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Inocência perdida
Por que está na hora de substituirmos o tradicional prospecto de ofertas de ações
, Inocência perdida, Capital Aberto

Carlos Rebello*/ Ilustração: Julia Padula

Em 2002, trabalhamos duro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para construir regras para ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, que foram consolidadas na Instrução 400. O projeto foi liderado por Luiz Antônio Campos, então membro do colegiado da autarquia, e teve como fundamentos a legislação existente sobre a matéria nos países com mercados de capitais avançados, a experiência de pelo menos 25 anos da CVM no registro de ofertas e uma ampla consulta à comunidade de profissionais de mercado.

Anteriormente, havia duas instruções, as de números 13 e 88, que tratavam, respectivamente, de ofertas de distribuição pública primária e secundária de ações.

Para nossa alegria, logo depois que a Instrução 400 entrou em vigor o mercado de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) foi retomado com vitalidade no País.

Nessa época, como titular da área de registro de ofertas da CVM, tive a oportunidade de fazer várias palestras sobre a correta aplicação das então novas regras. Sempre levava comigo dois exemplares de prospecto — um elaborado nos termos das antigas regras e o outro conforme a nova norma.

A diferença no número de páginas era abissal, refletindo o aumento significativo de informações para subsidiar decisões de investimento conscientes do público objeto do esforço de venda dos valores mobiliários. Ao colocar-me como uma balança, com um prospecto em cada mão, demonstrava o orgulho do regulador ao promover um instrumento que reforçava a alocação eficiente de recursos na formação de capital de companhias brasileiras.

Conforme o tempo foi passando, o número de páginas foi crescendo, não pela inclusão de mais informações necessárias ao perfeito conhecimento do negócio proposto pelo investidor, mas sim por dados repetidos e textos prolixos.

Outro ponto que me causava desconforto era o estilo de redação do prospecto. Em lugar de um texto convidativo à leitura e acessível a um grande público —independentemente de sua formação ou especialização —, o prospecto se apresentava em um linguajar técnico-jurídico muito restrito e excludente.

Apesar do desconforto, essa realidade (e sua consequência de incentivo à não leitura do prospecto pelo público investidor) não me afligia tanto, na medida em que são os investidores institucionais que na prática estabelecem o preço final das ações, após criteriosa análise dos riscos do negócio e das perspectivas de rentabilidade da companhia objeto da oferta.

Para minha surpresa, em uma reportagem publicada na imprensa após o boom de IPOs dos anos 2006/2007, analistas de importantes investidores institucionais internacionais, com ativa participação em ofertas de ações no Brasil, admitiram que, em decorrência do grande volume de IPOs, não tinham tempo de ler todos os prospectos e, portanto, de fazer uma análise detalhada do negócio oferecido.

Na minha inocência, passei a incentivar os ofertantes a se utilizarem da prerrogativa existente na norma de oferecerem um sumário de 15 páginas, com remissões a um material mais detalhado por links. A ideia era assegurar que os investidores tomassem conhecimento de um conteúdo mínimo e essencial sobre a companhia, inclusive os cinco principais riscos do investimento. Com a leitura desse resumo, poderiam então ser incentivados a se debruçar sobre os detalhes contidos nos links.

No entanto, o esforço foi feito em vão.

Diante de minha perplexidade, certo dia um membro do colegiado — que por sinal deixou um importante legado para a CVM — bateu no meu ombro e disse: “Acorda, Rebello!” Explicou-me que o prospecto aqui no Brasil, como de resto no mundo, apesar dos bons propósitos, passou a ser o documento de defesa dos ofertantes contra eventuais ações de indenização de investidores.

Com esse propósito, o prospecto apresenta, por exemplo, todas as informações de risco do investimento, possíveis e imagináveis, de forma a esgotar as possibilidades e, com isso, mitigar situações que poderiam ensejar ações de reparação.

Essa é a realidade, não obstante o fato de a Instrução 400 não ser observada no que tange à obrigatoriedade de linguagem acessível aos investidores do conteúdo do prospecto da oferta.

Como sou obstinado, fico na torcida para que os reguladores mundo afora, reunidos em sua associação — a Iosco — façam uma pesquisa junto aos investidores que participam de ofertas para verificar a proporção dos que baixam o prospecto ou pedem um exemplar impresso do documento. Se minha intuição estiver correta, a pesquisa vai demonstrar que o prospecto é muito pouco utilizado pelos investidores como base para tomarem suas decisões e, portanto, uma nova forma de apresentação de informações no material de venda será requerida para garantir a devida proteção do investidor.


*Carlos Rebello ([email protected]) foi diretor de regulação de emissores da BM&FBovespa até junho de 2015 e superintendente da CVM entre 1978 e 2009.


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