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Contra a corrente
Antessala

Fotos: Aline Massuca

Gerir um fundo de ações hoje no Brasil é como nadar contra a maré. A conjuntura política e econômica adversa, aliada a uma taxa de juros de dois dígitos, afasta os investidores de produtos de investimento arriscados. Resultado: diversas gestoras de fundos de ações viram o patrimônio líquido da clientela se esvair. Nesse cenário, oferecer uma grade de fundos diversificada é, sem dúvida, uma vantagem. “O problema é que poucas gestoras possuem um mix de produtos consistente para o mercado brasileiro”, pondera André Leite, sócio da Tag. Ele participou, ao lado de outros quatro especialistas (veja fotos), de uma conversa sobre como as gestoras de recursos vêm enfrentando a crise e as perspectivas para o setor e a economia. A seguir, confira trechos da conversa.

CAPITAL ABERTO: Qual tem sido o impacto da crise sobre os negócios de vocês?

André Gordon: Nós, da GTI, estamos no olho do furacão. E não apenas por sermos uma gestora menor, mas também por nos dedicarmos exclusivamente ao investimento em renda variável, com foco em small e mid caps. Esse é o ambiente em que a aversão ao risco causa o maior dano. Ao longo dos últimos cinco anos, a perda de credibilidade do País levou a uma fuga natural de recursos. Os family offices estrangeiros, antes mesmo da última eleição, foram os primeiros a retirar dinheiro. As pessoas estavam, de fato, muito preocupadas, então tivemos um movimento maciço de resgates. E, logo em seguida, a disparada do câmbio também ajudou a assustar os estrangeiros. De lá para cá, nossos fundos sofreram resgates que fizeram com que perdêssemos um pouco mais de 90% dos recursos sob gestão. Nós só continuamos porque somos cabeças-duras: é aquele lema do “sou brasileiro e não desisto nunca”.

Cassiano Leme: O cenário, como o Gordon descreveu, é de perda de confiança e, portanto, de pouquíssimo apetite para risco. Nossos fundos [são três carteiras: uma de ações, uma long only e uma long and short] têm captação líquida positiva, mas tem sido muito difícil obter dinheiro para nossa estratégia de renda variável. Muito difícil, como arrancar dente, porque em massa os investidores dizem “não”. O que mais escuto é “não quero correr nenhum tipo de risco, estou mandando dinheiro embora, só tenho CDI”. Houve uma realocação no mercado inteiro rumo a títulos de renda fixa de curto prazo, como LCIs e LCAs. O Brasil tem uma taxa de juros elevada em relação ao resto do mundo e existe um cenário atípico, de um período muito longo no qual as empresas não conseguem gerar uma rentabilidade adequada. A combinação desses dois fatores, aliada à destruição das estatais, é muito ruim para o mercado acionário e, consequentemente, para as gestoras com foco em ações.

Walter Maciel: É muito difícil hoje argumentar para o investidor que vale a pena tomar risco. Como vivemos num país em que existe um efeito crowding out, ou seja, o governo enxuga todo o dinheiro disponível no sistema, os juros precisam ser muito mais altos do que deveriam. Além disso, temos problemas estruturais, igualmente decorrentes dessa questão inicial e que acabam gerando falta de competitividade, de produtividade — o que também exige juros elevados. Isso faz com que qualquer tipo de negócio precise ter uma taxa de retorno extremamente alta para compensar esse custo de oportunidade. O resultado são investidores inibidos e um horizonte de investimento de curtíssimo prazo.

André Gordon: Os investidores não conseguem ter um horizonte de investimento de dez anos. Quando ocorre um evento negativo, o cliente logo liga preocupado.

Walter Maciel: Por isso, a melhor coisa que o gestor poderia fazer pelo investidor, embora seja anti-intuitivo, é estabelecer um prazo de resgate mínimo de 360 dias. Se isso fosse feito, ele teria resultados muito melhores.

