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Desceu quadrado
Ambev erra na comunicação com os investidores, ações despencam na Bolsa e mercado retoma discussões sobre o direito a oferta pública em transferências de controle

, Desceu quadrado, Capital AbertoA notícia da criação da maior cervejaria do mundo, anunciada no início do mês com todo o entusiasmo do grande feito, ficou presa na garganta de muitos investidores, principalmente daqueles que viram frustradas suas expectativas. Foi a hora de remoer as mágoas de uma legislação societária que concede benefícios privados aos acionistas controladores e que retira de boa parte dos minoritários o direito de votar e de usufruir parte dos lucros obtidos em negociações fabulosas como a protagonizada por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, controladores da Ambev. Quinta maior do mundo, a brasileira se uniu por 20 anos à belga Interbrew, até então terceira no ranking. Na operação, os três acionistas deixaram a Ambev para serem sócios da nova número 1.

O susto dos investidores não foi pequeno. Nos 15 dias que se seguiram ao anúncio da fusão, as ações preferenciais da Ambev registraram queda de 32,6%, enquanto as ordinárias subiram 11,5%. Ao contrário das ON, que dariam a seus detentores a opção de vender os papéis por 80% do preço pago pela Interbrew aos três controladores da Ambev, as preferenciais não tinham direito a esse tipo de escolha: o jeito era aceitar a operação nos moldes apresentados e acreditar nos benefícios que ela poderia gerar para a Ambev, ou livrar-se dos papéis o quanto antes – opção que acabou sendo a de muitos investidores.

Para os que preferiam analisar os efeitos da operação no longo prazo, a missão não era das mais simples. Principalmente porque a Ambev, principal interessada em vender o peixe, não se empenhou em ajudar. No primeiro comunicado divulgado ao mercado sobre a operação, muito se falava do grande sonho conquistado e da indiscutível posição de liderança da InterbrewAmbev. Mas quase nada era informado sobre as vantagens que os minoritários levariam com as aspirações de seus sócios em serem os maiores do mundo.

Naquele momento, esses investidores sabiam apenas que, para viabilizar o grande sonho, a companhia na qual investiam seus recursos absorveria a Labatt, cervejaria canadense transferida para a Ambev no desenho societário da transação. E também que essa aquisição não se daria em dinheiro, mas sim com uma emissão de 19,3 bilhões de ações da Ambev, o que diluiria fortemente suas participações societárias.

, Desceu quadrado, Capital AbertoNo mercado, sobrava a percepção generalizada de que o preço pago pela canadense estava salgado demais. E de que a emissão das ações teria sido uma forma de viabilizar a participação dos controladores na grande holding, às custas da diluição dos minoritários que continuavam sócios apenas da empresa brasileira. Tudo isso somado a uma enxurrada de críticas nas páginas dos mais renomados jornais de finanças do mundo, indignados com o mau tratamento prestado pela Ambev a seus acionistas. Enquanto os três controladores conquistavam o grande sonho, os minoritários viam desabar por aqui a imagem de uma companhia admirada pela excelência dos gestores, pelo alinhamento de interesses entre executivos e acionistas, pelo pioneirismo na definição de estratégias de criação de valor e pelas modernas práticas de transparência e relacionamento com os investidores.

PROBLEMA DE COMUNICAÇÃO – Percebida a falha, e diante da sangria que corroia o preço das ações, a Ambev cuidou rápido de explicar em detalhes o que a cervejaria canadense tinha de atrativo para a companhia. “Reconhecemos que comunicamos mal os ganhos de sinergia que os acionistas da Ambev terão com a Labatt”, disse Felipe Dutra, diretor financeiro e de relações com investidores da Ambev, em uma reunião convocada na Bovespa para falar a investidores. Com um recorde de público nos auditórios da bolsa paulista – mais de 230 pessoas – Dutra procurou convencer os investidores de que o preço pago era razoável e de que existiam US$ 2,5 bilhões em vantagens operacionais e financeiras a serem apropriadas pela Ambev com a compra da canadense. Mostrou também que o preço calculado para compra da Labatt – US$ 5,8 bilhões – correspondia ao mínimo sugerido pelo laudo técnico de avaliação e que o múltiplo pago na aquisição, de 11,1 vezes a geração de caixa da Labatt, era inferior à média dos valores transacionados em aquisições de cervejarias mundo afora.

