Juros sobre o capital próprio não é privilégio
29/5/15

A figura dos juros sobre capital próprio (Lei 9249/95) é, quase todo o ano, alvo de ataque por membros do Congresso Nacional. Foi eleita por alguns como símbolo do privilégio do Fisco para com os donos de capital.

Só que, muito ao contrário de privilégio, essa figura nasceu para reduzir a iniquidade tributária que atinge as empresas pouco endividadas tributadas à base do lucro real. Por exemplo, um empreendedor consegue empréstimo de R$ 1 milhão a 15% ao ano e o investe em estoques e outros itens do capital de giro (aluga o imóvel, para simplificarmos); consegue ao fim do primeiro exercício um retorno antes dos tributos sobre o lucro de 25%. Deduz então desses R$ 250 mil a despesa com o juro de R$ 150 mil e tributará (34% de IR e CSLL) os R$ 100 mil desse diferencial. Sobrar-lhe-ão R$ 64 mil de lucro líquido (como vai amortizar a dívida eu não sei, mas aqui é tudo um exemplo). E esse lucro será genuíno, verdadeiro, em moeda de poder aquisitivo do final desse primeiro ano, qualquer que tenha sido a taxa de inflação durante esse período. Nosso empreendedor terá começado com zero de capital próprio, terá terminado o ano antes dos tributos com riqueza de R$ 100 mil e lhe sobrarão R$ 64 mil para remunerar o empreendedorismo. Repare-se que pagará tributos sobre um lucro efetivo, real, de R$ 100 mil.

Todavia, se tiver capital próprio de R$ 1 milhão, investi-lo no negócio e ganhar, antes dos tributos, os mesmos, R$ 250 mil, tributará, na ausência do juro sobre o capital próprio, 34% sobre esse montante, o que dará R$ 85 mil, e terá um talvez pseudolucro de R$ 165 mil. Porque “pseudolucro”?

Bem, se não tiver havido inflação durante esse ano, ótimo, terá tido um lucro efetivo de R$ 165 mil. Mas, se tiver havido inflação de 10%, será isso verdadeiro? Vejamos: a) terá começado com um capital de R$ 1 milhão; b) 10% de inflação depois deveria ter R$ 1,100 mil para ter conseguido manter a mesma riqueza inicial; c) como antes dos tributos sobre o lucro sua riqueza total será de R$ 1.250 mil, terá crescido apenas R$ 150 mil em termos reais; d) mas terá que pagar aqueles tributos de R$ 85 mil porque eles incidirão sobre o crescimento nominal de R$ 250 mil!

Sua alíquota econômica efetiva sobre o genuíno lucro de R$ 150 mil terá sido então de 56,7%, e não 34%. Seu lucro líquido real será de R$ 65 mil. Refazendo: o ativo produz um crescimento nominal de R$ 250 mil que, descontada a inflação sobre o valor investido, significa um crescimento real de R$ 150 mil; descontando os tributos de R$ 85 mil, sobra o lucro líquido efetivo de R$ 65 mil sobre o capital original investido, devidamente corrigido, de R$ 1.100 mil, uma rentabilidade de 5,9% real no ano. Terá valido a o risco?

Repare que, ao utilizar capital de terceiros, o empreendedor deduz do lucro nominal produzido pelos ativos a inflação inteira contida na taxa de juro nominal de 15% a.a. aplicada sobre o capital utilizado. E paga tributos sobre o lucro efetivo, real, não inflacionado. Mas, ao trabalhar com o capital próprio, os efeitos da inflação sobre esse capital não poderão ser deduzidos da apuração do lucro tributável. E apurará um lucro contábil “fajuto”, inflado, e pagará os tributos (R$ 85 mil) sobre ele.

Quando se tinha a correção monetária do balanço, esse capital próprio sofria correção e os 10% de inflação sobre o capital de R$ 1 milhão eram contabilizados como redução do lucro contábil e tributável, e tributava-se apenas o lucro real, efetivo (que seria de R$ 150 mil nesse caso). Com a extinção da correção monetária, a Receita Federal tinha total consciência do que isso provocaria: as empresas capitalizadas passariam a sofrer uma tributação iníqua, injusta. Afinal, mesmo havendo baixado as alíquotas de tributação, sabia que a inflação sobre o capital de terceiros continuaria sendo deduzida dentro da taxa nominal dos juros, mas a inflação sobre o capital próprio não.

E criou então a Receita Federal a ideia da possibilidade de deduzir fiscalmente o “juro sobre o capital próprio” para compensar essa iniquidade. Nenhum privilégio, apenas a digna tentativa de não permitir, ou pelo menos reduzir, a iniquidade tributária. Como a base desse juro era a TJLP, e essa andava acima da inflação, tomou-se 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte sobre esse juro para uma certa compensação. Jeitinho brasileiro. Hoje a TJLP anda lá embaixo, não compensa a inflação e ainda produz esse tributo de 15%, mas ainda assim seria menos danosa do que sua ausência.

No exemplo em questão, se a TJLP fosse, por exemplo, de 8%, do lucro nominal de R$ 250 mil seriam deduzidos R$ 80 mil desse “juro sobre o capital próprio”, e a tributação seria sobre R$ 170 mil (com os 34%, R$ 57,8 mil). O lucro líquido contábil seria então de R$ 112,2 mil. Mesmo deduzindo o IRRF de 15% que o dono do capital pagaria sobre o “juro”, o que daria mais R$ 8,67 mil, sobraria um lucro líquido para o investidor de R$ 103,53. Ainda assim, algo muito diferente dos R$ 65 mil que lhe sobrarão se conseguirem extinguir essa figura fiscal do juro sobre o capital próprio.

Urge, pois, que se recomponha essa história perante nossos governantes para excluir a ideia de que essa figura seja um privilégio e que se queira continuar eliminando-a.

P.S.: Poxa, procuro sempre colocar uma pitadinha de bom humor mas, desta vez, não consegui. Dá para ver como estou preocupado com esse assunto?


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