da taxa básica das economias com o mau/bom desempenho das bolsas. Dos 20 períodos de forte oscilação de política monetária (11 no Brasil e nove nos EUA), considerando como neutra qualquer variação entre -5% e 5%, em apenas sete (seis no Brasil e uma nos EUA) se confirmou o senso comum do “juro sobe, bolsa cai; juro para baixo, bolsa para cima”. Na maior parte das vezes — oito no total —, ocorreu exatamente o inverso do esperado. Em outros cinco eventos, após grande volatilidade, a bolsa acabou praticamente com a mesma pontuação, apesar da forte variação da taxa básica.

Valem algumas ponderações a respeito dessas constatações.

Fator antecipação. Os investidores podem antecipar os movimentos do BC (se eles forem esperados), comprando ações na iminência de queda de juros e vendendo papéis na expectativa de aperto de política monetária. Quando a alta ou a queda da taxa básica efetivamente é implementada, já ocorreu a maior parte da oscilação do mercado de ações, que pode até sofrer uma “realização de lucros” no evento. Portanto, somente “surpresas” de política monetária tenderiam a mexer mais significativamente com as cotações no período coincidente. Para minimizarmos esse problema, na lista apresentada, buscamos estender os ciclos sempre que possível.

Razão da contração/relaxamento da política monetária. Se o BC eleva ou reduz os juros básicos pelas razões corretas — antecipação de algum movimento, respectivamente, inflacionário ou de queda projetada de atividade — o mercado costuma aplaudir. Mas se o BC se mostra “atrás da curva” (behind the curve), as ações tendem a sofrer independentemente da direção da política, dado que as taxas embutidas na curva longa de juros se moverão para cima, por causa da elevação de risco (demanda de prêmio adicional pela incerteza quanto ao futuro).

Conjuntura econômica e aversão a risco. O processo de formação de preços na bolsa envolve numerosos fatores, não apenas o chamado ativo livre de risco (juro longo), que representa só uma parte da taxa de desconto. Mesmo com os BCs agindo corretamente, se estivermos em meio a uma grande crise, os preços dos ativos de renda variável tendem a sofrer pelo aumento de aversão a risco do investidor e pela expectativa de crescimento econômico menor. Essa situação pôde ser atestada no período entre 2007 e 2011, quando o mundo desenvolvido viveu uma situação inédita de juro básico virtualmente igual a zero, com bancos centrais de todo o globo gastando fortunas na recompra de títulos longos privados e públicos (visando baixar os juros embutidos nesses papéis). Mesmo assim, as bolsas tiveram performance muito ruim. Já em 2016, quando o FED (banco central americano) iniciou a normalização monetária (subida gradativa dos juros) e redução na compra de papéis, o mercado enxergou positivamente o movimento e as bolsas subiram, desafiando senso comum.

O caso do Japão é ainda mais emblemático. O país tinha um juro básico de 6% ao ano no final da década de 1980, quando estava no auge econômico, tendo entrado em recessão no ocaso dos anos 1990, mesmo com o juro declinante. No início deste século, mais precisamente em 2001, o BOJ (Banco Central do Japão) implementou a política do juro virtualmente zero. O resultado, para quem acredita piamente que a política monetária é decisiva para a definição do desempenho das bolsas, é decepcionante: o Índice Nikkei, em ienes, caiu 45% entre 1990 e 2018, dado que a economia nunca mais se recuperou por razões macroeconômicas mais profundas, mesmo com o juro zero.


*Alexandre Póvoa ([email protected]) é presidente da Canepa Asset Brasil e autor dos livro: “Valuation, Como Precificar Ações” e “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor”.


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