Pesquisar
Close this search box.
Do céu ao inferno
Depois de ver suas cotações chegarem ao auge, novatas enfrentam o lado cruel do mercado e buscam soluções para reconquistar investidores

, Do céu ao inferno, Capital AbertoO espocar de rolhas, o tilintar de taças de champanhe e bem mais que meia dúzia de sorrisos. Um bocado de gente festejou — e fez fortuna — na avalanche quase desenfreada de ofertas de ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O empresário Eike Batista arrebanhou R$ 1,1 bilhão na abertura de capital da holding MMX, num momento em que a produção do minério de ferro de sua mina ainda era apenas uma promessa. Do preço inicial de R$ 203,75, o papel bateu na casa dos R$ 985, uma valorização superior a 300%. Na primeira quinzena de janeiro, recuou para R$ 885, acompanhando o tombo das bolsas mundiais diante da temeridade de uma severa recessão nos Estados Unidos. Dias depois, a mesma MMX que seduziu investidores em sua estréia no mercado, quando foram ofertados 32% do capital, foi ainda mais longe: teve parte de seus ativos comprados pela gigante Anglo American por US$ 5,5 bilhões.

A história contada acima retrata o lado mais glamouroso, sedutor e irresistível da bolsa. Faz jus ao velho e bom jogo do “win-win”, em que todo mundo ganha. Eike Batista está bilionário — e gosta de se autoproclamar assim — e seus acionistas, rindo à toa. Pelo menos por enquanto. A mesma bolsa que retribui o risco e faz bilionários da noite para o dia, no entanto, tem também um lado mais sombrio, perverso e, muitas vezes, espinhoso. Na esteira dos IPOs, trio de letras que resume initial public offerings, ou oferta inicial de ações, há um conjunto de operações com finais nada felizes — seja por revezes de mercado, seja porque seus controladores deixaram a desejar e não cumpriram o que prometeram. “Não dá para generalizar, porque há uma crise e todas as empresas sofreram com isso”, pondera Hitoshi Castro, sócio da GAP, uma das maiores gestoras independentes do País, que administra R$ 5 bilhões, dos quais R$ 1,5 bilhão em bolsa. Ele tem razão, mas em parte.

Um olhar mais atento ao vaivém das cotações — desconsiderando-se o pânico que se afigura nos mercados mundiais — deixa evidente que a bolsa foi mais cruel com algumas empresas. Até porque o investidor que acreditou em uma companhia quando leu o prospecto ou ouviu as promessas generosas de banqueiros de investimentos nos “road shows” está atento. Ele olha com lupa se o que foi dito vem sendo cumprido e, no menor deslize, cobra a fatura. A Natura, a CSU CardSystem, as construtoras Inpar, CR2 e Tecnisa, a empresa de ensino Kroton, os frigoríficos JBS, Marfrig e Minerva e a Brasil Ecodiesel são algumas das novatas que sofreram com o mau humor do acionista e tiveram seus papéis chamuscados. Cada caso tem suas peculiaridades e justificativas — faça-se justiça. Em alguns, porém, a ação está bem abaixo da cotação de estréia e, segundo especialistas, jamais voltará aos patamares iniciais. “Quando faz uma oferta, o controlador precisa saber gerenciar a expectativa do acionista, mantê-lo informado e ser transparente na sua gestão. Do contrário, o investidor se frustra e maltrata o papel”, diz Rodolfo Zabisky, sócio da MZ Consult, consultoria especializada em Relações com Investidores.

