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Fim da disputa?
O Novo Mercado deu trégua à velha pendenga entre controladores e minoritários, mas não foi usando o tão esperado tag along de 100%. O caminho é o das incorporações

, Fim da disputa?, Capital Aberto

 

Quando foi para a Índia, em outubro do ano passado, o vice-presidente de gestão e Relações com Investidores (RI) da fabricante de software empresarial Totvs, José Rogério Luiz, queria entender como a indústria tecnológica do país avançava e intimidava competidoras de outras regiões do planeta. Ele ficou encantado com o grau de profissionalismo da terra do bilionário Ratan Tata. O que poderia ter desanimado as aspirações internacionais de Luiz, na verdade, o inspirou ainda mais. “Os indianos são fantásticos, mas são prestadores de serviço”, concluiu. O executivo viu nessa diferença com os criativos brasileiros uma oportunidade para a sua companhia, chamada por ele de “a Embraer do software.” E se convenceu da necessidade da união com a Datasul para criar “a AmBev” do segmento. Em 20 de agosto, a incorporação da Datasul pela Totvs foi aprovada pelos acionistas. Juntas, tornaram-se a nona maior companhia de gestão empresarial integrada (ERP, na sigla em inglês) do mundo, presente em mais de 18 países.

Uma operação notável. Nem mesmo AmBev e Embraer, admiradas por Luiz, tiveram reorganizações societárias tão tranqüilas como a da Totvs. Em 2004, a cervejaria penou para acalmar os ânimos dos acionistas minoritários durante a venda de controle para a belga Interbrew, operação que resultou na InBev e deixou os preferencialistas sem o tag along — direito dos minoritários de venderem sua participação quando o controle é alienado. A Embraer também sofreu resistências diante da proposta de conversão de todo o seu capital social em ordinário, em 2006. Nesse caso, a relação de troca por ações da companhia que seria listada no Novo Mercado da Bovespa era 9% maior para os controladores. A Totvs escapou dessa cilada ao tratar equitativamente todos os acionistas da Datasul. Não que a empresa simplesmente quisesse sair bem na fita. O fato é que, no Novo Mercado, uma compra na forma de incorporação veda qualquer tipo de permuta de ações a não ser a igualitária. “Pelo conceito da lei, a relação de troca deve ser a mesma para ações de classes iguais”, afirma Luiz Leonardo Cantidiano, advogado sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Antigo fantasma de minoritários no mercado de capitais brasileiro, as incorporações, tanto de ações quanto de companhias, suscitaram clássicas disputas societárias, como a de Telemar e suas ações de controle supervaliosas. Geram controvérsias até hoje — vide a discussão em torno da oferta de VCP por Aracruz. Quando o tag along não era um direito consolidado, era comum a compra de controle de uma companhia e sua posterior incorporação, a um preço muito inferior ao pago para o controlador. Agora, as incorporações parecem ter invertido o seu papel. A razão para isso está no cenário em que o controle é disperso e o capital é formado apenas por ações ordinárias. Imagine se a Datasul tivesse um acionista controlador definido e ações preferenciais em circulação. Teoricamente, poderia ter aprovado uma incorporação com o pagamento de um belo prêmio ao controlador e uma ninharia aos preferencialistas, pois os votos do acionista majoritário teriam sido suficientes para sancionar qualquer formato de incorporação em assembléia.

Além das razões econômicas, há um motivo bem peculiar para as incorporações estarem funcionando bem no Novo Mercado. No ambiente caracterizado por sociedades com controle cada vez mais disperso e teor de ações ordinárias de 100%, surgiram também as chamadas “poison pills” (“pílulas de veneno”). Como dispositivos estatutários, as pílulas dificultam aquisições de parcelas relevantes das ações de uma companhia ao impor a realização de uma OPA a partir da compra de um determinado percentual do capital — além de, geralmente, embutir um generoso prêmio nessa aquisição. Com a armadura, algumas empresas tornaram-se objetos caríssimos e quase inacessíveis. Há pílulas que cobram prêmios de até 50% acima da cotação em bolsa. “O aspecto negativo está sobretudo nos prêmios”, resume João Batista Fraga, diretor de relações com empresas da Bovespa.

Um dos efeitos positivos dessas cláusulas está na proteção da dispersão acionária. Por outro lado, elas podem inviabilizar vendas interessantes para os acionistas. Mas essa barreira está sendo derrubada, graças ao modelo de incorporação. A Datasul tem uma poison pill em seu estatuto, que não foi disparada na incorporação pela Totvs. Entende-se que a pílula se aplica somente em aquisições. “Por ser uma cláusula restritiva, ela também deve ter interpretação restritiva”, diz Nelson Eizirik, do escritório Carvalhosa e Eizirik Advogados.

Em vez de fazer uma oferta pública para a aquisição de uma companhia, que poderia sair cara por causa da poison pill, o comprador pode simplesmente incorporá-la. No abarrotado setor de construção civil, é o que a Cyrela Brazil Realty está fazendo com a Agra. Foi também o que BM&FBovespa fez com as duas bolsas. Nenhum veneno no ar, nenhuma briga entre acionistas.

