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A “caixa preta” das assembleias gerais
Os efeitos desastrosos dos DRs para a dinâmica e a qualidade do funcionamento das assembleias
, A “caixa preta” das assembleias gerais, Capital Aberto

Raphael Martins*/ Ilustração: Julia Padula

São hercúleas as tarefas que se colocam diante de um acionista disposto a fazer ativismo assemblear. Além do custo financeiro associado a uma mobilização de maior escala, há dificuldades que vão desde a obtenção da relação de acionistas da companhia até o esforço para superar uma cultura de passividade de grande parte da base acionária (principalmente dos fundos de índice e dos especulativos). Entretanto, por mais empenhado e talentoso que seja esse acionista, uma barreira se mostra intransponível: acessar os titulares de recibos de depósito de ação, os DRs — entre os quais o american depositary receipt (ADR) é o mais conhecido.

Os DRs são recibos emitidos e negociados no exterior por uma instituição estrangeira chamada de depositária, com lastro em certos ativos depositados na custódia de uma instituição nacional, a custodiante. Na versão mais frequente — envolvendo ações de emissão de companhias abertas —, ao se emitir um DR o número correspondente de ações é adquirido no Brasil pela custodiante, que delas se torna o titular direto. Uma vez emitido, o recibo pode ser negociado conforme as regras do balcão estrangeiro.

Como o DR está lastreado nas ações, sob o aspecto econômico sua aquisição equivale, grosso modo, à aquisição direta de uma ação no Brasil. Mesmo porque, se houver um descasamento entre o mercado brasileiro de ações e o exterior de DRs, permite-se ao titular de um recibo trocá-lo pela ação que lhe serve de lastro ou ao titular de uma ação convertê-la em DR.

Do ponto de vista político a questão é mais complexa. Nem todos os programas de DR buscam replicar para o titular do recibo os mesmos direitos que lhe seriam conferidos pela ação. Naqueles em que isso ocorre, o exercício desses direitos é intermediado pelo custodiante nacional, na qualidade de titular formal das ações. Em uma situação de assembleia geral, por exemplo, a orientação de voto do titular de um DR é encaminhada à depositária, que a reencaminha para a custodiante, que, na qualidade de acionista, participa da assembleia geral, manifestando a orientação de voto conforme determinado pelo titular do recibo.

Mas mesmo nos programas em que são conferidos direitos políticos ao titular de DR, seus efeitos têm sido desastrosos para a dinâmica e a qualidade do funcionamento de uma assembleia geral. Vejamos.

Em primeiro lugar, pela falta de um marco legal sobre o assunto, a titularidade desses DRs não é visível para o mercado — salvo por aspectos ligados à precificação e ao volume de transações, o que acontece com o DR no balcão estrangeiro não é divulgado. Acerca da titularidade, na maioria dos casos, a única informação pública refere-se ao volume de ações que estão com a custodiante e, portanto, lastreando o programa de DR.

Para fins de mobilização assemblear, essa falta de visibilidade impede que um acionista ou outro titular de DR acesse os titulares relevantes de recibos para, por exemplo, discutir determinada matéria submetida à assembleia geral ou apresentar sua proposta sobre o tema. Ou seja, em uma situação assemblear, essa base de titulares de recibo é acessada apenas por meio do formulário de votação do DR (o proxy card), um boletim de votação divulgado pela depositária e que reflete as opções de votação apresentadas pela companhia.

Ocorre que o proxy card circula logo após a divulgação do edital de convocação da assembleia, contendo normalmente apenas as propostas da própria administração. Por um lado, o titular de DR não tem condições, com isso, de votar em outras propostas — provavelmente de acionistas minoritários — que vierem a ser apresentadas até a assembleia. Por outro, mais uma vez por inadequações no nosso marco legal, não é sequer acessível para um acionista a informação sobre como incluir proposta no proxy card. Tem-se verificado que mesmo aquelas apresentadas com antecedência à proposta da administração não chegam a ser incluídas no formulário de votação.

Finalmente, e como se não bastasse, embora a legislação estabeleça que, na ausência de uma orientação de voto do titular de DR ou quando o programa de DR não permitir o voto desse titular, a custodiante deveria votar no melhor interesse dos titulares do recibo, muitos programas predeterminam que nesses casos a custodiante automaticamente ou se absterá ou votará conforme a proposta da administração.

Bem analisados, os DRs tornaram-se uma verdadeira “caixa preta” nas assembleias gerais: não se sabe quem são seus titulares, como acessá-los e quais as opções de votação que lhes foram disponibilizadas. Isso quando não se tornam verdadeiros instrumentos para forçar a aprovação das propostas da administração, por mais questionáveis que sejam. Pensando na dinâmica de uma assembleia geral, nas companhias em que os DR são relevantes, o resultado do conclave já é determinado antes mesmo do seu início. E não há ativismo assemblear que consiga transpor essa barreira.


*Raphael Martins é sócio do escritório Faoro & Fucci Advogados


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