Aquisição abalou a imagem de uma companhia consagrada pelas boas práticas de relacionamento com o investidor

“Acredito que o prêmio pago aos controladores prejudicou o entendimento dos ganhos da operação”, disse Dutra na reunião. É verdade. Além da falta de informação, da impressão de calote e da queda vertiginosa das ações, os minoritários tinham que conviver com a exuberante cifra de US$ 2 bilhões publicada a torto e a direito em todos os jornais e revistas, enaltecendo o prêmio extraordinário amealhado pelos excontroladores da Ambev. “Acho que muita gente ficou com dor de cotovelo”, afirma um advogado especializado em direito societário que preferiu não se identificar. Depois de explicitados os pormenores da aquisição da Labatt e as vantagens a serem apropriadas pela Ambev, a má impressão do negócio foi aliviada e os papéis pararam de cair. Ainda assim, até o fechamento desta edição, continuavam longe de recuperar a perda sofrida desde o anúncio da operação. Da data do evento na Bovespa até 25 de março, as ações apresentavam alta de 5,7%.

A FALTA DO TAG ALONG – Ainda que o mercado seja convencido das vantagens da aquisição da Labatt, restará uma pedra no sapato dos investidores. Muitos ficaram inconformados com o fato de a Ambev ter apenas cumprido a lei, ao invés de negociar com os belgas uma condição que tratasse igualmente todos os acionistas. Fala-se aqui de um direito que se costumou chamar no Brasil pelo termo em inglês tag along e que, há vários anos, vem sendo reivindicado com unhas e dentes pelos investidores.

Se a negociação com a Interbrew tivesse previsto o tag along na forma como gostariam os minoritários, eles teriam a alternativa de vender suas ações para o novo controlador belga ao mesmo preço obtido por Lemann, Telles e Sicupira. Ou seja, teriam a opção de apropriar-se de parte do prêmio pago na transação ou, ainda, de acreditar em todos os benefícios futuros prometidos com a aquisição da Labatt e manter seus investimentos, à vista de um retorno maior no longo prazo.

Minoritários ficaram incomodados com o fato de a Ambev ter se limitado a cumprir o que está previsto na legislação

Na vida real, contudo, as coisas não aconteceram assim. Os controladores da Ambev seguiram à risca o que está previsto na Lei das S.As e ofereceram o tag along apenas para os que possuem ações ordinárias, à razão de 80% do preço a eles oferecido. O artigo que trata do tema, o 254-A, foi um dos mais discutidos na última reforma da legislação societária brasileira em 2001. A prerrogativa, que constava da Lei das S.As desde a sua criação, em 1976, havia sido excluída em 1997, antes da privatização, para evitar prejuízos ao governo na venda das estatais. Foi devolvida somente em 2001, debaixo de muita briga dos minoritários, que ainda assim acabaram derrotados na proposta de um tag along de 100%, válido para relações societárias ações ordinárias e preferenciais.

O motivo que levou o governo a tirar o tag along da Lei das S.As há sete anos foi o mesmo que criou resistência à proposta dos minoritários na última reforma e que motivou os controladores da Ambev a descartar a hipótese de ir além do que dizia a legislação para tratar bem os minoritários. Se os interessados na compra de uma companhia têm a obrigação de fazer uma oferta aos acionistas minoritários, e não apenas ao controlador, eles distribuem o ágio pago na aquisição entre todos. Ao contrário, se não existisse o tag along obrigatório, pagariam o mesmo prêmio integralmente para o controlador.

Para muitos, o tema ainda é controverso. Há quem defenda que a negociação obtida pelo controlador seja revertida apenas em benefício próprio, sem a obrigatoriedade de divisão do prêmio de controle com os demais acionistas. Para os investidores, contudo, o tag along é uma forma de alinhar o interesse entre os acionistas, na medida em que todos ficam cientes de que participarão em igual condição de uma eventual venda da companhia no futuro e de que terão acesso ao ágio pago, se ele existir, nas mesmas proporções.

