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Falta a pressão do “consumidor”
Ira Millstein

, Falta a pressão do “consumidor”, Capital AbertoSe hoje a governança corporativa tornou-se relevante nas agendas de emissores e investidores de todo o mundo é porque, há cerca de duas décadas, um grupo de militantes obstinados pôs-se a pregar essa filosofia fervorosamente. Dentre eles está o reverenciado advogado e acadêmico norte-americano Ira Millstein. Aos 83 anos, ele acumula experiências em inúmeros conselhos de administração — General Motors, CalPERS, Ford Foundation e Walt Disney são alguns deles — e lidera o centro de estudos em governança da Yale School of Management, que, em 2006, ganhou o nome The Millstein Center for Corporate Governance em homenagem ao advogado. Apesar da idade, Millstein conserva uma rotina atribulada no Weil, Gotshal & Manges, escritório onde atua desde 1951. Em sua programação para este ano, está prevista uma visita ao Brasil, em outubro, para ser o principal palestrante do congresso anual do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Entusiasta e propagador do Novo Mercado, Millstein acompanha os passos do Brasil em governança há pelo menos dez anos. “Vocês estão indo muito bem”, avalia. Para ele, a crise mostrou que o próximo desafio é educar os beneficiários finais — os “consumidores” — e incitá-los a exigir que os gestores de recursos tenham visão de longo prazo. Confira a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu por telefone, de Nova York, à CAPITAL ABERTO.

CAPITAL ABERTO: A última crise financeira está relacionada a falhas de governança corporativa?

IRA MILLSTEIN: Intuitivamente, a resposta é sim, embora ainda não tenhamos estudos sérios provando isso. Afinal, todos que participaram dessa crise — bancos, agências de rating, etc. — tinham conselhos de administração. E eles ou não conheciam os riscos a que suas empresas estavam sendo expostas ou, se sabiam, não fizeram nada.

“Somos os consumidores e precisamos pressionar os intermediários para que olhem
o longo prazo”

O que não dá para afirmar é que esses conselhos tomaram esses riscos conscientemente. O lado bom é que as companhias estão arrumando isso para o futuro. Elas levaram o tema risco para o topo da pauta nos conselhos de administração

Qual a sua visão sobre os planos dos governos para evitar novas crises como essa? Eles vão na direção certa?

Eles querem ir na direção certa, mas, você sabe, política é política.

O senhor concorda com a ideia de que é um papel do Estado regular a remuneração dos executivos?

Não, ou pelo menos não para todas as companhias. É papel do Estado fazer isso nas situações em que ele atua, como o Tarp, por exemplo. Mas, nas empresas em geral, essa é uma responsabilidade do conselho de administração. E também dos acionistas. Não acho que podemos estabelecer parâmetros universais para esse tipo de assunto.

No que o senhor está focando seus estudos agora?

Estou muito interessado nos mecanismos que vão fazer os conselheiros ficarem mais alinhados no longo prazo do que eles estão. Um dos maiores problemas que temos nos Estados Unidos é o fato de o setor financeiro ter transformado as nossas corporações em pensadoras de curto prazo. Acho que, agora, além de nos preocuparmos com quantos membros tem o conselho, e com quantos deles são independentes, devemos pensar em como os nossos conselheiros são incentivados.

E como incentivá-los da maneira correta?

Precisamos que eles estejam estrategicamente alinhados no longo prazo junto com os acionistas. E é aí que encontramos um problema, porque os acionistas não são mais um grupo homogêneo. Hoje eles são fundos mútuos, fundos de pensão, hedge funds, private equity, bancos, cada um com seus respectivos interesses. Como assegurar que eles buscam o longo prazo se nem todos estão de fato olhando esse horizonte?

Todos eles deveriam estar olhando mais para o longo prazo?

Sim. Esse é o interesse dos seus beneficiários. Muitos gestores estão pensando no seu próprio interesse em vez de pensar no interesse dos seus beneficiários — que, no caso dos participantes de fundos de pensão, é a aposentadoria. O problema é que os fundos mútuos, de hedge e de private equity, ao contrário, parecem estar movidos pelo curto prazo.
A questão, então, é como fazer os investidores e os conselheiros alinharem seus interesses em favor dos beneficiários — aqueles que depositam suas poupanças no mercado financeiro. Mas esse é um trabalho duro.

