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Os negócios bilionários da maconha
Primeiro IPO de produtora de Cannabis nos EUA chama a atenção para esse controverso mercado
Ilustração com estampas psicodélicas em referência a empresas de maconha

Ilustração: Rodrigo Auada

No último dia 19 de julho, o edifício de número 4 da icônica Times Square, no coração de Nova York, foi cenário para um momento histórico. E ele nada teve a ver com algum revolucionário musical da Broadway, como se poderia imaginar: estreou, na verdade, a empresa canadense Tilray, produtora e distribuidora de Cannabis — na linguagem popular, simplesmente maconha. A companhia fez na Nasdaq, sediada naquele endereço, o primeiro IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) dessa inusitada indústria no mercado de capitais americano. Antes vista com receio e desconfiança, por ainda ser ilegal na maioria dos países, a maconha conquistou os cientistas e agora ganha cada vez mais atenção de analistas e investidores, que começam a enxergar nos derivados dessa controversa planta uma boa oportunidade para ganhar dinheiro.

O caso da Tilray é ilustrativo. A empresa, que desde 2014 produz e comercializa medicamentos feitos à base de Cannabis, levantou 153 milhões de dólares em sua oferta inicial e viu, no dia da abertura, suas ações valorizarem perto de 30%. No dia 12 de setembro, o papel valia 104,95 dólares, quatro vezes mais do que no IPO. A alta é um claro sinal do potencial de crescimento que os investidores enxergam nesse mercado, que já movimenta, global e legalmente, cerca de 20 bilhões de dólares, segundo a consultoria Euromonitor International. Considerando também as vendas ilegais, o valor estimado sobe para 150 bilhões de dólares. “Os benefícios da Cannabis, como um substituto do álcool ou como medicamento, são grandes demais para serem ignorados”, ressaltou, em entrevista à CAPITAL ABERTO, Sean Stiefel, fundador da gestora de recursos americana Navy Capital. “A tendência é que essa indústria se desenvolva globalmente.”

Canadá na dianteira

Por ora, os investimentos no setor estão restritos a algumas poucas regiões. O principal mercado é, de longe, o Canadá, cujas bolsas de valores já têm muitas empresas desse segmento listadas. E não por acaso: lá a indústria da Cannabis encontrou um terreno fértil, em termos regulatórios e legais, para crescer. O país foi um dos primeiros a permitir o uso medicinal da planta, em 2001, e criou, 12 anos depois, um sistema de produção de maconha medicinal em larga escala, com plantios licenciados e fiscalizados pelo governo. Agora, o país se prepara para autorizar o uso recreativo da Cannabis. “O Canadá tem o mercado de maconha mais bem desenvolvido do mundo, com sistemas regulatórios em vigor, financiamento amadurecido e um ambiente corporativo sofisticado”, observa Shane MacGuill, analista da Euromonitor International.

Um dos motivos que permitiram o amplo acesso de empresas de maconha ao mercado de ações canadense e, consequentemente, o desenvolvimento mais rápido do setor no país, é o perfil de uma de suas bolsas de valores: a TSX Venture Exchange, voltada especificamente para pequenas empresas e a projetos de risco. Com a expansão do mercado de maconha medicinal no Canadá após a regulação do cultivo, em 2013, muitas companhias do setor buscaram se capitalizar por meio de IPOs e encontraram na TSX o ambiente propício para isso. Hoje, o Canadá contabiliza cerca de 50 companhias abertas do segmento — algumas já valendo bilhões de dólares. A Canopy Growth Corporation, por exemplo, listada na bolsa de Toronto (TSX) e na bolsa de Nova York (Nyse), sob o sugestivo ticker “WEED”, é avaliada em aproximadamente 11,5 bilhões de dólares. Entre os seus acionistas, está a Constellation Brands. O grupo, que fabrica a cerveja Corona, é dono de 38% da empresa. Já a Cronos Group, negociada na TSX e na Nasdaq, exibe valor de mercado de 1,9 bilhão de dólares. Vale ressaltar que essas duas companhias estão listadas nos EUA, mas não fizeram IPOs no mercado americano — por consequência, a Tilray foi de fato a primeira empresa do setor a lançar uma oferta no país.

“Há um enorme interesse reprimido por produtos a base de maconha, que deve se manifestar cada vez mais nos Estados Unidos e na Europa”, considera MacGuill, da Euromonitor.  Atualmente, várias empresas de capital aberto sediadas nos EUA trabalham com Cannabis, mas indiretamente. A maioria delas fornece serviços para a indústria que produz os derivados da planta — entre elas há uma fabricante de equipamentos para o cultivo e uma gestora de recursos responsável por um fundo imobiliário que aluga terrenos para a plantação.

É a falta de uma lei federal que inibe o crescimento desse mercado nos Estados Unidos. O uso medicinal é permitido em 30 dos 50 estados americanos e em nove deles é autorizado o consumo recreativo, mas em âmbito federal a Cannabis ainda é ilegal, o que gera uma insegurança jurídica nada desprezível para as companhias interessadas em se aventurar nesse negócio. Essa insegurança, aliás, ficou evidente no começo deste ano. Em janeiro, o governo do presidente Donald Trump reverteu uma diretriz de seu antecessor, Barack Obama, e autorizou procuradores federais a abrir investigações relacionadas ao uso de maconha mesmo em estados onde ela foi legalizada.

