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A polêmica dos criptofundos
Proibir o investimento de fundos em criptomoedas pode não ser o melhor caminho
Julia Franco*

Julia Franco*

Discussões envolvendo bitcoins e outras criptomoedas têm despertado paixões e tirado o sono de reguladores mundo afora. Debate-se sua natureza jurídica e econômica, seu processo de formação de preços, o funcionamento da blockchain e suas demais aplicações, e ainda, sobre qual seria o papel dos reguladores — se devem atuar, em que medida, e com que nível de coordenação global? Por mais que a tecnologia não seja tão nova (o bitcoin já existe desde 2008[¹]), é bem recente a explosão da mais famosa criptomoeda em termos de procura e valorização, o que justifica a polêmica.

No Brasil, por exemplo, aparentemente já existem mais pessoas investindo em criptomoedas do que na bolsa[²]. Diante do apetite dos investidores, seria natural que numerosos participantes de mercado se interessassem em estruturar fundos para investimento nesse tipo de ativo. E de fato chegaram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) inúmeras consultas a respeito da viabilidade desses fundos. Do ponto de vista conceitual, faz mesmo sentido: havendo interesse no investimento em conjunto de ativos mais complexos, o mais prudente e eficiente é fazê-lo por meio de veículo regulado, que ofereça escala e gestão profissional.

Mas o entendimento da CVM não foi favorável, ao menos neste momento inicial. Em resposta às consultas, por meio do Ofício-Circular 01/18, a Superintendência de Investidores Institucionais esclareceu que fundos estruturados nos termos da Instrução 555 não poderiam fazer investimentos diretos em criptomoedas, já que elas não estariam enquadradas na definição de “ativo financeiro” constante da norma.

Especificamente com relação a investimentos indiretos (por meio de investimento em fundos no exterior, derivativos, ou, nos exatos termos do ofício “outras formas alternativas que busquem essa natureza de exposição a risco”), a área técnica afirmou julgar conveniente que os administradores e gestores aguardem manifestação posterior e mais conclusiva da CVM sobre o tema.

Isso porque, na interpretação da autarquia, as discussões ainda seriam incipientes e existiriam relevantes riscos associados à própria natureza das criptomoedas (riscos de segurança cibernética, de custódia e ligados à sua legalidade futura[³]).

Independentemente dessas questões, algumas jurisdições já autorizam a estruturação de fundos com exposição ao risco das criptomoedas, ainda que sejam destinados a investidores mais qualificados. Nos Estados Unidos e na Europa existem muitos hedge funds investindo diretamente em criptomoedas, e alguns fundos de private equity e ETFs alocando recursos em companhias voltadas a inovação e blockchain e expostos a criptomoedas[4]. Especificamente na Europa, já existe um ETF (BitcoinETI) registrado e negociado na Bolsa de Gibraltar e na alemã Deutsche Boerse investindo direta e exclusivamente em bitcoins. No Japão, além de ter sido editada lei reconhecendo o bitcoin como forma de pagamento legal, está sendo criado órgão de autorregulação específico, e alguns gestores estão estruturando fundos a serem lançados ainda no primeiro semestre de 2018.

Interessante perceber, nessas jurisdições no exterior, o surgimento de gestoras altamente especializadas não apenas em criptomoedas, mas em tecnologias como as de mineração e blockchain. Esse know-how e o direcionamento de recursos que estimulem a inovação são indiscutivelmente positivos e desejáveis em economias que pretendem se utilizar do mercado de capitais para continuar se desenvolvendo.

Voltando ao Brasil e à manifestação do ofício da CVM: por mais que a preocupação seja indiscutivelmente legítima, a posição pode se afigurar restritiva demais, em especial no que se refere à recomendação genérica relativa a investimentos indiretos — principalmente se ela perdurar.

Por mais que existam novos e importantes riscos envolvidos e que o forte apelo popular do bitcoin e das outras criptomoedas preocupe o regulador brasileiro, é absolutamente imprescindível que se cultive no País um ambiente que fomente a inovação — pois ficar para trás também é perigoso.


*Julia Damazio Franco ([email protected]) é advogada especialista em companhias abertas e fundos de investimento do Stocche Forbes Advogados. Colaborou Frederico Calmon Nogueira da Gama ([email protected]), advogado especialista em companhias abertas e fundos de investimento do Stocche Forbes Advogados


[1] Ano em que foi publicado o white paper “Bitcoin: a Peer-to-Peer Electronic Cash System”, por Satoshi Nakamoto.

[2] Estima-se que já existem 1,4 milhão de cadastros nas três maiores plataformas de negociação de bitcoins do País; no sistema da B3 são 619 mil pessoas físicas cadastradas.

[3] Em razão da tramitação do Projeto de Lei 2.303/15, que discute possível regulamentação ou proibição.

[4]  Exemplos são o Pantera Capital, um dos primeiros hedge funds americanos no setor, e o ARKW, ETF da Ark Invest para tecnologias disruptivas.


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