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Para não morrer na praia
Neste Círculo de Debates, cinco especialistas discutiram como fomentar o investimento privado no setor e propuseram soluções para as dificuldades regulatórias

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No fim de setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) liberou os leilões das primeiras concessões de terminais portuários. A Secretaria Especial de Portos (SEP) deverá lançar em breve editais para oito terminais — cinco nos portos públicos do Estado do Pará e três no Porto de Santos, o maior da América Latina. As empresas vencedoras do certame deverão desembolsar R$ 2,1 bilhões para explorar as áreas durante 25 anos. Ao longo dos próximos meses, outros editais podem ser publicados. Neste Círculo de Debates, o segundo de uma série de quatro encontros sobre infraestrutura, cinco especialistas (veja fotos) discutiram como fomentar o investimento privado no setor e propuseram soluções para as dificuldades regulatórias. A segunda fase do Programa de Investimentos em Logística (PIL), promovido pelo governo federal, prevê o direcionamento de R$ 37,4 bilhões à área portuária até 2018. Confira a seguir os melhores trechos da conversa.

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CAPITAL ABERTO: O setor portuário pode ser o primeiro a ter empreendimentos licitados no programa de concessões de transportes do governo. Como está esse processo?

Fernando Fonseca: A perspectiva é de lançamento dos editais desses projetos em breve. Eles envolvem R$ 2,1 bilhões em investimentos em áreas no Porto de Santos e no Pará. Acredito que as licitações possam ocorrer ainda neste ano. Cabe destacar que, em junho, o governo alterou os critérios da licitação e, em vez de declarar vencedor quem movimentasse mais carga pela menor tarifa, entendeu que a escolha deve ser orientada pelo valor de outorga, um procedimento usual e plenamente utilizado no mercado.

CAPITAL ABERTO: Recentemente, a S&P rebaixou a nota de crédito do Brasil. Isso aumenta a pressão por retorno e por projetos de melhor qualidade?

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Bruno Serapião: O Brasil vai sofrer no curto ou médio prazos com o rebaixamento, pelo fato de alguns fundos não poderem mais investir no País. Mas há outras formas de os projetos de infraestrutura se financiarem. O novo PIL exige uma oferta de debênture de infraestrutura para que o empreendedor tenha mais acesso a financiamento do BNDES atrelado à TJLP. Mas para que essas captações ocorram, será preciso desenvolver o mercado secundário, algo muito difícil nas condições atuais. O Brasil investe hoje mais ou menos 2% do PIB em infraestrutura. Para poder pagar apenas a depreciação desses ativos deveria investir 2,1%. E como podemos mudar isso? Primeiro, com planejamento de longo prazo. Segundo, deixando o mercado fixar o retorno por meio de concorrência. Mas para que essa competição ocorra, é preciso que as agências regulatórias sejam fortes. A Antaq precisa ganhar peso para estabelecer as políticas claramente e dizer: “é assim que se compete”.

2Rosane Lohbauer: O novo marco regulatório [estabelecido pela Lei 12.815] criou um movimento no setor privado. Há muita procura pelos Terminais de Uso Privativo (TUPs). Acho que a Antaq é uma agência nova, que está se capacitando. Considero que ela é ágil nas decisões, mas concordo que falta uma atuação mais forte, principalmente na hora de estabelecer os critérios de competição entre, por exemplo, um terminal de uso privativo que vai fazer investimentos altíssimos e um porto público que já tem todo o aparato.

Wilen Manteli: Os grandes gestores dizem que um terço do ganho das empresas vem de uma sólida estrutura do setor em que atuam. No portuário, falta, por exemplo, estabelecer boas práticas de governança. Um exemplo está nas Companhias Docas, que são a principal autoridade de um porto público. Temos que privatizá-las. Não há outra saída. Em qualquer Docas há funcionários desocupados, mas essas pessoas estão lá encarecendo a operação portuária. Outro problema é que as Docas não assumem as suas rotinas. E por quê? Porque está tudo centralizado em Brasília. Deveria ser assim: a Secretaria Especial de Portos faz as políticas públicas e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários implementa, regulariza e fiscaliza. Mas nós temos a Casa Civil e o TCU interferindo em tudo, com a permissão da SEP e da própria Antaq. O TCU está invadindo a competência da Antaq, dizendo, por exemplo, como se faz um contrato de arrendamento, estabelecendo restrições. É aquela velha história: quando você não exerce o poder, alguém ocupa o espaço.

3Fernando Fonseca: Eu discordo da avaliação de que a Antaq tenha uma atuação tímida. Nós acompanhamos, monitoramos e punimos várias das Companhias Docas. O novo marco regulatório nos deu a prerrogativa de, inclusive, fiscalizar se os operadores dos portos estão prestando serviços adequadamente. Antes, essa competência era exclusiva das autoridades portuárias. Vale ressaltar que os problemas no setor portuário são históricos. As Companhias Docas têm problemas seríssimos de passivos financeiros bilionários, que as impedem de investir em melhorias. Há questões graves também em relação aos quadros de funcionários. Não houve renovação e, na maioria dos casos, servidores já aposentados continuam operando no setor. Por causa desses fatores, o investidor eventualmente não sente segurança para investir no porto público. Além disso, existem algumas dificuldades que extrapolam o nosso raio de ação, como a interferência do TCU, que, segundo sua lei orgânica, pode tudo. Infelizmente, esse é o modelo. Em relação ao retorno dos projetos, nós estamos trabalhando para estabelecer taxas condizentes com as peculiaridades dos terminais. O Ministério da Fazenda autorizou a aplicação de uma taxa de retorno de 10%, mas entendemos que, dependendo do tipo de terminal, é importante estabelecer percentuais distintos. Existem empreendimentos com risco maior do que outros.