André Leite: O retorno médio dos investidores é muito baixo por causa desse componente comportamental. O investidor médio frequentemente compra na alta e vende na baixa, porque se desespera.

CAPITAL ABERTO: E como vocês estão adaptando os negócios diante desse cenário de juros altos, clientes avessos a risco e com visão de curto prazo?

Cassiano Leme: Esse momento de maior dificuldade abriu algumas portas para nós. Começamos, em 2014, um processo de incorporação da Principia Capital Management e da NP Investimentos, que deu origem à Constância NP. Um dos objetivos foi ganhar escala, principalmente humana, porque nesse ambiente há muito capital humano subutilizado. Tivemos também a oportunidade de criar um processo de investimentos que utiliza expertises complementares que existiam em cada uma das empresas. O resultado foi uma gestora com processos mais eficientes e um quadro muito melhor de conhecimento, ativos intangíveis, desenvolvimento de sistemas, TI etc.

André Gordon: Na GTI, reduzimos a estrutura de custos. Mudamos o escritório para uma área com metade do tamanho e cortamos tudo o que podia ser cortado. Nossa estrutura já é muito enxuta, por se tratar de uma partnership. Isso permite que os sócios acomodem as perdas não tendo rentabilidade mensal, não ganhando dividendo. O que não significa que os sócios não sintam o peso, porque as despesas que cada um tem continuam.

Walter Maciel: Graças a mudanças que começamos a fazer a partir de 2009, a gestora tem passado bem por esse período. Uma das decisões que tomamos na época foi concentrar muito do nosso tempo na atração de investidores institucionais locais, que têm um horizonte de investimento mais longo e uma equipe técnica muito melhor. Criar uma relação direta com a base de clientes é muito importante em termos de branding. Se isso não é feito, a gestora fica muito vulnerável em períodos de grandes flutuações dos ativos. O ano de 2016 poderia ser muito melhor, claro, mas, infelizmente, trazer dinheiro novo para equities tem sido muito difícil. Por outro lado, em dezembro passado, montamos uma área de crédito high grade, que não corre risco nenhum, e já captou R$ 500 milhões. O sucesso dela me deixa feliz, pois foi uma decisão empresarial correta; mas, ao menos tempo, me traz desconforto, porque é um sinal claro de que a decisão do cliente hoje é evitar risco.

André Leite: Quando olho a situação das gestoras hoje, penso num acidente de avião: nunca há uma causa só. A taxa de juros alta é com certeza um problema, mas também falta aos gestores uma visão empresarial do próprio negócio. A grande maioria não segue os 4 Ps [produto, preço, promoção e ponto]. Ou seja, aquilo que os gestores cobram das empresas nas quais investem eles não fazem. Vamos começar pelo P de produto. Raros são os fundos multimercados que, desde o começo, apresentam um índice de Sharpe maior do que 1. Além disso, poucas gestoras possuem um mix de produtos consistentes para o mercado brasileiro, no qual as pessoas não precisam se arriscar muito para garantir uma remuneração interessante. O P de ponto da distribuição é outro problema. Muitas casas não têm uma área comercial eficiente. Também recebe pouco investimento o P de promoção, que é o branding. Já o preço é praticamente tabelado.

Walter Maciel: Mas os gestores vão ter que começar a se preocupar mais com essas questões para sobreviver. A régua está subindo, tanto por causa do aperto regulatório quanto pela demanda dos clientes. No pré-2008, havia espaço para gestores com um jeito próprio de fazer e de um nicho específico. Isso tem um charme, especialmente para o gringo. Mas cada vez mais os clientes dão valor a gestoras com uma equipe de gestão. A Azimut valorizou isso na Quest. Eles queriam se associar a uma casa na qual pudessem se desenvolver ao longo do tempo no Brasil e herdar o franchise.

CAPITAL ABERTO: A consolidação é uma decorrência natural, nesse contexto?