ELO ROMPIDO — A Cosan, do usineiro Rubens Ometto, talvez seja um dos casos mais emblemáticos de quebra de confiança entre controlador e acionista minoritário. Desde que abriu o capital, em 2005, foi do céu ao inferno. Chegou ao mercado como forte candidata a ser uma das queridinhas da bolsa. O cenário lhe era favorável. Os preços internacionais de seus produtos empinavam e, rapidamente, o etanol surgia como uma alternativa honesta ao cada vez mais caro petróleo. O preço inicial de R$ 15,80 da ação ordinária da sucroalcooleira atingiu o pico de R$ 62,39 e despencou em junho do ano passado, quando Ometto decidiu mudar as regras do jogo. Sentindo-se ameaçado com a possibilidade de a Cosan ser alvo de uma oferta hostil, Ometto anunciou uma reestruturação em que punha abaixo o equilíbrio de poder entre acionistas proporcionado pelo Novo Mercado da Bovespa. Deixou frustrados seus investidores, que logo refletiram o dissabor nos preços dos papéis. Em 15 de janeiro, as ações da Cosan valiam R$ 23,75.

, Do céu ao inferno, Capital AbertoA companhia aérea dos Constantinos, a Gol, ainda está cotada a um valor superior ao do lançamento em 2004, quando o papel valia R$ 25,29. Mas a ação teve uma queda de 56,6% em relação ao preço máximo que alcançou na bolsa. A montanha-russa, desta vez em movimento de descida, atemorizou os controladores, que chegaram a deixar na manga a opção de recomprar as ações e fechar o capital. A escalada do preço do petróleo e o pânico provocado pelas hipotecas dos Estados Unidos contribuíram para o desempenho ruim da Gol. “Não dá para dizer que a Gol é uma companhia ruim; ela passa por um momento ruim”, observa uma respeitada analista de um banco estrangeiro. “Há uma crise no setor aéreo e houve dois grandes acidentes”, acrescenta. Quem comprou o papel no lançamento, em 2004, a R$ 25,29, e o manteve em carteira teve a emoção de vê-lo alcançar R$ 81,35. Mas hoje tem de se contentar com R$ 35,30 (cotação em 15 de janeiro). “A solução para a Gol vai depender do preço do petróleo”, diz a analista. “O investidor de curto prazo não quer saber. Se ele sente que há uma ameaça de dilacerar o seu dinheiro, vende o papel e vai embora”, afirma o diretor de um banco. “Lembre-se de que mais de 70% dos investidores que apostaram na bolsa brasileira são internacionais e, evidentemente, a crise lá fora determinou esse comportamento.”

Os frigoríficos que correram para os braços do mercado de capitais, seguindo os passos da precursora JBS (Friboi), também vêm sentindo os solavancos e as pressões do mercado externo. A alta do preço do boi, o dólar apreciado em relação ao real e a herança ruim da febre aftosa, que fechou as portas dos grandes importadores de carne ao produto brasileiro, dificultaram a vida de JBS, Minerva e Marfrig. Ainda pesam contra os frigoríficos as sucessivas falhas no sistema brasileiro de rastreabilidade, o que dificulta a entrada em países da Europa, que ficaram mais exigentes com o tema desde que enfrentaram problemas com a doença da vaca louca.

Para um especialista, a adoção de estratégias erradas pode ser ainda pior. Segundo ele, a JBS, por exemplo, deu um “tiro no próprio pé” ao comprar a Swift Foods Company, nos Estados Unidos, por US$ 1,4 bilhão. “A possibilidade de recessão nos Estados Unidos fez com que todas as empresas norte-americanas de carne revissem para baixo as previsões de vendas. Agora a expectativa é de seis a oito meses de prejuízo ao longo do ano”, diz. Acrescenta, ainda, que a internacionalização, neste caso específico, não vai propiciar uma colheita generosa. Ao contrário. Do preço de entrada na bolsa, de R$ 8,01, o papel recuou para R$ 5,96 em meados de janeiro.

EXPECTATIVAS FRUSTRADAS — Independentemente da conjuntura — doméstica ou global —, o fato é que o mercado sabe ser cruel com quem anda fora dos trilhos. A Natura se encorpou ao longo dos anos e se posicionou, com aval do consumidor, como uma empresa vencedora, ecologicamente correta, dona de um portfólio de produtos inovador e com um potencial enorme de expansão. Tinha uma gestão praticamente inquestionável. Bastou abrir o capital para, depois de algum tempo, ser colocada em xeque. O mercado cobrou e ainda vem cobrando um crescimento mais acelerado da maior fabricante de cosméticos do País, dona de um faturamento anual de R$ 3,8 bilhões.