Que mecanismos poderiam ser usados para promover esse alinhamento? Os pacotes de remuneração?

Não apenas, há várias outras coisas que podem ajudar. Por exemplo, incentivos fiscais para quem mantiver os investimentos no longo prazo, ou punições para quem vender no curto prazo. Mas o que realmente ajudaria é se os beneficiários se posicionassem para dizer o que eles querem. O dinheiro não dá em árvore; somos nós que colocamos esses recursos nos fundos. Somos os consumidores e precisamos pressionar os intermediários para que olhem o longo prazo.

O problema é que os beneficiários não estão organizados...

“Um dos problemas é que não temos um Combined Code, mas sim um milhão de melhores práticas recomendadas”

Pois é, esse é o ponto. Uma das coisas que estudamos em Yale, por exemplo, é se existem formas de organizar os beneficiários e acionistas de longo prazo para serem ouvidos sobre suas perspectivas de investimento.

E vocês já chegaram a alguma conclusão?

Você está maluca? Não, claro que não. Caso contrário eu seria um homem muito rico e ocupado… (risos). Se essas pessoas entendessem o que está acontecendo, elas perceberiam que têm um enorme interesse nisso tudo. Mas OK, eu tenho 83 anos, e estou interessado em passar o resto da minha vida trabalhando nesse problema especificamente… (risos).

Em que sentido vocês estão trabalhando este tema, então?

Estamos estabelecendo quais vão ser as nossas políticas e conversando com instituições como o shareowners.org e a corporagovernance.org, que já fazem trabalhos com esse propósito, para entender de que modo podemos educar e nos comunicar com os beneficiários. Mas isso não vai acontecer para já. Estamos há apenas um ou dois meses com esse projeto.

Nesse ambiente pós-crise, como o senhor acredita que os reguladores devem se posicionar? Impondo regras ou aderindo a formatos mais flexíveis, como o “comply or explain”?

Eu acredito que a SEC já está, de alguma forma, indo numa direção mais parecida com a do “comply or explain” ao exigir que as companhias interpretem as suas práticas de governança em vez de obrigá-las a implementar essas práticas. Pedir, por exemplo, que as empresas expliquem por que o CEO e o chairman são a mesma pessoa e as razões para terem colocado tais profissionais no conselho é uma forma de fazer as companhias pensarem nas suas escolhas. Ao solicitar explicações, a SEC indica para onde gostaria que as empresas fossem. Um dos problemas nos Estados Unidos é que não temos um Combined Code, como existe em Londres, mas sim um milhão de melhores práticas recomendadas.

O senhor acha que os Estados Unidos deveriam ter um código único, como o Combined Code?

Sim, esse é um outro projeto que temos em Yale. Estamos tentando desenvolver alguma forma de termos também aqui um Combined Code.

E esse seria um código exigido pela SEC?

Não, acho que precisaríamos de uma lei federal para que ele se aplicasse a todas as empresas.

No Brasil, temos tido uma série de novas discussões sobre governança, em virtude da adesão de algumas companhias a modelos difusos de propriedade. Uma delas é sobre poison pills. Qual a sua opinião sobre o uso desses instrumentos?
Eu não sei como eles funcionam no Brasil, mas, aqui nos Estados Unidos, acredito que a corte de Delaware tem feito um ótimo trabalho ao avaliar se esses instrumentos estão sendo utilizados adequadamente ou não. Como regra geral, entendemos que eles jamais devem ser usados para entrincheirar administradores em suas posições, mas podem, sim, ser usados pelas companhias como instrumentos de negociação no caso de uma oferta de aquisição. Hoje, as poison pills, pelo menos nos Estados Unidos, não são vistas mais como uma forma de defesa contra aquisição, mas sim como um instrumento para dar ao conselho tempo de negociar a melhor proposta para os acionistas.


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