CAPITAL ABERTO: Além da questão regulatória, quais outros problemas afetam o setor portuário?

4Guilherme Raposo: Há um problema de logística. Você sabe o que não tem nem no porto de Santos e nem no de Paranaguá? Espaço para descarregar um vagão e um caminhão. A coisa é tão complexa que, no Porto de Santos, há bolsões de acumulação de caminhões, porque não se pode ir para o terminal direto.

Rosane Lohbauer: Exato. O porto funciona, mas e o resto? Precisa haver uma articulação entre rodovias, ferrovias, hidrovias, aeroportos. O problema é que a gente não vê obras do tipo sendo executadas. O PIL está sendo anunciado, mas onde estão os projetos?

Guilherme Raposo: Há uma outra questão. Do interior de São Paulo, a uma distância de 600 a 700 quilômetros do Porto de Santos, você sabe quanto um caminhão paga de pedágio para descer, descarregar e voltar para carregar novamente? R$ 1 mil. Sabe qual o valor do frete médio que está sendo pago no Estado de São Paulo nessa safra de açúcar? Entre R$ 4,5 mil e R$ 5 mil. Ou seja, 20% do que a transportadora ganha é direcionado ao pagamento de pedágio.

5Wilen Manteli: E quais as causas desses problemas? Uma delas é centralização. A atividade portuária deveria ser atividade de Estado e não de governo. Cada estado deveria ser responsável pelo seu sistema portuário. No Brasil, ainda estamos discutindo o socialismo, o capitalismo, o comunismo, qual é a ideologia, se estatiza, se privatiza…O governo central trata os estados como uma tropa de cidadãos hipossuficientes que não sabem administrar. Aí o governo quer administrar os portos dos gabinetes de Brasília.

Guilherme Raposo: Existe uma vontade grande do Estado de participar da economia. Há uma presença visceral. Ele se insere nos negócios da iniciativa privada, em vez de cuidar bem do que é seu. Se o Estado concentrasse seus esforços na tarefa de tornar os portos públicos mais eficientes, eles poderiam competir melhor com os terminais privados. Mas o governo não faz isso. Aí, as coisas não funcionam nem pela via privada nem pela pública.

Rosane Lohbauer: Acho que esse assunto ganha importância com a Lei 12.815. A partir do momento em que ela permite que terminais privados e públicos atuem lado a lado em áreas próximas, há uma mudança de foco, porque os agentes privados irão buscar eficiência e retorno. Acho que o objetivo da lei — apesar de não saber se vamos conseguir chegar lá — é forçar o porto público a ser mais eficiente. Ele não vai ter opção.

Bruno Serapião: Também precisamos discutir os acessos aos portos. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil é o número 122 do mundo no setor portuário e rodoviário. Está junto com Angola e Cazaquistão.

CAPITAL ABERTO: Bruno, a Hidrovias do Brasil recentemente captou US$ 300 milhões no mercado de capitais, com o ingresso de novos acionistas, como Blackstone Tactival Opporunities, BNDES, IFC e um fundo do P2 Brasil (Pátria e Promon). Como foi o processo?

Bruno Serapião: Nós estamos investindo R$ 1 bilhão em um projeto hidroviário de escoamento da produção agrícola do Centro-Oeste pelos portos do Norte. Fizemos um project finance puro. Sem garantias corporativas. Projetos bons conseguem isso. Usamos a mesma estrutura para financiar um projeto, no Paraguai, em parceria com a Vale. Dá trabalho montar essa estrutura, mas todo projeto de infraestrutura fora do Brasil adota um modelo de project finance.

Rosane Lohbauer: Mas em projetos greenfields essa estrutura é mais difícil, porque há mais riscos envolvidos. Existe, por exemplo, o risco ambiental. Primeiro, é preciso superar esse risco, para depois o projeto entrar em operação e gerar o fluxo de caixa previsto. Se isso não ocorrer, haverá um problema na garantia.

Bruno Serapião: Nesse ponto da garantia, acho importante ressaltar que o empreendedor não pode querer que o banco assuma o risco da estruturação do projeto junto com ele. Foi ele quem estruturou. Então, do total que planeja investir, precisa estar ciente de que vai ter que gastar de 10% a 15% na estruturação, mais 15% para bancar o que for preciso antes de o projeto entrar em operação e, depois disso, o banco financia os cerca de 70% restantes. Nessa fase, o risco ambiental está mitigado, porque o empreendedor já obteve as licenças. As leis ambientais do Brasil são duras, mas claras. Se fizer o processo direito, funciona.

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180, baseado no poster “L’Atlantique” de Cassandre.


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