Pesquisar
Close this search box.
Expedição frustrada
Marcio Mello, fundador da HRT, levantou nada menos que R$ 2,6 bilhões no IPO e ainda não encontrou nenhuma gota de óleo. Três anos depois, os investidores finalmente se cansaram dele

, Expedição frustrada, Capital Aberto

É na entrada de um prédio moderno localizado na esquina das avenidas Princesa Isabel e Atlântica, a poucos metros das areias de Copacabana, que Dom Quixote dá expediente. Impávido e até simpático, todo reluzente em latão que tenta se passar por bronze, o cavaleiro desajuizado observa o entra-e-sai do alto de suas canelas finas, do bigode volteado e da armadura espanhola. A escultura recepciona os visitantes que chegam à sede da HRT, uma das maiores petrolíferas do País. Lá em cima, no escritório sui generis concebido pelo fundador Marcio Rocha Mello, lindíssimas mulatas servem cafezinho, e executivos vestidos com sapatos cirúrgicos se digladiam para impedir que o valor da companhia, reduzido em quase 80% nos últimos três anos, continue a se esfarelar. Assim como o cavaleiro de Cervantes, Mello teve suas expedições frustradas pela realidade dura e cruel da vida. Ou melhor, no seu caso, dos poços secos de óleo.

Conhecido por combinar obstinação e confiança em doses capazes de fazer inveja ao próprio Dom Quixote, Mello é geólogo e ex-funcionário de carreira da Petrobras, onde trabalhou por 24 anos antes de criar a HRT. Talentoso, foi um dos primeiros a cogitar a existência de depósitos de óleo abaixo da camada de sal em águas nacionais. É excêntrico e extremamente orgulhoso de si. Passou os últimos três anos prometendo aos acionistas que transformaria a HRT na maior companhia de petróleo do mundo. De uns tempos para cá, porém, os investidores se cansaram dele. “O Marcio devia ter pelo bolso dos acionistas a mesma consideração que mostra por seus tapetes”, alfineta um deles, referindo-se ao fato de que na sede da empresa, por exigência do chefe, todo mundo circula com os tais sapatinhos descartáveis e evita macular a fofa brancura do revestimento.

, Expedição frustrada, Capital Aberto

O mau humor dos investidores tem razões bem mais objetivas que as manias de limpeza de Mello. A empresa fechou 2012 com prejuízo de R$ 277,5 milhões, queda na receita líquida de 32% frente a 2011 e um ebit (resultado antes dos juros e dos tributos) negativo de R$ 404 milhões. No primeiro trimestre de 2013, o caixa consolidado da HRT registrava R$ 829 milhões, 21% menos que no fim do ano passado. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (ebitda) apontava saldo negativo de R$ 98 milhões. Atualmente, a companhia vale algo em torno de um quinto de sua cotação em 2010, quando passistas e músicos da Beija-Flor invadiram o pregão da BM&FBovespa para marcar, na batida do samba, a realização do maior IPO do ano, numa captação de incríveis R$ 2,6 bilhões.

A corrida pelo ouro negro é mesmo ingrata. Enquanto as chances de encontrar petróleo num poço recém-aberto oscilam entre 25% e 30%, os dispêndios para a exploração drenam certeiramente rios de dinheiro. São dezenas de milhões de dólares que, quando desovados por empresas privadas, não contam com a tolerância de um investidor tão maleável e compreensivo como a União, no caso da Petrobras. A HRT, por enquanto, segue sem sorte. Não encontrou uma gota de óleo viável comercialmente em nenhuma das três regiões em que atua — a Bacia de Walvis, na costa da Namíbia, a Bacia de Solimões, na região amazônica, e a Bacia de Campos, no sudeste do Brasil.

Talentoso, Mello foi um dos primeiros a cogitar a existência de petróleo abaixo da camada de sal

A despeito da ausência de óleo e de lucros, os administradores da empresa aumentaram substancialmente seus ganhos. Em 2011, não havia bônus nem para a diretoria nem para o conselho de administração, apenas remuneração baseada em ações. Cada conselheiro recebeu, em média, R$ 263,6 mil no ano, e cada diretor, R$ 1,958 milhão (sem incluir as ações). No ano seguinte, ambos passaram a receber bônus e os valores dispararam: em média, cada conselheiro levou R$ 456,7 mil e cada diretor ganhou R$ 4,066 milhões. A recompensa com ações também cresceu fortemente de um ano para outro: os diretores receberam R$ 1,9 milhão em papéis da companhia em 2011 e R$ 8,4 milhões no ano passado. Na proposta para 2013, a administração apresentou valores bem parecidos com os previstos para 2012.

A preocupação com os custos não parece ter sido um ponto forte da administração da HRT. Uma das extravagâncias de Mello foi a compra de uma frota de helicópteros e aviões para levar funcionários do Rio de Janeiro até o Amazonas, onde a petroleira possui 21 blocos de exploração. A Air Amazônia, como foi batizada a incursão aeronáutica da petroleira, terminou natimorta. Em março deste ano, foi vendida por US$ 65 milhões à americana Erickson Air-Crane, que se comprometeu a oferecer o transporte aos funcionários durante os próximos três anos. “Essa melhoria de eficiência trará economia significativa de custos às nossas operações”, reconheceu Mello no comunicado sobre a venda.

Os salários e gastos excessivos, associados a um cenário sem descoberta de óleo e com deterioração do caixa, alarmaram os investidores, que foram à luta para ganhar espaço na gestão e, ao mesmo tempo, reduzir a influência de Mello, até então presidente do conselho de administração e da diretoria. Tirar o executivo da primeira posição não seria difícil — ele mesmo se ofereceu para sair na convocação da assembleia marcada para 29 de abril, sob força das regras do Novo Mercado que agora o impedem de acumular as duas posições. Para assumir a presidência e a vice-presidência do conselho, Mello indicou dois conselheiros de sua confiança: respectivamente, o geólogo americano John Anderson Willott e o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes.