Da chegada à bolsa em 2004, cotada a R$ 6,41, a ação da Natura alçou-se a R$ 30,38. Em meados de janeiro, porém, estava a R$ 16, uma desvalorização de 47,27% em relação à máxima. “O faturamento da Natura vinha crescendo, em média, 20% nos últimos anos, mas em 2007 isso não aconteceu. A empresa também não reagiu à postura mais agressiva da concorrente Avon”, diz Renato Prado, analista da Fator Corretora. Ele observa, ainda, que a companhia banalizou os lançamentos, passou a desenvolver produtos numa velocidade assustadora, mas sem trazer nada efetivamente inovador. Sempre posicionada como fabricante de produtos de alto valor agregado, a Natura murchou a expectativa do mercado ao colocar na praça kits baratos para vender mais no Natal.

Mesmo com um austero processo de reestruturação mundial em curso, que prevê corte de 2,4 mil funcionários, a Avon tira proveito da maré ruim pela qual passa a Natura. A empresa acaba de anunciar a construção de um amplo e novo centro de distribuição no Brasil, seu segundo maior mercado, atrás apenas dos Estados Unidos. Analistas acreditam que a multinacional, beneficiada pelo câmbio apreciado, esteja, inclusive, diminuindo as margens para roubar espaço da concorrente brasileira. “Quem sabe, assim, consiga finalmente fazer uma oferta e comprar a Natura”, diz um especialista. Pelo sim, pelo não, o comando da Natura já percebeu que precisa rapidamente dar uma virada e voltar a agradar ao investidor.

VIRANDO A MESA — Outras duas novatas vêm se mexendo para reconquistar os investidores. A construtora e incorporadora Tecnisa tomou uma medida mais enérgica para conter a queda dos papéis. Em meados de janeiro, quase um ano depois de ter captado cerca de R$ 750 milhões, trocou o comando. O engenheiro Meyer Joseph Nigri, conhecido por ser centralizador, deixou o leme da empresa criada por ele há três décadas e passou o bastão a Carlos Alberto Júlio, ex-presidente da Polaroid. O mercado olhou com cara feia para a decisão da companhia de concentrar os investimentos dos recursos captados em terrenos na cidade de São Paulo. Também se queixou da falta de diversificação regional e da concentração no mercado de médio e alto padrões.

A saída para a rede de ensino mineira Kroton, que tem como um dos sócios o ex-ministro Walfrido Mares Guia, foi guardar na gaveta a tática do crescimento orgânico, planejado inicialmente, e partir para aquisições. Afinal, a empresa pousou na bolsa no ano passado com a ação avaliada a R$ 39, chegou a R$ 46 e, em meados de janeiro, amargava um recuo para R$ 25,50. O papel acumula queda superior a 30% desde o IPO. O esforço inicial da empresa mineira para crescer organicamente, como havia planejado, esbarrou no Ministério da Educação (MEC), que demora a aprovar seus cursos. “As faculdades precisam de anuência do MEC para abrir um novo curso”, diz Sérgio Duque Estrada, sócio da Valormax Consultoria Financeira. Isso faz com que a companhia perca velocidade no crescimento.

Desde o fim de 2007, a Kroton tenta compensar essa falta de agilidade indo às compras. Adquiriu duas faculdades no Espírito Santo, pagando por elas R$ 6,6 milhões, e uma no Paraná, por R$ 18 milhões. “Quem não se consolidar vai ser consolidado”, afirma Estrada, alertando para o apetite de redes internacionais de ensino dispostas a fincar a bandeira no Brasil. É por isso que as companhias estão se movendo. Para quem viveu dias de glória há pouquíssimo tempo, ser “engolido” seria como uma morte prematura.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.