Conflito de interesses — Parte I
Apesar da clareza das recomendações, poucas empresas brasileiras seguem os códigos de governança

O conflito de interesses é a questão central que inicialmente motivou os debates sobre governança corporativa. Basicamente, ele ocorre quando interesses secundários de uma pessoa envolvida em uma decisão podem divergir do interesse coletivo da companhia ao qual deve lealdade — seu interesse primário. Dentre os interesses secundários, incluem-se não apenas ganhos financeiros particulares, mas também potenciais vantagens de outra natureza, tais como aquelas decorrentes de relações pessoais com contrapartes envolvidas na decisão em questão.

O conflito existe independentemente da influência efetiva do interesse secundário sobre a decisão final, o que tende a causar confusão sobre o tema. É comum, por exemplo, uma pessoa negar a acusação de estar sob conflito de interesses alegando não ter agido de forma imprópria ou antiética. Na verdade, porém, o conflito de interesses é uma situação anterior à decisão, que pode existir mesmo que não haja atos impróprios decorrentes da atuação do indivíduo conflitado.

Tendo em vista a importância do tema, este artigo está dividido em duas partes. Nesta edição, o conflito de interesses será abordado do ponto de vista conceitual, enfatizando o tratamento recomendado pelos códigos de governança, a fim de mitigar seus impactos. Também discutiremos a existência de uma corrente jurídica no País denominada “substancial”, que se posiciona contrariamente ao que as melhores práticas recomendam globalmente.

Na próxima coluna, procuraremos evidenciar que o conflito de interesses lida primordialmente com questões de natureza humana, indo muito além de um debate técnico-jurídico. No mundo empresarial, os problemas resultantes dos conflitos de interesses podem se manifestar em três âmbitos principais, conforme destacado no quadro abaixo.

De acordo com as melhores práticas de governança, não há dúvida sobre como proceder em situações envolvendo conflito de interesses: praticamente todos os códigos determinam que as pessoas sujeitas a interesses conflitantes com os da organização em certas matérias se abstenham de participar das discussões e de votar durante sua deliberação. O quadro a seguir apresenta a visão de documentos de referência.

Apesar da clareza das recomendações, poucas empresas brasileiras seguem o que é preconizado pelos códigos de boas práticas atualmente. Um trabalho recente que avaliou as 100 maiores companhias do mercado acionário**observou que apenas 4% e 16% das empresas possuem regras claras de forma a proibir que seus acionistas e administradores, respectivamente, votem nessas matérias. Como resultado, é muito comum administradores conflitados não apenas participarem ativamente das discussões sobre matérias nas quais possuem interesses conflitantes, como também votarem sem qualquer impedimento imposto pela companhia ou por sua própria consciência.

No que concerne às assembleias de acionistas, emergiu no Brasil uma corrente jurídica que procura legitimar a possibilidade de o acionista votar mesmo quando sujeito a interesses conflitantes. Denominada de material ou substancial, essa corrente argumenta que o conflito de interesses deveria ser avaliado apenas após a decisão e que, portanto, ela deveria ser tomada com a participação de todos os acionistas, incluindo os conflitados. Além de fugir da lógica, já que a situação de conflito de interesses ocorre por definição ex-ante, deve-se destacar que parte dessa literatura se baseia em pareceres jurídicos, estando, portanto, sujeita a conflitos de interesses.

De forma surpreendente, todavia, essa visão foi aceita como predominante por nosso regulador durante praticamente toda a década passada, vigorando de 2002 até o caso Tractebel, em 2010.

Na próxima edição, apresentaremos resultados de trabalhos recentes — realizados por meio de experimentos com seres humanos — que refutam dois argumentos centrais por trás dos defensores da corrente “substancial” do conflito de interesses: 1) que conseguimos analisar as questões e decidir com neutralidade se assim o desejarmos, mesmo quando estamos sujeitos a conflitos de interesses; e 2) que a divulgação plena dos diferentes interesses envolvidos na matéria (o chamado full disclosure) constitui uma solução razoável para mitigar quaisquer potenciais problemas.

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