E o mais curioso: as incorporações viraram um instrumento de alinhamento de interesses tão poderoso que prescindiu até o tal tag along de 100%. Ainda assim, a recuperação desse direito foi fundamental. Essa circunstância de paz só é possível porque alguns empresários aceitaram abrir mão do controle. E talvez eles não fizessem isso com tanta disposição se ainda estivéssemos em tempos de privatização, com elevados prêmios de controle garantidos pela ausência do tag along. Hoje, mais do que em prêmio, o controlador ou o majoritário de uma companhia do Novo Mercado pensa em fazer a sua companhia crescer. E com todos os acionistas no mesmo barco.

Estar no mesmo barco também significa confiar na capacidade do controlador de segurar o timão. Em 1 de setembro, Tenda e Gafisa anunciaram uma operação que ilustra bem essa realidade. Incorporando a Fit Residencial, a construtora Tenda terá cerca de 60% de suas ações transferidas para a Gafisa. Um dia após o anúncio da proposta, investidores criticaram o modelo escolhido pelas empresas, que não dá direito de preferência no aumento de capital, nem direito de retirada, nem tag along aos acionistas da Tenda. A operação, ao que parece, está de acordo com a regulamentação. Aqueles que esperavam uma OPA na eventual mudança de controle da companhia, provavelmente, terão de se conformar. Para desfazer o mal-estar, o atual controlador da Tenda, Henrique de Freitas Alves Pinto, insiste que os benefícios da nova companhia, na qual ele próprio será minoritário, ficarão claros no futuro. Acreditar na visão do controlador nunca foi tão essencial.

Incorporar ou comprar, eis a questão

Administradores das companhias que estão conduzindo incorporações gostam de frisar que os objetivos de uma incorporação são bem distintos dos de uma aquisição. Embora possam ser chamadas genericamente de “fusões” ou “aquisições”, as operações que vimos recentemente são resultado de trocas de ações. BM&FBovespa incorporou a BM&F para depois incorporar as ações da Bovespa; a Totvs está incorporando as ações da Datasul e, até o fechamento desta edição, Cyrela e Agra também costuravam um acordo nesse modelo. Nas incorporações, existe o pressuposto da integração: de bases acionárias, projetos, atividades e sinergias. Nas aquisições, nem sempre essa premissa está presente.

Segundo Carlos Kawall Leal Ferreira, diretor de Relações com Investidores (RI) da BM&FBovespa, nem caberia discutir a possibilidade de uma oferta pública a todos os acionistas da BM&F e da Bovespa, seguindo as regras da cláusula de poison pill. Como a intenção sempre foi uni-las, nada mais natural, portanto, do que fazer isso por meio de incorporações. Os acionistas da antiga BM&F receberam papéis da BM&FBovespa na razão de um para um, enquanto os da Bovespa embolsaram 1,42 ação da nova companhia e mais R$ 1,71 em dinheiro por ação. Levando-se em conta a cotação do dia 25 de agosto, quando foram creditadas as ações da BM&FBovespa aos acionistas de BM&F e de Bovespa Holding, pode-se concluir que cada grupo levou para casa, respectivamente, R$ 11,07 e R$ 17,43 por papel.

Mas a CAPITAL ABERTO tentou responder a outra pergunta: se, em vez de incorporadas, BM&F e Bovespa Holding tivessem sido alvos de ofertas públicas de aquisição? Quanto o adquirente teria de pagar por elas? No caso de BM&F, presume-se que o preço seria basicamente o mesmo, porque sua poison pill não trata de nenhum prêmio, além do próprio valor econômico. Já na Bovespa Holding, o preço seria em torno de R$ 35,46. Chegamos a esse valor ao embutir o prêmio de 25%, previsto pela poison pill, na cotação média dos 73 dias de negociação das ações da Bovespa anteriores a 19 de fevereiro de 2008, quando foi anunciado pela primeira vez o projeto de integração.

Utilizando-se o mesmo raciocínio, se a Cyrela quisesse comprar a Agra em bolsa, enfrentando a pílula venenosa, teria de pagar, em tese, ao menos R$ 11,10 por papel — 16,4% a mais do que os R$ 9,54 da proposta de incorporação (valor de 20 de junho). No caso Totvs/Datasul é mais difícil cogitar quanto sairia a poison pill, visto que a baixa valorização da Datasul enfraqueceu um dos venenos da pílula: o prêmio de 30% sobre a cotação média dos 90 dias anteriores à oferta. Por esse critério, a Totvs pagaria apenas R$ 7 por ação da concorrente — uma senhora pechincha frente aos R$ 22,16 da relação de troca, calculados pela reportagem com base no fechamento de 21 de julho. Mas o critério válido nessas horas é o que der o maior preço, como o valor econômico da companhia, ao qual não tivemos acesso.

Paulo Caputo, diretor de desenvolvimento de novos negócios da Datasul, conta que o conselho de administração até estimou o valor da operação com o disparo da poison pill, embora soubesse que ela “não se aplicava” à situação. Verificou-se que a proposta da Totvs até superava os requisitos da pílula. Mais um ponto para a incorporação. É o mercado mostrando que não há veneno que resista à sua criatividade. (D.G.)


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