No caso da Ambev, o problema maior girou em torno das expectativas. Mesmo sabendo que nada lhes garantia o direito ao tag along, investidores não contavam com uma venda da companhia e muito menos com a possibilidade de direitos diferenciados para os acionistas. Contribuía para esta crença o fato de os principais executivos, detentores de 8% do capital preferencial, terem grande parte de sua remuneração em ações da companhia. “Partia-se da premissa de que a Ambev não faria nenhum movimento desse tipo em função do programa de remuneração dos executivos baseado em stock options”, afirma Isabella Saboya, sócia da administradora de recursos Investidor Profissional. “A imagem que a empresa passava ao mercado brasileiro e internacional era a de que seus acionistas, independente se detentores de ações com ou sem direito a voto, estavam todos no mesmo barco”, completa Mauro Cunha, diretor de investimentos da Bradesco Templeton. Na reunião com investidores na Bovespa, Dutra foi direto ao tratar da questão. “Todos nós tomamos a decisão de comprar ações preferenciais pensando em dividendos e liquidez. Não acredito que podemos considerar o prêmio pago às ordinárias uma surpresa”, disse o diretor, que tem 70% da sua remuneração atrelada a resultados e reinvestida em ações da companhia.

ACORDO DE ACIONISTAS – Enquanto o mercado brasileiro reclamava da falta de uma legislação que protegesse os interesses dos acionistas minoritários, os ex-controladores da Ambev mostravam sua habilidade de negociar e garantir seus próprios direitos. Na arquitetura societária montada com os cervejeiros europeus, eles passam a deter 44% da holding Stichting Interbrew, ficando a belga com o restante. Como manda a cartilha dos negociadores bem versados, trataram de garantir poderes iguais na nova sociedade.

Enquanto o mercado reclamava, controladores da Ambev esbanjavam habilidade ao negociar seus direitos no acordo com os belgas

Alinhavaram um complexo acordo de acionistas que lhes confere os mesmos direitos de voto e veto, apesar da participação minoritária. No conselho de administração, sentam quatro representantes dos brasileiros, quatro dos acionistas belgas e seis independentes, exemplo de boa governança corporativa para deixar ainda com mais inveja os acionistas que dependem da legislação societária brasileira. O acordo é também amarrado com uma cláusula de voto de minerva rotativo, para ser acionado apenas em situações extremas de discordância entre as partes. Se houver conflito, o voto de minerva é sorteado e, em caso de novo conflito mais adiante, o voto definitivo cabe à outra parte. Para situações ainda mais extremas, se existirem, cláusulas obrigatórias de compra e venda de participações estão devidamente previstas.

A negociação da Ambev com a Interbrew reforçou uma tendência firmada nos últimos anos. No lugar dos acordos tradicionais de aquisição de controle, surgem os acordos de acionistas bem costurados, em que os direitos são distribuídos igualmente, independentemente da quantidade de ações atribuída a cada um. É verdade que, no Brasil, muitos desses acordos se mostraram um verdadeiro desastre societário, vide os conflitos da AES e Sourthern com o governo estadual mineiro na Cemig e as eternas brigas entre o Opportunity e fundos de pensão nas empresas de telecomunicações. “Mas os acordos de acionistas foram reforçados pela nova Lei das S.As, o que favorece as condições para esse tipo de negociação”, afirma Ricardo Siqueira, advogado do escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados.

Acordos de acionistas bem costurados substituem as tradicionais aquisições de controle societário

Espera-se a conclusão da fusão para o terceiro trimestre e a oferta pública de compra das ações dos minoritários logo a seguir. Até lá, nada garante que os conflitos com os minoritários estará terminado. Muitos estão descontentes com o fato de a Braco, holding dos controladores da Ambev, estar determinada a votar na assembléia de acionistas que deliberará sobre a fusão. Eles afirmam que a empresa estaria em situação de conflito de interesses, mas a opinião não é compartilhada pelo advogado da empresa, Paulo Cezar Aragão. Segundo o advogado, o voto está autorizado pelo artigo 264 da Lei das S.As, que trata da incorporação de controladas. Ele defende também que a melhor maneira de se combater o conflito de interesses é com transparência, divulgando-se todos os dados da operação, o que vem sendo feito pela Ambev. O episódio ainda promete render histórias para quem aguarda as cenas dos próximos capítulos.

