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Instrução certa
Autorizadas há pouco mais de um ano, emissões com esforços restritos assumem protagonismo na crise
Ilustração: Beto Nejme/ Grau 180

Ilustração: Beto Nejme/ Grau 180

Com ações negociadas na BM&FBovespa desde 2006, a Valid tornou-se a primeira companhia aberta a fazer uma oferta pública de ações pela Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O caminho para emitir ações com esforços restritos de venda estava aberto desde setembro de 2014, mas foi somente um ano depois que a provedora de soluções para meios de pagamentos decidiu trilhá-lo. Captou R$ 396 milhões com o follow-on, cujo objetivo era financiar a aquisição da Fundamentare, fabricante dinamarquesa de chips para celulares com atuação na África, na Ásia e no Oriente Médio — mercados até então inexplorados pela empresa. Depois de Valid, General Shopping e Metalúrgica Gerdau fizeram emissões nos mesmos moldes. A Encalso Participações também usou a Instrução 476 no ano passado, mas para uma oferta pública inicial de ações (IPO), que levantou R$ 270 milhões.

Antes dessas empresas, a Restoque (do varejo de moda) havia tentado emitir ações com esforços restritos, mas acabou jogando a toalha por causa da conjuntura econômica desfavorável. O cenário, contudo, não era pior do que quando a Valid anunciou o follow-on. O comunicado sobre a operação ocorreu um dia antes de o Brasil perder o grau de investimento da agência Standard & Poor’s (S&P). As condições de mercado assustavam, mas a empresa seguiu adiante e fez uma oferta bem-sucedida. Sua persistência é uma inspiração para companhias que pensam em lançar ações por meio da Instrução 476 num ano em que os ambientes macroeconômico e político não devem ser menos intimidadores.

A expectativa é de que em 2016 as ofertas de ações com esforços restritos de venda assumam o protagonismo das emissões em meio ao clima pouco propício à realização de ofertas tradicionais, mais demoradas e pulverizadas. Na verdade, elas já tiveram papel de destaque no ano passado. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), seis ofertas de ações ocorreram até novembro de 2015 — ao todo, elas levantaram R$ 18,3 bilhões. Desse total de emissões, duas utilizaram a Instrução 400: Telefonica, que arrecadou R$ 16,1 bilhões, e Par Corretora, R$ 602 milhões. As outras quatro (Valid, General Shopping, Metalúrgica Gerdau e Encalso) ocorreram por meio da Instrução 476.

Segundo Eliana Chimenti, sócia da área de mercado de capitais do Machado Meyer, o escritório assessora atualmente três emissões de ações com esforços restritos — um IPO e dois follow-ons. O objetivo dessas empresas, pertencentes aos setores de alimentos e de energia, é captar recursos na bolsa ainda no primeiro semestre. “Avançamos muito no que seria o molde de uma oferta 476 com base nas operações ocorridas no ano passado. Isso abre caminho para novas ofertas em 2016”, avalia a advogada. Henrique Filizolla, sócio da área de mercado de capitais do escritório Stocche Forbes, concorda. “Todos estão aprendendo com as primeiras ofertas. Ainda há muitas questões procedimentais que não constam na norma e que precisam ser assimiladas”, observa.

Em fato relevante divulgado ao mercado no início do mês de novembro, a BR Pharma sinalizou que pode fazer um follow-on com esforços restritos para captar entre R$ 400 milhões e R$ 600 milhões. A empresa tem como principal acionista o BTG Pactual, que possui 37,8% de participação na varejista por meio de fundos de investimento. Considerado um importante player na estruturação de ofertas, o banco vive momentos conturbados com a prisão de seu fundador, o banqueiro André Esteves — o que, na visão de alguns agentes do mercado, pode atrapalhar o andamento de novas emissões. Mas esse está longe de ser o único fator de instabilidade no momento. A possibilidade de a presidente Dilma Rousseff sofrer impeachment adiciona grande dose de incerteza à já cambaleante conjuntura política e econômica. “A ordem foi suspender temporariamente operações em andamento”, diz uma fonte envolvida na estruturação de outras três emissões previstas para este ano, destacando que elas só devem ser retomadas quando houver um desfecho no processo de impeachment. “No entendimento do mercado, a precificação das ofertas pode subir caso haja uma mudança de governo”, diz a fonte.

Para as companhias que quiserem correr o risco e lançar ações, a Instrução 476 revela-se o instrumento mais prudente. Ao prever a dispensa de registro da oferta na CVM, a norma encurta a operação em pelo menos 20 dias e permite melhor aproveitamento das chamadas janelas de mercado. Também pode ser útil para atender a necessidades específicas, como foi o caso da Valid. A companhia precisava de US$ 90 milhões para adquirir a Fundamentare, mas tinha urgência em obter o dinheiro, já que as tratativas com a dinamarquesa estavam na etapa final. A opção de emitir títulos de dívida foi descartada, pois a Valid não queria alterar seus níveis de alavancagem. Preferiu, então, lançar ações, e a Instrução 476, ao oferecer mais agilidade que a Instrução 400 na captação dos recursos, mostrou-se adequada. A operação começou no dia 8 de setembro de 2015 e, apenas duas semanas depois, o aumento de capital havia sido concluído. Em 23 de setembro, nove milhões de novos papéis da Valid já estavam sendo negociados em bolsa. Na data, o valor de mercado da empresa aumentou 6,12%.

