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Auditoria paga a conta?
Decisão judicial inédita levanta debate sobre indenização de investidores

auditoria-paga-a-contaA KPMG é protagonista de uma situação única no Brasil. Em fevereiro, foi condenada em primeira instância a indenizar um investidor que aplicou R$ 3,6 milhões em certificados de depósito bancário (CDBs) do banco BVA, atualmente em processo de falência. Em valores corrigidos, o montante a ser ressarcido chega a R$ 6 milhões. A decisão, proferida pelo juiz Miguel Ferrari Júnior, da 43a Vara Cível da cidade de São Paulo, é controversa. Pela primeira vez, uma firma de auditoria brasileira e um dos seus sócios estão sendo responsabilizados por danos decorrentes de uma aplicação financeira.

A acusação à KPMG parte do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados. Os profissionais da banca argumentam que o parecer emitido pela auditoria sobre as demonstrações contábeis do BVA, sem ressalvas, levou o investidor a comprar os CDBs. No encontro do Grupo de Discussão (GD) Contabilidade promovido pela capital aberto em março, em São Paulo, Edison Fernandes, sócio do escritório, comentou o caso.

“O relatório do auditor é usado pelos stakeholders para tomar decisões”, observa. Segundo ele, ao determinar que nenhuma demonstração financeira será publicada sem o parecer de uma auditoria independente, a Lei das S.As imputa um compromisso sério ao auditor. “É esse profissional que vai dar mais ou menos credibilidade para a demonstração financeira. Por isso, ele tem, sim, responsabilidade quando atesta que o balanço está correto. Senão, sua opinião seria dispensável”, avalia Fernandes. Conforme a defesa do escritório, se o documento da auditoria informa que a situação patrimonial da instituição financeira, em seus aspectos relevantes, é adequada sem ser de fato, essa evidência é suficiente para punir a firma. A responsabilidade nesse caso é objetiva; não é preciso provar culpa ou dolo.

O relatório do Banco Central (BC) sobre o caso, citado pelo juiz em sua decisão, reforça que a KPMG pode não ter executado seu trabalho como deveria. O texto declara que os auditores verificaram falta de provisões para perdas com inadimplência e estavam cientes de erros no procedimento de reconhecer receitas, mas não incluíram essas informações como ressalvas nos pareceres dos balanços emitidos em junho e dezembro de 2011.

Fundamentado nas irregularidades apontadas, o Ministério Público Federal também move um processo contra a firma de auditoria. Para garantir a execução da pena, o mesmo juiz determinou, no ano passado, o bloqueio de bens da KPMG e do sócio responsável pela assinatura do relatório sem ressalvas, Francesco Luigi Celso. Procurada pela reportagem, a empresa informou que não se pronunciaria a respeito da decisão judicial.

Relatório do Banco Central sobre o caso BVA declara que auditores perceberam a
falta de provisões e estavam cientes de erros, mas não fizeram as devidas ressalvas nos balanços. Com base nessas conclusões, Ministério Público também move processo

Quando ressarcir?
O episódio trouxe à tona a discussão: até que ponto o auditor deve indenizar investidores? Para Idésio Coelho, presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), o ressarcimento é uma punição plausível ou não, de acordo com o motivo pela qual o relatório de auditoria trouxe uma conclusão incorreta. Ele esclarece que a auditoria “não dá garantia para o investidor”: é dever de quem está aplicando o dinheiro conhecer os riscos do investimento, ciente de que o relatório do auditor é feito com base em uma “asseguração razoável, não absoluta”. “Quando surge um problema, a reação do mercado é querer achar um culpado. E, se a empresa quebrou e o administrador faliu, quem sobra [para pagar a conta] é o auditor”, disse Wanderley Olivetti, sócio da Deloitte, no evento do GD Contabilidade.

Coelho defende que uma firma de auditoria só deve indenizar um investidor caso se comprove que o parecer equivocado foi motivado por culpa (o auditor não viu problemas no balanço porque descumpriu alguma norma da profissão) ou dolo (estava ciente do erro ou fraude e agiu em conluio com a administração). Na primeira situação, o presidente do Ibracon entende que o auditor deve ser responsabilizado, porém não em igual proporção à pena atribuída ao administrador que cometeu a fraude.

