União instável
Interesses privados opõem Nippon e Ternium, os dois acionistas controladores da Usiminas. Desde que eles se juntaram, a ação desaba na bolsa de valores

uniao-instavel1aO casamento entre os japoneses do grupo liderado pela Nippon e os argentinos da Ternium-Techint, que juntos comandam a Usiminas, estremeceu no fim de setembro. Uma investigação conduzida por Paulo Penido, presidente do conselho de administração da siderúrgica, apontou que Julián Eguren, CEO da companhia, e Paolo Bassetti e Marcelo Chara, ambos vice-presidentes, receberam remuneração irregular ao longo dos últimos dois anos. A denúncia rendeu a exoneração dos executivos durante a reunião do board realizada em 25 de setembro. O detalhe: Penido é indicado pelos japoneses, enquanto os demitidos fazem parte da cota dos argentinos. A polarização é mais do que simbólica. O episódio expôs uma relação há muito desgastada e cheia de interesses particulares.

O controle acionário da Usiminas resulta de um acordo firmado no começo de 2012 que se estenderá até 2031. Sua assinatura ocorreu logo após empresas do grupo Ternium se unirem para comprar os 25,97% das ordinárias até então pertencentes a Votorantim e Camargo Corrêa e outros 1,69% que eram da Caixa de Empregados da Usiminas (CEU) — participações que integravam o bloco de controle na época. De posse das ações, os argentinos passaram a compartilhar o comando com os japoneses, donos de 27,75% das ordinárias, e a CEU, que restou com 6,75% do capital votante. Desde então, o consenso é regra na Usiminas. O acordo exige que todas as matérias submetidas ao crivo do conselho de administração ou de uma assembleia geral sejam previamente aprovadas pelos controladores.

As minúcias que circundam a dispensa dos executivos denotam que malícia e ingenuidade não são características exclusivas de nenhum dos controladores. A acusação de remuneração irregular foi feita pela Nippon. Em silêncio, o chairman Paulo Penido conduziu uma investigação interna e confirmou as suspeitas dos japoneses: os diretores receberam benefícios que seus pacotes de remuneração, previamente aprovados pelo conselho, não lhes concediam. O chairman, então, compartilhou a informação com os colegas do board, que exigiu a devolução dos valores indevidos. O ressarcimento não foi considerado suficiente. Na visão da Nippon, a má conduta dos executivos pode “provocar danos reputacionais e, portanto, não passíveis de perdão”. Por isso, em junho, “de forma a proporcionar um exemplo interno e manter os mais altos níveis de padrão moral na companhia”, propôs a destituição imediata dos diretores.

A decisão provocou o primeiro embate. Os três conselheiros indicados pela Nippon e os três designados pela Ternium não chegaram a um consenso na reunião prévia ao encontro do conselho, como exige o acordo de acionistas. Os japoneses invocaram a Lei das S.As. e foram adiante com o plano de demissão. O artigo 118 do diploma prevê que a celebração do acordo não exime as partes de suas responsabilidades — e, assim, a Nippon interpretou que o dever fiduciário de punir a irregularidade é obrigação que não pode ser restringida pelas regras acertadas entre os sócios. A contragosto dos argentinos, foi realizada a reunião do conselho de administração do último dia 26 de setembro.

O placar não poderia ter sido mais apertado. A favor da exoneração votaram os três conselheiros indicados pelos japoneses e os dois representantes dos minoritários, preferencialistas e ordinaristas. Do outro lado ficaram os três administradores conduzidos pelos argentinos, além dos dois conselheiros eleitos pelo fundo de previdência CEU. Como o desempate é atribuição do chairman, Penido fez prevalecer a vontade da Nippon.

A Ternium reagiu. Recorreu ao Poder Judiciário mineiro, pedindo uma liminar que anulasse a reunião do dia 25. Os argentinos invocaram o mesmo artigo 118 da Lei das S.As., usado na argumentação dos japoneses, desta vez para alegar que a legislação determina que o presidente da assembleia ou do conselho de administração “não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas”. Se o fizer, na leitura de advogados, violará o combinado — o contrato entre os controladores estabelece que a deposição do diretor-presidente é uma das matérias sujeitas a reunião prévia. A Justiça, entretanto, negou o pleito da Ternium, que prometeu prosseguir com a ação em
outras instâncias.

