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Cerco aos bancos
Se aceitas, as propostas de autoridades norte-americanas e europeias poderão mudar radicalmente os modelos de negócios das instituições financeiras. Será esse o melhor caminho?

, Cerco aos bancos, Capital AbertoForam anos de euforia aqueles que precederam 2008. O governo americano se recusava a regulamentar certas ousadias do mercado, como os derivativos de crédito, e não era à toa. “Estávamos ganhando muito dinheiro”, diz Henry Paulson, secretário do Tesouro dos Estados Unidos na época do estouro da bolha, em fala reproduzida no filme Too Big to Fail. Ele não se referia apenas aos CEOs. A sociedade inteira estava empolgada com a economia aquecida. O ânimo para discutir conflitos de interesse e incentivos perversos era mínimo naquela época. Mas a bolha estourou. Veio a ressaca. Agora, a sociedade que antes assumia dívidas milionárias para realizar o sonho da casa própria exige que os reguladores ponham ordem na casa. As cenas dos próximos capítulos, esperadas ansiosamente pelos agentes dos mercados financeiros em todo o mundo, vão mostrar se, e de que forma, as autoridades norte–americanas e europeias mudarão os modelos de negócios dos bancos. O difícil será perceber se essas mudanças serão para melhor ou pior.

Em setembro, a Securities and Exchange Commission (SEC) lançou uma proposta de 118 páginas para criar uma regra que impeça uma instituição bancária de apostar contra o mesmo ativo que vende para o cliente. O problema ético em questão ficou bem retratado durante um depoimento do CEO do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, ao Senado norte–americano, em abril. “Vocês venderam ativos para as pessoas e depois apostaram contra esses mesmos ativos. (…) Como você espera merecer a confiança de seus clientes?”, indagou Carl Levin, senador democrata, ao presidente do banco. Para quem não se recorda, o conflito a que Levin se referia era o seguinte: ao mesmo tempo em que vendia para os investidores collateralized debt obligations (CDOs, uma espécie de pacote de recebíveis), o Goldman Sachs apostava em swaps de default de crédito (CDSs, na sigla em inglês), que funcionavam como proteção contra o calote de CDOs. Se os recebíveis deixassem de ser pagos, os detentores de CDSs ganhariam uma bolada — exatamente o que aconteceu, a propósito.

Em sua resposta, Blankfein disse que as transações mencionadas não representavam um conflito, mas sim o negócio do banco. “Se os clientes estão adquirindo uma exposição, aquilo que estamos vendendo deve dar a eles o risco que eles querem. Provavelmente, nossos investidores institucionais não se preocupam com quais são as nossas visões, e nem devem se preocupar”, afirmou. A SEC processou o Goldman, mas o litígio foi encerrado após um acordo de US$ 550 milhões. O Citigroup estava prestes a fechar um acordo semelhante, no valor de US$ 285 milhões, mas um juiz federal o suspendeu no fim de novembro porque considerou que não havia garantias de que a verdade seria revelada. Agora, o órgão presidido por Mary Schapiro quer evitar a repetição de episódios como esses. No caso do Goldman e do Citi, as apostas antagônicas levaram a uma situação em que o banco ganhou e o cliente perdeu. Mas é verdade que o contrário também poderia ter ocorrido. “O entendimento da SEC é que o banco geralmente tem mais sofisticação para interpretar as informações disponíveis”, explica Robert Ellison, advogado do escritório Shearman & Sterling. De acordo com esse raciocínio, o banco tem mais chances de se dar bem que o investidor — e daí a ideia da SEC de impedir a aposta em direção contrária à do cliente.

CONFLITOS GENERALIZADOS — Uma possível saída para dignificar os bancos seria a transparência. Eles poderiam abrir o jogo para os clientes quando estivessem apostando contra o produto que venderam. Mas aí entra em cena um outro tipo de conflito. Qual deve ser, afinal, a prioridade de uma instituição financeira: seus clientes ou acionistas? A abertura das informações provavelmente prejudicaria a estratégia do banco e atrapalharia os seus resultados.

A seu favor, a instituição pode alegar que os clientes têm acesso à avaliação de risco feita pelas agências de rating. Acontece que nesse ponto existe outra celeuma. Alguns dos títulos considerados lixo após 2008 recebiam excelentes notas de avaliação da Moody’s, da Standard & Poor’s e da Fitch. Quem paga a agência de rating — e também a firma de auditoria externa — é o emissor dos títulos. Por essa razão, não faltam questionamentos sobre a independência desses dois agentes.