Tag along emplaca em outros países da América Latina

Não apenas no Brasil o tag along tornou-se um mote das reivindicações de acionistas minoritários por melhores práticas de governança corporativa. Reformas recentes nas legislações societárias de países como Chile, México e Argentina também colocaram o tema na pauta de discussões.

O Chile aprovou em dezembro de 2000 uma lei de ofertas públicas e governança corporativa que inclui, entre outros tópicos, o tag along para todos os acionistas, ao mesmo preço e de forma proporcional, sempre que for adquirido o controle da sociedade. No México, em abril de 2001, foi reformada a Lei de Mercados e Valores Mobiliários e concedida permissão para que a Comissão Nacional de Bancos e Valores Mobiliários regulasse as ofertas públicas de ações de forma a impedir que os minoritários fossem excluídos do processo. Na Argentina, ofertas públicas passaram a ser obrigatórias sempre que mais de 35% das ações fossem adquiridas por um único acionista.

O mais famoso código que regula as operações de tag along é o City Code on Takeovers and Mergers, um sistema criado no Reino Unido e seguido por diversos outros países na Europa. Pelas regras do City Code, qualquer grupo que aspire o controle de determinada companhia deve se preparar para fazer uma oferta ao mesmo preço e em iguais condições para todos os acionistas. Os aspectos do regime, contudo, também não estão livres de críticas.

No trabalho intitulado “Vendas Eficientes e Ineficientes de Controle Corporativo”, o professor Lucian Arye Bebchuk, da Harvard Law School, avalia que as ofertas mandatórias de ações podem impedir aquisições com elevado potencial de agregar valor às companhias na medida em que tornam as transferências de controle extremamente caras para o comprador. Bebchuk considera para efeito desta análise os casos em que o prêmio de controle é preservado e as ofertas aos demais acionistas se somam a ele.

No Japão, o modelo de tag along tomou um caminho alternativo, justamente por conta dessa preocupação. A lei prevê que todo interessado em deter mais de 30% de uma companhia faça uma oferta a todos os acionistas, independente de as ações estarem dentro ou fora da bolsa de valores. Mas, ao contrário do City Code, não requer que o prêmio pago ao controlador seja distribuído aos demais acionistas. Segundo relatório da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, elaborado a partir de diversas reuniões sobre governança corporativa realizadas com países asiáticos, o modelo do tratamento igualitário foi preterido por desconfianças quanto a sua real eficácia. Acredita-se que tais restrições podem servir de escudo contra futuras aquisições, prejudicando a competitividade da economia.

O mercado norte-americano, considerado o mais desenvolvido do mundo, não prevê o direito ao tag along a partir das negociações privadas de controle. Na regra 14-D do Securities Act de 1934, é exigido apenas que, quando a proposta de aquisição se der através de uma oferta pública, esta seja uma operação aberta a todos os acionistas e promovida em iguais condições de preço.

No Brasil, a relevância do direito ao tag along para os investidores foi comprovada na prática. Depois da última reforma na Lei das S.As, que permitiu a controladores e minoritários negociarem a troca de vantagens nos dividendos pelo tag along, acionistas de empresas como Weg, Banco Itaú e Coteminas prefiram a segunda opção. Hoje, 34 empresas brasileiras, de um total de 364 companhias listadas na bolsa, vão além do que está na lei e concedem o direito ao tag along para seus preferencialistas – em alguns casos volutariamente e, em outros, porque os acionistas abdicaram de receber um extra nos dividendos.

Ainda que a lei não tenha conferido o tag along a todos os acionistas, como esperavam os minoritários, o sistema de auto-regulação tem mostrado resultados. Duas novas empresas confirmaram a intenção de abrir o capital em breve – Natura e All Logística, ambas no Novo Mercado da Bovespa, segmento especial que requer das companhias ali listadas uma série de obrigações, entre elas o tag along. “Já que não conseguimos fazer uma lei ideal, a saída foi fazer um mercado do jeito que se queria”, afirma Luiz Leonardo Cantidiano, presidente da Comissão de Valores Mobiliários. “Acredito que teremos cada vez menos novas emissões fora do Nível 2 ou do Novo Mercado”, afirma, referindo-se aos dois níveis da Bovespa que exigem o tag along.


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