Gota-d’água
Foi quando chegou ao tribunal que a briga ganhou vulto. Primeiro, por tornar-se pública — a Justiça de Belo Horizonte negou o pedido de sigilo do caso. Depois, porque os dois controladores não pouparam esforços para trocar acusações na imprensa. Os pormenores da polêmica em torno da remuneração começaram a parecer, ao menos financeiramente, desproporcionais a uma batalha judicial com tamanha visibilidade.

Os argentinos não negam a existência da remuneração. Alegaram que o pagamento ocorreu por engano do departamento de recursos humanos (RH) da Usiminas e que os valores impróprios foram devolvidos. Denominado Bônus Car, o privilégio concede aos executivos valores equivalentes ao de automóveis — a auditoria interna apontou que os três diretores receberam, entre janeiro de 2012 e fevereiro de 2014, R$ 925 mil. Enquanto os sócios se debatiam, as ações da Usiminas descambavam. As ordinárias caíram 9,41% do início de pendenga, em 24 de setembro, até o dia 24 de outubro; as PNAs, mais líquidas, recuaram 20%, ante baixa de 8,13% do Ibovespa. No período, a companhia perdeu R$ 47,2 milhões em valor de mercado.

uniao-instavel1bLance astuto
Até o fechamento desta edição, a dispensa dos três diretores não havia sido revertida. A conquista da Nippon, no entanto, assumiu ares de vitória de pirro após o revide arquitetado pela Ternium. No dia 2 de outubro, uma semana após a demissão, os argentinos anunciaram a compra de 10,4% das ações ordinárias detidas pelo fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a Previ. Pagaram R$ 616 milhões, o equivalente a R$ 12 por papel, um sobrepreço de 82% em relação à cotação de mercado. Com a tacada, a Ternium atingiu 37,83% das ONs da Usiminas. Essa posição, entretanto, não afeta o equilíbrio de poder dos controladores. O acordo de acionistas cogita a possibilidade de seus signatários adquirirem ações ao longo do tempo, mas não as incorpora aos termos assinados em 2012. Dessa forma, as novas ações tornam-se nulas para efeito da disputa societária. A Ternium continuará votando com 27,66% das ordinárias, conforme o percentual estabelecido no acordo. A participação excedente irá apenas contabilizar em favor da posição definida nas reuniões prévias aos encontros decisórios.

A limitação parecia não justificar a aquisição dos papéis da Previ. Oficialmente, o grupo manifestou que o negócio era apenas uma demonstração de seu compromisso com a Usiminas. No dia 28 de outubro, entretanto, a tacada ficou clara: o conselheiro Wanderley Rezende de Souza, indicado ao posto pela Previ, renunciou. A atitude seria apenas consequência da redução da parcela acionária nas mãos do fundo — que restou com 0,27% das ordinárias da companhia e 1,33% das preferenciais —, não fosse uma peculiaridade: oito dos dez membros do conselho de administração da Usiminas foram eleitos por voto múltiplo.

O benefício do voto múltiplo é assegurado pela legislação societária aos investidores que possuam, no mínimo, um décimo do capital social. Ele amplia as chances de minoritários elegerem representantes ao atribuir a cada ação o número de votos equivalente ao total de assentos a serem ocupados. A legislação, no entanto, prevê um estorvo: uma vez adotado o voto múltiplo, a renúncia de qualquer um dos eleitos por meio dele provoca a destituição de todos os demais.

A saída de Souza foi, portanto, providencial para a Ternium — ou estratégica, na visão de alguns investidores. Argentinos e japoneses terão que designar, cada um, três membros para o novo conselho (e nada impede que reconduzam os atuais administradores). O ponto crítico do processo será a escolha do presidente do órgão. Os controladores precisarão sentar para acordar quem ficará com o posto; já se sabe que, por oposição da Ternium, o nome não será Paulo Penido, o chairman de confiança dos japoneses. Os argentinos questionam, inclusive na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sua isenção. Segundo porta-vozes da Ternium,
além de ter violado a legislação ao aceitar os votos favoráveis à demissão dos diretores, Penido agiria com mais zelo pelos interesses econômicos dos japoneses do que pelos da própria Usiminas.