MUDANÇAS RADICAIS — Uma outra possibilidade discutida nos Estados Unidos é a simples imposição de restrições à negociação, por pessoas físicas e fundos de previdência, de produtos derivativos complexos, como as carteiras de recebíveis compostas de ativos tão diversos quanto dívidas universitárias, hipotecas e empréstimos de automóveis. A proposta, defendida por vários agentes de mercado, vai contra os princípios mais fundamentais do mercado de capitais norte–americano. “A filosofia das regras é a do disclosure. Você dá as informações, e o investidor decide apostar ou não. A questão agora é saber se essa lógica é suficiente para prevenir o risco excessivo dos instrumentos mais sofisticados”, pondera Ellison, do Shearman & Sterling.

“Se o Glass–Steagall inglês for aprovado, instituições estrangeiras também poderão ser afetadas”

Na Inglaterra, as propostas para cercear os negócios dos bancos vão para outra direção. A Independent Commission on Banking (ICB), instituída em 2010 para analisar e sugerir mudanças no sistema bancário inglês, apresentou em setembro um documento em que sugeria várias alterações, dentre elas a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento. “Trata–se das mudanças mais radicais nas instituições financeiras do Reino Unido em uma geração”, escreveu o advogado Robert Finney, do escritório Dewey & LeBoeuf, em um artigo publicado pela revista International Financial Regulation Review.

Um dos principais tópicos é a proposição de uma versão britânica do Glass–Steagall Act, lei promulgada em 1933 nos Estados Unidos, logo após a grande depressão. Dentre as restrições impostas pela antiga legislação estava a separação entre as instituições que lidavam com depósitos dos cidadãos e aquelas que se dedicavam a investimentos de risco. A regra foi derrubada em 1999, permitindo que os bancos norte–americanos se expandissem — e há quem observe que foi justamente essa brecha que possibilitou o surgimento de corporações grandes demais para quebrar. Se o plano de ressuscitar o Glass–Steagall for aprovado como está, as alterações não se limitarão aos bancos de varejo do Reino Unido. Subsidiárias de instituições estrangeiras que operam com depósitos provenientes do Reino Unido também podem ser afetadas se tiverem pessoas físicas ou pequenas e médias empresas como clientes. O governo prometeu uma posição sobre o documento antes de janeiro de 2012.

Nos Estados Unidos, não se discute a volta desse tipo de restrição. Pelo contrário, as medidas tomadas para contornar a crise tornaram os gigantes ainda maiores, com fusões como a do Bank of America com o Merrill Lynch. A resistência a essa medida se concentra, em grande parte, na crença de que ela tende a travar o crescimento. “A queda do Glass–Steagall foi importante para a expansão global dos bancos norte–americanos e, inclusive, para que serviços financeiros mais baratos pudessem ser ofertados”, comenta Danilo Araújo, professor da Direito GV. A ICB citou essa hipótese em seu estudo, mas logo a rebateu. “A separação vai permitir que as ações para aumentar a resistência dos bancos britânicos e a estabilidade econômica sejam mais facilmente implementadas”, atestou.

É difícil saber quem está certo nessa briga. Até porque é bem provável que os dois lados tenham razão. O advogado José Eduardo Carneiro Queiroz, sócio do escritório Mattos Filho, não entende o caso do Goldman Sachs, por exemplo, como um conflito. Essa hipótese só existiria, segundo ele, se a instituição agisse de forma a manipular o mercado para que sua posição fosse beneficiada em detrimento da aposta dos clientes. Medidas restritivas às possibilidades de atuação dos bancos também geram indignações: “É excessivo dizer que um agente econômico não deve vender um produto que não considera bom quando existe uma demanda por ele”, ressalta Araújo. Para Otávio Yazbek, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tanto a proposta norte–americana como a inglesa têm o risco de serem inócuas. “Os mercados hoje estão tão complexos que é difícil averiguar se as exigências serão seguidas”, constata.

Se fosse fácil encontrar o ponto de equilíbrio, talvez a crise financeira nem sequer tivesse ocorrido. Mas não é. Toda restrição tem sua consequência, e toda a liberação também. Proibir uma prática potencialmente nociva pode evitar crimes, mas também tornar o crescimento econômico mais lento. “Durante muito tempo o sistema financeiro norte–americano foi eficiente para promover uma enorme prosperidade. O problema é que essas mesmas liberalidades trazem muitos riscos”, avalia Queiroz, do Mattos Filho. O desafio será acertar a dose e não jogar fora os benefícios conquistados. O exemplo do ex–alcoólatra que agora conspira contra os happy hours de sexta–feira não parece ser o mais sustentável.


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