Interessante notar que o imbróglio regulatório não acanha os investidores. Criada em maio de 2017 por Sean Stiefel, a asset americana Navy Capital gere um fundo voltado exclusivamente ao mercado de Cannabis: o Navy Capital Green Fund. O veículo começou a operar com 10 milhões de dólares e hoje tem patrimônio de 100 milhões de dólares. Em 2017, o fundo gerou um retorno líquido de cerca de 100%. “Investimos em algo como 30 empresas do setor espalhadas pelo mundo, que operam em vários segmentos, do plantio à distribuição”, diz Stiefel. Entre as companhias — de capital aberto e fechado — que integram o portfólio, estão as canadenses Canopy e Cronos Group.

De acordo com Stiefel, ex-analista de investimentos do Barclays e da AIG, o mercado de Cannabis deve crescer anualmente em média 30% nos próximos três anos. O objetivo do Navy Capital Green Fund é gerar retorno acima desse patamar. Para alcançar a ambiciosa meta, Stiefel busca oportunidades em diversos países e em ativos mal avaliados. “Temos investimentos em Israel, na Austrália e na África e queremos ampliar os aportes na Europa e na América Latina”, destaca. Especificamente sobre o Brasil, ele afirma enxergar um grande potencial para o consumo de produtos à base de Cannabis, dado o tamanho da população.

Muitos passos atrás

Ocorre que o Brasil está muito atrás quando se trata de Cannabis dentro da lei. O ambiente legal e regulatório é pouco favorável ao desenvolvimento do setor. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a importação e o consumo de alguns medicamentos à base da planta — desde que o respectivo registro seja aprovado —, mas a produção para fins medicinais ainda não foi regulamentada. No comando da agência, Jarbas Barbosa havia prometido, em junho passado, encaminhar esse assunto para discussão, mas deixou o cargo no mês seguinte, sem cumprir a promessa.

Mesmo assim, algumas iniciativas começam a ganhar corpo no Brasil. Um bom exemplo é a Entourage Phytolab. Fundada em 2015 pelo advogado Caio Santos Abreu, é a primeira empresa brasileira dedicada ao estudo e à produção de remédios à base de maconha. Atualmente, a companhia está em processo de pesquisa e desenvolvimento de produtos, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A previsão é de que o primeiro medicamento, para tratamento da epilepsia, seja lançado até o fim de 2020. Para o processo de pesquisa clínica, a empresa importa matéria-prima da holandesa Bedrocan.

De acordo com Abreu, uma eventual liberação da produção de maconha para fins medicinais no País contribuiria para que remédios feitos a partir da planta pudessem ser adquiridos com preço mais acessível. Para se ter uma ideia, o Mevatyl, medicamento à base de Cannabis fabricado pela britânica GW Pharmaceuticals e distribuído no Brasil pela Ipsen, custa, em média, 2,5 mil reais a caixa. Apesar do alto custo, o remédio indicado para o tratamento de esclerose múltipla é usado por cerca de 4 mil pacientes brasileiros. “Com produção e distribuição locais, esse número poderia aumentar expressivamente. No Canadá, os usuários de medicamentos à base de Cannabis são 250 mil, para um país com uma população de 30 milhões de pessoas. No Brasil, temos potencial para chegar facilmente a um milhão de pacientes”, projeta o empreendedor.

Em sua empreitada, a Entourage contou com aliados de peso. Em 2016, a Canopy Growth investiu cerca de 750 mil dólares no negócio. A empresa fez ainda mais duas rodadas de captação de recursos: uma em 2016, que rendeu 2 milhões de dólares, e outra em dezembro de 2017, que angariou 1,5 milhão de dólares. “Nessas duas rodadas, uma boa parte dos investimentos veio de brasileiros, principalmente de family offices”, afirma Abreu, que antes de criar a Entourage estava à frente de um escritório de advocacia especializado em mercado de capitais.

A americana Knox Medical, por sua vez, abriu em fevereiro uma filial no Brasil e planeja investir 20 milhões de dólares em uma fábrica no Estado de São Paulo — em um primeiro momento, cumprindo a regra nacional, vai importar matéria-prima. Já a Canopy Growth anunciou recentemente a criação de uma subsidiária para a América Latina e informou que avançará também no Brasil, concentrada inicialmente em pesquisa médica.

Diante do potencial e da possibilidade de avanço na legislação, alguns analistas de investimentos brasileiros acompanham o tema, ainda que de forma preliminar. A polêmica Empiricus tem divulgado, com frequência, relatórios destacando o potencial de ganhos com a Cannabis. Outros analistas observam o assunto de forma mais conservadora. “Acho que existe de fato um número grande de potenciais consumidores, principalmente para o uso medicinal”, afirma Shin Lai, da Upside Investor. “Mas há também certa euforia em torno do assunto, até por ser um mercado novo”, pondera.

Analista da corretora Mirae Asset Management, Pedro Galdi acredita que “ainda vai demorar bastante” para alguma empresa do setor surgir na bolsa brasileira. Lá fora, quem investiu nesse segmento não se arrependeu. O Marijuana Index, que acompanha a evolução de 36 empresas listadas no Canadá e nos Estados Unidos, subiu 366% de janeiro de 2016 até meados deste ano, ante uma alta de 55% do Dow Jones. Não à toa, nas redes sociais, comenta-se sobre uma possível “pot-com bubble”, um trocadilho com a dot-com bubble (bolha das empresas de internet). O tempo dirá se os ganhos com a erva são sustentáveis ou se logo vão virar fumaça.

 


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