Private equity busca novas práticas após Greenfield
Investigação da PF e normas da CVM incentivam correção no uso dos FIPs
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Ilustração: Rodrigo Auada

Se é verdade que há um lado positivo em toda situação ruim, a parte construtiva da recente turbulência vivida pela indústria brasileira de private equity é a depuração do conceito de suas atividades. A mudança poderá contribuir para o início de um novo ciclo de forma mais clara, com a correção de práticas que destoam dos padrões internacionais — como a participação de cotistas em comitês dos fundos de investimento em participações (FIPs) e a utilização desses veículos exclusivamente para se economizar no pagamento de impostos.

A expectativa é que essa “limpeza” — que separa os típicos investimentos em capital de risco daqueles que apenas se utilizaram da estrutura dos FIPs para planejamento tributário ou mesmo para fins escusos — paulatinamente volte a atrair os investidores institucionais, afastados desde o início da operação Greenfield. Deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 2016, ela investigou os investimentos de fundações de estatais (Postalis, Petros, Funcef e Previ) nesses fundos.

Presidente da Stratus, Álvaro Gonçalves considera que os gestores precisam esclarecer para o mercado a diferença entre o private equity verdadeiro e os investimentos que foram alvo da operação da PF. “É injusto classificar os FIPs envolvidos na Greenfield como private equity”, afirma. Depois de ter estudado o assunto, ele diz que nenhum dos FIPs envolvidos nas investigações era um condomínio de investidores que aplicavam num portfólio de empresas selecionadas por um gestor — definição clássica do FIP. A Polícia Federal concentrou-se em carteiras de empresas únicas, concebidas pelo investidor em parceria com algum banco (que não era gestor). Em alguns casos, salienta Gonçalves, o gestor foi contratado somente depois de o veículo já estar montado.

Também macula os FIPs o seu uso para economia em pagamento de tributos. Dos 1,6 mil FIPs (ativos e inativos) que obtiveram registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos últimos 20 anos, apenas metade é formada por fundos típicos de private equity, de acordo com a autarquia. A outra parte foi usada para planejamentos tributário e sucessório. Por causa da utilização do FIP para fins diversos do private equity, a Receita Federal vem buscando responsabilizar administradores e gestores desses veículos, comenta Luciana Engelberg, sócia do Machado Meyer Advogados.

Espera-se que as instruções 578/16 e 579/16 da CVM possam ajudar a clarear os conceitos. Enquanto a primeira classifica os FIPs por tipos que levam em consideração o estágio de desenvolvimento das empresas da carteira (como capital-semente e empresas emergentes, por exemplo), a segunda versa sobre aspectos contábeis e prevê dois tipos de FIPs: as entidades de investimento e as não entidades de investimento. “A conceituação não é 100% precisa, mas essa separação vai ajudar muito o mercado a compreender melhor a distinção dos FIPs”, observa Francisco Sanchez Neto, vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCap).

De acordo com a norma, as entidades de investimento são aquelas que visam ganhar com a compra e a venda de participações de empresas investidas. São os fundos de private equity e venture capital típicos, que captam recursos de vários investidores e contam com um gestor para tomar as decisões. Esses veículos devem avaliar as carteiras pelo valor justo. Já as entidades de não investimento correspondem aos demais fundos, cujos objetivos podem ser, por exemplo, o planejamento sucessório e tributário. Esses fundos devem avaliar as carteiras pelo método de equivalência patrimonial.

Por ora, os efeitos da Instrução 579 restringem-se aos critérios contábeis que os diferentes tipos de fundos devem adotar, mas acredita-se que a classificação poderá ser usada pelo governo como critério de tributação dos FIPs. Essa possibilidade está relacionada a um episódio ocorrido em outubro do ano passado: foi quando o governo baixou a Medida Provisória 806/17, que buscava equiparar a tributação dos FIPs que não são de private equity à de empresas. A MP também igualava a tributação dos fundos exclusivos à dos fundos comuns, sujeitando-os ao come-cotas, imposto semestral que incide sobre os rendimentos — ou seja, aumentaria a tributação para os cotistas. A medida, entretanto, não foi votada pelo Congresso, por causa de divergências entre o governo, que defendia a tributação do estoque de fundos, e parlamentares contrários à ideia. Por falta de acordo, a MP perdeu a validade.

Comitês de investimento

A Instrução 579 diz que a deliberação pelos cotistas de propostas encaminhadas pelo gestor, por meio de comitê de investimento, não descaracteriza o FIP como entidade de investimento. A tendência, entretanto, é que o fundo não seja considerado como tal pelo mercado quando adotar essa estrutura. “O modelo de comitê de investimento fracassou, na visão dos próprios grandes fundos de pensão [no Brasil, a maioria deles fazia questão de participar do órgão para monitorar as decisões de investimento]”, destaca Sanchez Neto. De acordo com ele, quando os investimentos em private equity se aquecerem novamente, os FIPs sem comitês de cotistas devem predominar, eliminando essa “jabuticaba”.

Gonçalves vai na mesma direção e afirma que o modelo de “limited partnership” será mais usado à medida que a indústria brasileira se desenvolver. Essa é a estrutura preferida por grandes fundações no exterior. Como elas não têm condições de acompanhar de perto o desempenho dos seus vários investimentos, optam por não intervir nas decisões do fundo e buscam apenas os rendimentos, protegendo-se da possibilidade de serem responsabilizadas por atos do gestor. Os chamados “general partners”, por sua vez, têm ingerência sobre a gestão dos recursos.

Engelberg, do Machado Meyer, cita ainda outro fator que pode contribuir para as fundações desistirem de participar dos comitês: a Instrução 558/15 da CVM, que trata da administração de carteiras, determina que membros do comitê com ingerência sobre a gestão estejam sujeitos aos mesmos deveres e restrições dos administradores de carteira. Portanto, quando o cotista participa das decisões, pode estar assumindo um grau de responsabilidade além do necessário.

Segundo Leonardo Ribeiro, CEO da Private Equity Bay, a qualidade das informações oferecidas pelos fundos sobre os seus investimentos já deveria ser suficiente para compensar a menor sensação de segurança que as fundações teriam ao sair dos comitês de cotistas. “Essa é uma vantagem da indústria brasileira. Os fundos de pensão têm como fazer trabalhos de diligência, pois as normas da CVM já exigem que diversas informações estejam disponíveis”, sublinha.

Além dos comitês de investimento, outra particularidade do private equity local é a forma de remuneração dos gestores — ela é proveniente principalmente da taxa de administração, e não de performance, como nos fundos estrangeiros, o que pode gerar incentivos inadequados. Mas isso também está mudando. “Hoje, quem ficar no management fee não levanta o próximo fundo. É simples assim”, afirma Gonçalves, da Stratus.

Mas para que fundos sem “jabuticabas” possam surgir, as captações de recursos para private equity precisam avançar — elas têm se mostrado difíceis até para os gestores mais consagrados, diz Marco André Almeida, sócio da KPMG. Os riscos fiscais e as investigações estão inibindo a indústria. Para os investimentos serem destravados, é necessário que os juros se mantenham baixos e as regras, estáveis, considera. Isso permitiria a ampliação do número de 1,5 mil empresas que receberam recursos para cerca de 20 mil — potencial que Almeida enxerga para o setor. A conferir.

 


 

 

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