A iniciativa dos minoritários deu certo. Unidas a outros investidores estrangeiros e nacionais, a Discovery Capital Management, dona de 6% do capital, e a Southeastern Asset Management, maior acionista da companhia com 14,28% do capital, conseguiram emplacar três indicados no board: o economista Stefan Alexander, ex-diretor de finanças da Globopar, o especialista em governança François Moreau, e o executivo da argentina Pan American Energy Oscar Alfredo Prieto. Além disso, instalaram um conselho fiscal com três membros.

Apesar da ausência de óleo e de lucros, os administradores aumentaram substancialmente seus ganhos

Mello permaneceu no conselho de administração e na presidência executiva. Sua participação na companhia atualmente é de 3%, segundo fontes. Logo após o IPO, em 2010, ele detinha, individualmente e por meio de uma empresa chamada Triple M, 15,3% das ações. Em julho de 2011, porém, deixou de figurar na lista de acionistas relevantes (aqueles com mais de 5% das ordinárias), e sua participação deixou de ser pública.

Apenas 11 dias depois da assembleia, durante a primeira reunião do novo board, Mello travou uma discussão acalorada com os conselheiros. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, o motivo da desavença teria sido o detalhamento de um pacote de indenização que o geólogo havia desenhado para si em janeiro deste ano. O executivo teria afirmado que poderia pleitear o benefício, superior a R$ 7,5 milhões, pois uma das cláusulas previa a liberação dos recursos mediante a troca de um único nome do conselho, o que efetivamente acontecera dias antes. Sem acordo com os demais conselheiros, ele decidiu renunciar à presidência da companhia, para surpresa de todos. O conselho afirmou publicamente que pediu para ele reconsiderar a renúncia, mas Mello manteve a decisão. O diretor de engenharia, Milton Romeu Franke, assumiu a presidência. O mercado parece ter aprovado a decisão do fundador: os papéis da HRT encerraram naquele dia em alta de 10,8% na bolsa.

“Marcio devia ter pelo bolso dos acionistas a mesma consideração que mostra por seus tapetes”, diz um investidor


NADA DE ÓLEO, ALGUM GÁS — 
A saída de Mello ocorreu dez dias antes de a companhia divulgar as tão aguardadas notícias sobre a perfuração de poços no Solimões e na Namíbia. Os resultados, como muitos suspeitaram após sua súbita renúncia, não foram dos melhores. O poço da Amazônia foi diagnosticado como seco, enquanto, na Namíbia, a HRT encontrou óleo, mas em volume não comercial. As descobertas na África, diz a companhia, são positivas e confirmam o potencial de geração da Bacia de Walvis — foram identificadas duas rochas geradoras bem desenvolvidas. “A descoberta nos faz sentir confiantes de que iremos alcançar nossos objetivos”, dizia o comunicado oficial. Para vários analistas, no entanto, o resultado em Walvis foi decepcionante. Eles aguardam agora notícias dos outros dois poços que a companhia tem a explorar na região este ano.

A principal descoberta da HRT até o momento ocorreu na Bacia do Solimões e está restrita a gás natural. A localização, no entanto, é desfavorável por estar distante dos grandes centros de distribuição. Para encontrar meios de comercializar os três milhões de metros cúbicos de gás natural encontrados no Campo de Juruá, a companhia uniu-se à TNK (hoje nas mãos da petrolífera estatal russa, a Rosfnet) e à Petrobras.

Em 6 de maio, quatro dias antes da renúncia do fundador, a HRT fechou negócio com a BP Energy para aquisição de uma participação de 60% no Campo de Polvo, na Bacia de Campos, por US$ 135 milhões. O campo já está bastante explorado, mas Mello acredita ser capaz de impulsionar sua produção. Segundo ele, o Polvo é um excelente negócio para a empresa porque parte da equipe técnica da companhia participou da sua descoberta ainda antes da aquisição pela BP. A grande vantagem, neste caso, é que a costa atlântica é o único dos pontos prospectados pela HRT em que explorações anteriores já confirmaram a existência de petróleo.

Sobre novas áreas de exploração, não há notícias. Embora tenha protocolado as garantias na Agência Nacional de Petróleo (ANP) para participar da 11a rodada de licitação de áreas de exploração, a HRT não apresentou nenhum lance no leilão realizado em 14 de maio, apenas quatro dias depois da renúncia do fundador.

E AGORA, MELLO? — A principal aposta da HRT atualmente é obter sucesso em Murombe, o próximo poço a ser perfurado na Namíbia, a partir de junho. E o que esperar de Marcio Mello? Estaria ele pensando em começar tudo de novo? Aos jornais, o ex-presidente lembrou que é sócio da companhia e que continuará fazendo tudo por ela, ainda que apenas na função de conselheiro. “Renuncio ao posto de CEO, mas jamais à HRT”, afirmou. Há também uma cláusula no pacote de indenização que o impede de atuar em concorrentes que explorem as mesmas regiões da petrolífera. Uma dica sobre seu futuro, no entanto, pode ser o fato de Wagner Peres, presidente da HRT America e comandante das operações na Namíbia, ter renunciado junto com ele. Totalmente afastado de suas incursões obstinadas, ao que tudo indica, Mello não ficará. Assim como Dom Quixote, ele deve acreditar que o céu o fez “nascer na idade do ferro, para ressuscitar a idade de ouro dos heróis antigos”.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.