Em um momento de sua carreira como trader, Nassim Nicholas Taleb foi questionado sobre o que achava das ações de uma determinada empresa, ao participar de um programa de TV. “Não posso opinar” — respondeu — “pois não estou comprado nem vendido no papel”, causando surpresa no entrevistador. “Mas como assim? É exatamente por isso que você pode comentar, por ser ‘independente’”, retrucou o entrevistador. “Como meu próprio ‘couro’ não está em jogo, qualquer comentário que eu faça é no mínimo irrelevante e, no limite, irresponsável.” Esse é o argumento central dessa espécie de ensaio filosófico que é Skin in the Game: Hidden Asymmetries in Daily Life, de autoria de Taleb.
Diferentemente de A Lógica do Cisne Negro (outra obra do autor, já traduzida para o português), cujo tom era calcado no rigor analítico da matemática e do estudo das probabilidades, Skin in the Game tem forte inclinação para a filosofia moral. Exagerando na simplificação, Taleb enuncia que se deve aplicar um filtro para se julgar e compreender os argumentos, comentários e, principalmente, as ações de terceiros. Esse filtro, ou metodologia, está associado ao grau de risco a que o interlocutor expõe seu próprio “couro” em uma situação. Em outras palavras, se o interlocutor está exposto a um ônus ou bônus, relacionado a uma determinada ação. Segundo essa ideia, apenas as opiniões daqueles que têm algo a perder são válidas, em contraposição a opiniões de quem não sofre qualquer consequência por proferi-las. De forma jocosa e talvez inapropriada, o autor refere-se à metodologia como um detector de “BS” (referência a “BullShit”. Em inglês: besteira, mentira, enganação).
Uma vez enunciada a teoria, Taleb recorre à enumeração de situações práticas que convidam à reflexão. Basta lembrar de burocratas que decidem sobre conflitos comerciais ou armados (quem sofre é o povo, afinal), acadêmicos e suas teorias sem aplicação no mundo real, jornalistas que reportam pseudofatos de origem duvidosa, banqueiros centrais que mantêm as taxas de juros artificialmente baixas etc. Nesse sentido, uma questão muito importante diz respeito à temporalidade dos efeitos dessas decisões, pois uma escolha feita hoje pode vir a ter reflexos apenas sobre a próxima geração. A ideia de que um indivíduo deve sofrer uma penalização por decisões que impactem terceiros — compartilhamento de risco versus transferência de risco — é um conceito muito importante para as relações humanas em todos os níveis, entre indivíduos ou nações.
Em contraposição ao factual e objetivo A Lógica do Cisne Negro, Taleb adota uma narrativa pontuada por humor ácido e sarcasmo. Embora a escolha torne a leitura mais divertida, deve-se reconhecer que às vezes a narrativa é desnecessariamente rude ao citar pessoas ou empresas que violam sua “lei de ouro” ou que de Taleb discordam publicamente. Conscientemente ou não, ele projeta certa arrogância com suas alusões à História e às civilizações grega e romana, que servem mais como um escudo de erudição para defletir contradições em sua “teoria”. Ainda assim, o livro é bastante provocativo e compele o leitor a buscar suas próprias conclusões sobre o tema em discussão, o que o torna muito estimulante e relevante.
Skin in the Game: Hidden Asymmetries in Daily Life
Nassim Nicholas Taleb
Editora: Random House
254 páginas
1a edição, 2017
* Peter Jancso é sócio da Jardim Botânico Investimentos e conselheiro independente
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