Luiz Leonardo Cantidiano, advogado especialista em direito societário do escritório Motta, Fernandes Rocha, referenda a visão de Coelho. Além disso, ressalta que, embora o auditor considere o risco de ocorrência de erros e fraude ao fazer seu trabalho, não é responsável, nem pode ser responsabilizado, pela prevenção desses problemas. É o que diz o artigo 5o da 11a Norma Brasileira de Contabilidade. “O auditor não é um investigador que sai procurando fraude. Evidentemente que, se encontrar algum problema, como desvio de recursos, tem de se manifestar”, enfatiza Cantidiano.

É controversa a premissa de que a responsabilidade do auditor se resume a sua atuação no meio do processo — ou seja, seu papel seria conduzir o trabalho com zelo, para atestar a conformidade da demonstração contábil às normas. Alguns argumentam que os auditores têm “responsabilidade de fim” e devem assumir as consequências de seus atos perante os stakeholders, entre os quais acionistas e investidores. Nessa visão, mesmo que os auditores digam ter feito tudo certo, o fato é que empresas quebram, como o BVA. O banco sofreu intervenção do Banco Central (BC) em 2012 devido a problemas de subprovisionamento (possuía ativos com riscos maiores do que os valores reservados para cobri-los) que comprometeram sua situação financeira. Além disso, nas palavras do BC, havia cometido “graves violações às normas legais”. Posteriormente, investigações revelaram indícios de fraudes contábeis, desvio de recursos e gestão temerária.

auditoria-paga-a-conta2Eles ganharam
No exterior, investidores já conseguiram obter ressarcimento de auditores por prejuízos. Em 2003, um grupo de minoritários da italiana Parmalat Finanziaria, que teve sua falência decretada, processou a Grant Thornton e a Deloitte Touche Tomatsu. Eles alegaram que as firmas teriam ajudado a Parmalat a fraudar os balanços. Num acordo, as auditorias concordaram em indenizar os investidores em US$ 15 milhões. Desse total, US$ 8,5 milhões foram pagos pela Deloitte e US$ 6,5 milhões vieram da Grant Thornton.

Importantes usuários dos relatórios de auditoria, os credores também buscam ser ressarcidos por falhas de parecer. Segundo reportagem publicada no jornal Financial Post, em abril do ano passado, o Superior Tribunal de Justiça de Ontario condenou a Deloitte a pagar US$ 85 milhões por danos aos credores da extinta Live Entertainment Corporation, conhecida como Livent. Conforme o juiz, a auditoria não foi cuidadosa no exame da demonstração de 1997 da empresa, tendo feito vista grossa a práticas incomuns que, mais tarde, se provariam fraudulentas. A Deloitte recorreu da decisão e aguarda revisão do julgamento.

Em meio à discussão sobre os limites da responsabilidade do auditor, há dois anos o Banco Mundial recomendou ao Brasil a criação de um órgão regulador que fiscalize e avalie o trabalho desse profissional no País — assim como faz a PCAOB (sigla em inglês para Conselho de Supervisão Contábil das Companhias Abertas) nos Estados Unidos. A sugestão está presente na segunda edição, a mais recente, de um relatório do Banco Mundial, elaborado em conjunto com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a respeito do cenário de contabilidade e auditoria no Brasil. O órgão proposto pelo banco seria ligado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e visaria fiscalizar o trabalho das empresas de auditoria que tenham como clientes entidades de interesse público, entre as quais companhias abertas e instituições financeiras, além de fundos de pensão. Procurada, a CVM informou não ter notícias da criação da entidade e comentou que a iniciativa de criá-lo deve partir do governo.

O lançamento de um PCAOB brasileiro seria uma forma de acompanhar a qualidade do trabalho das auditorias. De acordo com o Wall Street Journal, a última inspeção do conselho supervisor americano nas auditorias feitas pelas Big Four (KPMG, PricewaterhouseCoopers, Deloitte e Ernst & Young) apontou índice de deficiência de 39%, ante 37% no ano anterior. Como se vê, ainda há muito a melhorar.

Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com


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