Cortina de fumaça
O embate deflagrado pelo erro do setor de RH é, na verdade, a ponta de um iceberg. Na base da montanha de gelo estão os interesses econômicos que levaram duas empresas de culturas tão diferentes a se unir. Os japoneses estão na Usiminas desde a sua criação, na década de 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek. Originalmente, a empresa era uma joint venture que mesclava a participação estatal ao apoio financeiro e tecnológico japonês. Em 1991, a companhia desembarcou na bolsa de valores após inaugurar o Programa Nacional de Desestatização previsto no Plano Collor. A partir daí, passou ao controle exclusivo de sócios privados.

A antiga participação na Usiminas é fonte de lucros altos para os sócios nipônicos. A companhia resulta de um conjunto de empresas que atuam na cadeia siderúrgica — da mineração à transformação do aço. Elas pagam royalties pelo uso da tecnologia oriental ou compram máquinas e equipamentos do grupo liderado pela Nippon (que inclui, por exemplo, a Mitsubishi). Os contratos são rentáveis para os japoneses, mas vinham encolhendo desde o ingresso da Ternium. Em março de 2014, somavam R$ 419 milhões, ante R$ 1,3 bilhão no mesmo mês de 2012 e R$ 38 bilhões em 2011.

uniao-instavel2A Ternium, por sua vez, investiu cerca de R$ 5 bilhões para entrar no bloco de controle da Usiminas em 2012 (sem contar os mais de R$ 600 milhões desembolsados este ano, pelas ações da Previ), com a intenção de fazer a companhia ganhar eficiência operacional. O que se viu na última linha do balanço foi o oposto. Depois de uma década de lucros líquidos consecutivos, a Usiminas passou a registrar prejuízo: em 2012, perdeu R$ 639,5 milhões; no ano passado, R$ 141 milhões. Para os acionistas, foram dois anos sem dividendos e com forte queda do valor do papel. Ao ingressar na companhia, em 2011, a Ternium pagou R$ 36 por cada ação do bloco de controle (as ações ordinárias negociavam na casa dos R$ 20 na bolsa de valores). Hoje, o preço de R$ 6,83 representa uma perda acumulada de 81%.

Assim, quando vistos de perto, os interesses econômicos abalados de ambas as partes se mostram um motivo mais plausível para a queda de braços do que as divergências em torno do bônus irregular. A troca de farpas agora pública, no entanto, já vinha acontecendo nos bastidores, sob as mais variadas alegações. Em abril, a Nippon havia sugerido uma espécie de revezamento da diretoria: a cada dois anos, ela e a Ternium se alternariam na indicação dos principais diretores. Para a companhia, os argentinos teriam feito da Usiminas uma espécie de cabide de empregos, ao alocar um número excessivo de indicados seus na siderúrgica, cada vez mais bem remunerados. De acordo com o último Anuário de Governança Corporativa das Companhias Abertas, publicado pela capital aberto este ano, a remuneração global dos administradores subiu 87% de 2012 para 2013, passando de R$ 16,5 milhões para R$ 30,9 milhões.

Caldeirão de insatisfações
Conforme os controladores digladiam-se entre si, o principal minoritário da Usiminas também coloca suas reivindicações em jogo. Marcelo Gasparino, conselheiro indicado pelo fundo Geração LPar, do investidor Lírio Parisotto, dispõe de 5,33% das preferenciais e carrega uma lista de melhorias a serem feitas no próximo biênio. Para aumentar a vigília, o executivo reivindicará alteração no regimento do conselho de administração, documento interno que regula o funcionamento do board. O normativo atual exige que ao menos três conselheiros apoiem a inclusão de um tema na pauta de reunião, mas o problema é que apenas os dois controladores possuem tal quórum. Os outros pedidos são a migração para o Nível 2 da BM&FBovespa e a instalação de conselhos de administração com representantes dos minoritários nas principais subsidiárias, além da reforma do acordo de acionistas, para que os não controladores tenham mais direitos.

Enquanto isso, a Usiminas segue com o comando rachado e inerte. O acordo requer o consenso para todas as decisões relevantes — sem ele, o bloco não vota. Em 29 de outubro, dia seguinte ao encontro em que o conselheiro da Previ renunciou, o board se reuniu novamente, mas não chegou a nenhuma decisão. Em comum entre os envolvidos, inclusive os minoritários, prevalece o interesse de que o duelo se encerre o quanto antes. Até agora, ninguém ganhou nada com ele.

Ilustrações: Beto Nejme/Grau180.com


Confira a errata publicada na edição 136.


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