Cerco aos hedge funds
Crise financeira leva reguladores a buscarem formas de reforçar a fiscalização

, Cerco aos hedge funds, Capital AbertoCrises têm em comum o fato de, geralmente, serem seguidas de medidas regulatórias que visam a adequar o sistema jurídico aos novos fatos e à ordem econômica. A atual, contudo, difere das demais não apenas em sua amplitude e profundidade, mas também nos efeitos indiretos que causou. A existência de operações e produtos financeiros cada vez mais complexos e, talvez, a falta de análise mais profunda sobre seus efeitos contábeis, jurídicos e econômicos fizeram com que a crise evidenciasse o custo financeiro e social de “falhas” regulatórias. Diante desse cenário, os hedge funds, frequentemente acusados de terem sua parcela de culpa nas turbulências econômicas dos últimos tempos, entraram na mira dos órgãos reguladores.

Apesar de não serem os responsáveis pela atual crise, em razão de suas estratégias, alavancagem e outros fatores, eles podem aumentar a amplitude e trazer risco sistêmico para o mercado. Por isso, foram pauta, inclusive, das discussões da cúpula do G-20, que considerou extremamente relevante a regulação desse tipo de fundo e recomendou o tratamento conjunto do tema.

A decisão levou em conta também estudo preliminar sobre hedge funds publicado em março e elaborado pela Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários — a Iosco —, a pedido do grupo. Em seu estudo, recomenda que sejam elaboradas regulamentações sobre os seguintes itens: 1) práticas de gestão de risco; 2) melhores testes de stress e liquidez; 3) estrutura organizacional e controles internos; 4) due diligence em investimentos; 5) aumento de transparência e disclosure; e 6) governança e conflitos de interesse.

Uma questão, no entanto, tem dividido os países no esforço conjunto de criar uma regulação homogênea: ela deve contemplar diretamente os fundos ou somente a sua oferta e seus gestores? A regulação indireta do mercado tem sido a base da proposta da União Europeia. Porém, ela tem sofrido críticas de líderes dentro do próprio bloco. A dificuldade está no fato de que países como Alemanha e Itália possuem regulamentação sobre o próprio fundo, suas regras e registro, enquanto outros, como a Inglaterra, focam sua regulação nos gestores e na forma de distribuição ao mercado. Os Estados Unidos, por sua vez, possuem regulação tanto do próprio hedge fund (Investment Company Act de 1940 — ICA), quanto da forma de sua oferta e negociação (Securities Act de 1933 e Securities Exchange Act de 1934) e conduta dos gestores (Investment Adviser Act).

No entanto, a maioria dos hedge funds americanos não é considerada como “companhia de investimento”, de acordo com o ICA. Sua oferta é realizada à margem do Securities Act, ficando, portanto, fora da esfera de supervisão da Securities and Exchange Commission (SEC). Isso ocorre devido à utilização de uma das seguintes exceções do ICA e do Securities Act: 1) ter 100 ou menos investidores e não realizar oferta pública (sendo que a oferta privada deverá ser feita a investidores definidos como accredited investors); ou 2) realizar oferta privada apenas a investidores definidos como “qualified purchasers”.

Assim, diante da necessidade de se criarem regras que tragam efeitos concretos de monitoramento e fiscalização do mercado, foi apresentado no congresso norte-americano, no fim de janeiro, o projeto de lei Hedge Fund Transparency Act. Segundo ele, as exceções mencionadas seriam transferidas do capítulo referente à definição de companhia de investimento para o relativo à dispensa de registro. Assim, todos os fundos conhecidos como “privados” (hedge funds, fundos de private equity e venture capital) que observassem uma das hipóteses do parágrafo anterior passariam a ser considerados companhias de investimento para todos os efeitos legais, mas estariam dispensados de registro e obrigações de envio de documentos do ICA.

Contudo, uma grande preocupação ainda reside nos participantes que podem trazer risco sistêmico. Dessa forma, o projeto de lei estabelece que, caso o fundo tenha mais de US$ 50 milhões sob sua gestão, deve cumprir com os seguintes requisitos adicionais para manter sua isenção: 1) registro na SEC; 2) envio anual de formulário com informações para a SEC; 3) manutenção de livros e arquivos e disponibilização para a SEC, caso solicitado; e 4) cooperação com qualquer requisição de informação pela SEC. Caso contrário, deverá se submeter integralmente às regras do ICA.

Em outra frente de trabalho, o governo americano apresentou, no fim de março, um quadro de reformas regulatórias sobre entidades que possam gerar risco sistêmico. Nesse sentido, traçou as seguintes bases para a indústria de hedge funds: 1) gestores que tenham fundos acima de determinado valor devem ser obrigados a se registrarem na SEC; 2) todos os fundos geridos por gestores devem ter obrigações de disclosure de contraparte e investidores, além de obrigações de envio de informações ao regulador; 3) os relatórios enviados ao regulador devem trazer informações suficientes e necessárias para demonstrar se o fundo é tão grande ou alavancado que possa trazer instabilidade ao mercado financeiro; e 4) a SEC deve compartilhar com o regulador de risco sistêmico as informações que recebe do hedge fund.

Tal discussão regulatória é de extrema importância neste momento, e a experiência e as estruturas brasileiras podem auxiliar na construção de uma legislação eficaz. O modelo brasileiro, apesar de ter algumas bases nas regras norte-americanas, tem demonstrado ser mais eficiente do ponto de vista de governança, conflito de interesses, transparência, disclosure de informações, risco de mercado e, sobretudo, por prover o regulador de informações necessárias sobre o tamanho desse segmento e seus riscos.

O modelo brasileiro tem demonstrado ser mais eficiente sob os aspectos de governança, conflitos de interesses e disclosure

No Brasil, os hedge funds são classificados como fundos de investimento multimercado. Suas atividades, oferta ao mercado e seus gestores são regulados principalmente pelas Instruções CVM 409 e 306. Tais regras estabelecem, dentre outros assuntos: 1) registro dos gestores na CVM; 2) registro dos fundos na CVM, inclusive os exclusivos; 3) divulgação diária do valor da cota e do patrimônio líquido; 4) informes mensais demonstrando os ativos do fundo; 5) proibição de aquisição de ações do próprio gestor (com exceções específicas); 6) proibição de voto do administrador e do gestor e pessoas a eles ligadas, nas assembleias de cotistas; 7) o controle de riscos do fundo deve considerar impactos e características dos derivativos e todos os outros ativos do fundo e, em alguns casos, sua contraparte.

O modelo de regulação, direto ou indireto, que o restante do mundo adotará depende claramente de seu histórico legal, seu envolvimento no mercado atual e perspectivas para o futuro. Até lá, já é possível verificarmos, no mínimo, dois ótimos resultados decorrentes de uma discussão mais ampla, profunda e global sobre o assunto. O primeiro é a mitigação da chamada “arbitragem jurisdicional/regulatória”. O segundo, o fechamento do cerco àqueles que operam estruturas complexas e apresentam potencial risco sistêmico à margem dos órgãos fiscalizadores.


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