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De pai para filha
Fernanda de Lima

, De pai para filha, Capital AbertoA paixão de Fernanda de Lima por números costumava encher seu pai de orgulho. Mas ele deixava escapar: “Queria tanto que você fosse homem” e explicava: “Um dia vai casar e ter filhos, não precisa estudar tanto…”. Eram parecidos de gênio e diferentes em pensamento, concluiria a menina aplicada, optando por um caminho independente dos negócios do pai. Anos mais tarde, Paulo César recorreria à filha para fazer uma avaliação de sua corretora Gradual. Era a pessoa indicada: depois das faculdades de matemática e economia, Fernanda havia construído uma sólida carreira no exterior, nos bancos de investimento J. P. Morgan e Merrill Lynch, chegando a vice-presidente da área de fusões e aquisições em Londres. De volta ao Brasil, país escolhido para criar os três filhos, fundara um portal de investimentos na internet.

Fernanda desmarcou compromissos e atendeu ao raro chamado do pai, que lhe revelou o desejo de vender a corretora: já tinha 63 anos, sentia-se cansado e os dois filhos homens não se interessavam pelo negócio. “E você, minha filha, já tem a sua empresa, sua família, seus problemas…”. Pediu que ela participasse de uma conference call com americanos interessados na aquisição, já que não falava inglês. Fernanda viu-se envolvida com os números da corretora pela primeira vez, mas mal teve tempo para refletir sobre o assunto: uma semana depois, Paulo César de Lima sofreria um infarto, para morrer em seguida.

Passados quatro anos e meio, Fernanda segura as lágrimas ao contar a história. A convicção de que não deveria vender, mas sim assumir a Gradual, surgiu como uma missão, ainda no velório. “Vi o desamparo no rosto das pessoas que trabalhavam com ele. Meu pai era uma pessoa extremamente centralizadora. A corretora era ele.” Depois de acompanhar tantos processos de reestruturação justamente no setor financeiro, ela sabia que havia um trabalho a ser feito e que tinha o conhecimento necessário para executá-lo. As resistências ao processo foram grandes, e Fernanda precisou enfrentar sócios amigos do pai que a viram nascer. Mas hoje, diante dos novos números da Gradual, diz que valeu a pena. “Era minha obrigação me envolver.”

, De pai para filha, Capital AbertoAs transformações começaram na parte administrativa e na infraestrutura da corretora. “A desmutualização das bolsas ajudou, porque foram lançados programas de certificação e qualificação”, diz Fernanda. A transferência da sede para um prédio mais moderno e os pesados investimentos em tecnologia, em plena crise global, pioraram a relação com os sócios, que não concordavam com a mudança no perfil da corretora. A diretora-geral chegou a pedir demissão. “Disseram que foi um truco. De certa forma, foi”, admite Fernanda, que depois de três semanas teve aceita sua oferta para comprar a participação dos sócios, incluindo os amigos do seu pai no setor imobiliário e o diretor de operações que o havia ajudado a fundar a corretora. “Foi muito difícil, porque eu tinha transferido o meu carinho paternal para ele.”

Com a profissionalização, os resultados começaram a aparecer. “Saímos da 28ª posição no mercado de futuros para o nono lugar”, comemora Fernanda, que entrevistou pessoalmente os 65 contratados para integrar a mesa institucional, agora segmentada e com 95 profissionais. No ranking do segmento Bovespa, a Gradual está na 15ª posição. “Já estivemos em 27º”, lembra ela. Na área de tecnologia (“meu pai não gostava, nem tinha celular”), o número de funcionários pulou de três para 30, e o de servidores, de 8 para 120. Só no centro de processamento de dados (CPD), foram investidos R$ 12 milhões. A meta de desconcentrar clientes foi alcançada graças à capilaridade da rede de distribuição, hoje com quatro filiais e 35 escritórios exclusivos. “Conseguimos ser fortes ao mesmo tempo em cliente institucional e pessoa física, ao contrário das outras corretoras”, relata a presidente, orgulhosa também da nova idade média dos funcionários: 33 anos, quando antes era próxima de 50.

E se os americanos que negociaram com o seu pai quisessem adquirir a Gradual agora? Fernanda responde, de bate-pronto: “É outra corretora”. Para esclarecer depois, em tom de desabafo: “Quando entrei, todo mundo dizia que eu ia vender. Agora, dizem que nunca vou vender. Não é uma coisa nem outra. Trabalhei no mercado de compra e venda, não tenho obsessão de controle, e um sócio estratégico seria bem-vindo, porque temos as dificuldades de ser independentes em um mercado globalizado. Mas o momento é de consolidar o negócio, ter fluxo doméstico, ter os produtos”. Acusada de “não ser corretora” na época da disputa societária, a economista assume o seu diferencial como positivo. “Não sou como a maioria dos donos de corretoras, em geral operadores, que não conseguem olhar o longo prazo.”

Também a condição feminina acabou se revelando vantajosa. Quando teve o primeiro filho, em Londres, viu-se até disputada por outros bancos. “Começava um discurso politicamente correto na Europa, e ter na empresa uma mulher, brasileira, com filho pequeno, era um exemplo. Recebi ofertas malucas, que incluíam babá, caríssima na Inglaterra.” No entanto, como a prática nem sempre correspondia ao discurso, as viagens não foram reduzidas como ela esperava (“eu era como o George Clooney em Amor sem Escalas”), e Fernanda acabaria optando por uma vida mais tranquila no Brasil, como empreendedora. “Mas não me vejo parando de trabalhar nunca”, admite ela, lembrando-se do desperdício de talento que o pai vislumbrava na filha mulher. “No final, ele mudou de ideia. Estava feliz por eu ser mulher, porque além de tudo tinha lhe dado netos.”


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