Walter Maciel: Sim, com o mercado do jeito que está, acredito que o número de gestoras vai diminuir. Terá que acontecer um processo de consolidação. Na AZQuest, nós temos hoje fundos long only, long and short, long biased, renda fixa, macro e agora de crédito. Se eu fosse uma gestora só de fundo long and short, estaria me preparando para fechar as portas ou mandar 50% das pessoas embora.

Gustavo Pires: O Brasil passa por um bear market muito longo e, com o mercado desse jeito, a falta de um plano de negócios nas gestoras tornou a situação ainda pior. E agora elas também enfrentam a Instrução 558 da CVM (veja também a coluna Opinião), que, ao aumentar as exigências regulatórias sobre as gestoras, cria uma barreira
de entrada.

CAPITAL ABERTO: Na opinião de vocês, existe um excesso de regulação na indústria de fundos?

Cassiano Leme: Eu acho que sim. É óbvio que regulação faz sentido do ponto de vista da proteção do investidor, mas o Estado, na minha opinião, tira do investidor a liberdade de fazer a própria diligência, de escolher se quer correr certos riscos ou não, de dizer se determinada gestora é bem administrada ou não.

Walter Maciel: É o “Estado-babá”. E tem ainda um outro ponto: qual a regulação de um fundo small cap, por exemplo? Para o fundo ser enquadrado dessa forma, ele não pode comprar as dez maiores empresas do IBrX e pode investir, no máximo, 10% do patrimônio da carteira em ações classificadas entre a 11ªe a 25ª posições desse índice. Isso não faz o menor sentido. Ao diminuir o espaço de manobra, a regulação reduz a capacidade de o gestor diversificar seu produto e oferecer um fundo melhor e mais eficiente. A regulação só colabora para assemelhar os produtos. Esse é um tipo de arbitrariedade ridícula.

André Leite: Além de criar as dificuldades citadas pelo Walter, a regulação sobe muito os custos das gestoras e as obriga a ter escala. Hoje, se o gestor não tem uma equipe para ficar em cima do que os legisladores estão olhando e garantir que tudo está em compliance, ele está lascado.

Gustavo Pires: Nós temos, no Brasil, uma regulação quase insensível, que trata o gestor com patrimônio de R$ 10 milhões de forma igual ao gestor que possui R$ 100 bilhões. Deveria existir um peso diferente para cada medida.

CAPITAL ABERTO: Além da crise econômica, a incerteza política dificulta o trabalho dos gestores. Hoje, vocês trabalham com qual cenário: manutenção ou mudança do atual governo?

André Gordon: Eu trabalho com o cenário de impeachment. Até escrevi na minha última carta de gestão que, na próxima, já espero redigir o texto tendo em vista um novo presidente. Sem impeachment, continuaremos nesse mesmo processo de um governo totalmente paralisado, e a economia vai se atrofiar cada vez mais. Essa situação vai gerar um caos não só econômico, mas também um caos civil: o País terá mais alguns milhões de desempregados e um Estado asfixiado.

Walter Maciel: Também acredito no impeachment. Caso esse cenário não se concretize, para onde vai a bolsa? Para 30 mil pontos? Na minha opinião, se o processo de impeachment atual não for bem-sucedido, depois de alguns meses teremos outro, só que em uma situação muito pior. A Dilma não tem capacidade de articulação política. E isso não é uma questão ideológica. É fato que ela não possui hoje apoio no Congresso para passar qualquer medida.

CAPITAL ABERTO: Considerando que o impeachment de fato aconteça, quando vocês esperam ver uma recuperação da economia?

Walter Maciel: Em janeiro do ano que vem.

André Gordon: Acho que pode ser até antes.

André Leite: Concordo com a previsão do Walter. E sinceramente espero, como alocador, que no futuro eu possa financiar cada vez menos esse Estado ineficiente, corrupto e que não presta serviços para a sociedade, e cada vez mais empresas, empreendedores e inovações. Resumindo: eu não quero mais dar dinheiro para o governo fazer o que ele tem feito ou não fazer o que ele não tem feito. Eu quero dar dinheiro para o novo Airbnb, para a nova Uber e para o novo Facebook.

 

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