Ponto falho?

Sorte da Valid que a cotação do papel subiu. Uma particularidade da Instrução 476 para ações é não admitir lotes suplementares de ações (greenshoe) para uso no serviço de estabilização, cujo objetivo é garantir o equilíbrio do preço da ação nos primeiros 30 dias após a oferta. Diante da impossibilidade de oferecer esse conforto tanto aos compradores das novas ações quanto aos acionistas preexistentes, a Valid agiu preventivamente. Em parceria com os coordenadores da oferta, iniciou uma pregação para tranquilizar os investidores e explicar os motivos do aumento de capital. De acordo com Rita Carvalho, superintendente financeira e de relações com investidores da Valid, a ideia era deixar bem clara a proposta do follow-on: viabilizar uma aquisição que permitiria à companhia explorar novos mercados e catapultar sua representatividade. A compra levaria a Valid da 13ª para a 5ª posição no ranking de fabricantes de SIM cards do mundo.

A tática deu certo. “Como o preço do papel subiu, a ausência da estabilização não foi um problema. Mas não parece prudente eliminar esse serviço, que permite a correção de distorções”, avalia Leandro Telles, advogado da área de mercado de capitais do Itaú BBA, banco coordenador líder da oferta da Valid. Kristian Carneiro Orberg, advogado do BTG Pactual, segue na mesma linha. “Nas ofertas via Instrução 400, existem parâmetros que determinam situações nas quais o agente estabilizador pode ser utilizado. Por que não utilizá-los também para a 476?”, indaga.

À espera do regulador

A BM&FBovespa engrossa o questionamento feito pelos bancos e entende que o serviço de estabilização “faz falta”. “Estamos falando de uma operação que pode ter um potencial grande de dispersão”, diz Cristiana Pereira, diretora de relacionamento com empresas e institucionais da BM&FBovespa. Na oferta da Valid, 318 investidores adquiriram os papéis — nessa conta estão incluídos os estrangeiros, que ficam fora do limite de até 50 compradores habilitados a adquirir as ações de uma oferta com esforços restritos, segundo a Instrução 476.

Por isso, a Bolsa, em conjunto com a Anbima, encaminhou uma consulta à CVM sobre a possibilidade de adoção do greenshoe nessas ofertas. O assunto já foi analisado pela área técnica da autarquia, com parecer favorável dos técnicos à utilização do lote suplementar de ações. Porém, a decisão final depende do colegiado. Do lado dos investidores, entretanto, nem todos veem a existência da estabilização como primordial. “Se houve volatilidade, é porque tinha algo errado na alocação”, pondera Pedro Rudge, sócio da gestora de recursos Leblon Equities. A pedido do mercado, a autarquia também estuda permitir a adoção do hot issue (lote adicional) em ofertas de ações com esforços restritos. O dispositivo dá ao ofertante o direito de aumentar o montante da emissão em até 20% da quantidade requerida à CVM sem a necessidade de modificação dos termos da oferta.

A demora da CVM para se posicionar — as alterações são discutidas pelo mercado há cerca de um ano — deve-se à preocupação do regulador de que a 476 não seja utilizada como uma Instrução 400 disfarçada. “Se existem questões que dificultam a realização de uma oferta pelas regras da 476, talvez seja o caso de essa emissão ser realizada via 400”, observa Cláudio Benevides, analista da superintendência de registro de valores mobiliários da CVM.

Paralelamente aos estudos da autarquia, a Anbima avalia incluir as ofertas de ações com esforços restritos em seu código de autorregulação. A ideia é estabelecer quais informações mínimas devem ser contempladas na oferta e a melhor forma de transmiti-las. “A falta de um procedimento pode atrapalhar a realização de novas emissões e prejudicar o mercado”, avalia Carolina Lacerda, diretora da Anbima. A Instrução 476 dispensa, por exemplo, a elaboração de prospecto. A ausência não se tornou um problema em emissões de renda fixa, mas fomenta discussões quando aplicada ao mercado acionário.

Em seu follow-on, a Valid elaborou um memorando de oferta e o disponibilizou apenas para alguns investidores qualificados locais e internacionais. Na prática, não se tratava de um prospecto como o de uma oferta comum, mas tinha conteúdo semelhante. “O investidor de renda fixa quer saber, basicamente, a garantia, a taxa e a capacidade de pagamento da companhia. Já quem investe em equity precisa de um disclosure muito mais robusto”, observa Telles, do Itaú BBA. “A Instrução 476 forma um conjunto de regras mínimas, não máximas. Tudo que é regra prudencial seria de bom tom o mercado continuar usando”, avalia.


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