Dinheiro nas telas
Por que a indústria do audiovisual fascina o mercado de capitais
Ilustração: Rodrigo Auada

Ilustração: Rodrigo Auada

Não é imediata no Brasil a associação entre as expressões “mercado de capitais” e “indústria do audiovisual” — pode parecer que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Mas a ligação entre esses dois universos está cada vez mais estreita, e tende a se consolidar ao longo do tempo. No último mês de abril, o conglomerado de mídia americano Viacom — dono, entre outros negócios de vulto, da MTV —, adquiriu o controle do Porta dos Fundos, um fenômeno da internet com milhões de seguidores. A operação deu saída a investidores capitalistas que eram sócios do coletivo de humor, como o apresentador Luciano Huck (por meio da Joá Investimentos) e o banqueiro Gilberto Sayão, e sinalizou novos tempos para o audiovisual brasileiro, que já deixou de ser apenas sinônimo de cinema: hoje envolve, além de produções cinematográficas, a infraestrutura física de exibição, a distribuição e a produção de conteúdo aberto, fechado e sob demanda para diversas mídias — sem falar no mercado de games. A diversificação está na raiz do potencial de crescimento do audiovisual, como destaca o ministro da Cultura e ex-diretor da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Sérgio Sá Leitão. “Nada indica desaceleração do ritmo de crescimento dessa indústria nos próximos anos”, ressalta.

Embora a expansão do audiovisual não ocorra exclusivamente no Brasil, o mercado nacional tem particularidades que o tornam mais atraente para os investidores. O segmento de exibição de cinema está estagnado nos países desenvolvidos, mas tem grande espaço para ampliação por aqui. Os números comprovam o interesse do brasileiro pelo cinema como lazer: no ano passado, a quantidade de expectadores atingiu 184,3 milhões, o melhor resultado desde 1984, de acordo com dados da Ancine — isso mesmo com a grande concorrência do fenômeno “multitela”, que oferece conteúdos em diversos aparelhos (TVs, tablets, computadores, smartphones). Não à toa, cresce a oferta de salas de cinema. Em 2010 havia uma sala para cada 88,6 mil habitantes, relação que melhorou no ano passado, quando existia uma sala para cada grupo de 65 mil habitantes. Hoje há um total de 3.160 salas, ainda um pouco abaixo do auge dos anos 1970 (3.276), mas longe do potencial estimado de 5 mil salas. De acordo com Thierry Peronne, diretor da Investmage Asset Management, se o Brasil seguir o exemplo francês, é possível que “os bairros das grandes cidades passem a ter salas de cinema assim como têm pequenos supermercados e farmácias”.

Mais uma distinção do mercado brasileiro é a fragmentação do parque exibidor de cinema. “Essa característica evidencia o grande potencial de consolidação”, afirma Peronne. O maior player nacional é a rede Cinemark, que em 2016 tinha 611 salas. Na sequência vêm outras empresas de porte, como Kinoplex, Cine Araújo, Cinesystem e Moviecom (cada uma operando com pelo menos 100 salas), e operadores menores, com pelo menos 40 salas. O restante do mercado é formado por pequenos exibidores e salas especiais. Esse panorama, na visão de Peronne, enseja ofertas públicas iniciais de ações, já que no mundo todo o ganho de escala é um aspecto importante no mercado de exibição cinematográfica. Não significa que o processo seja fácil ou natural. Isso porque muitas dessas empresas estão nas mãos das famílias dos fundadores — a rede Kinoplex, por exemplo, integra o centenário grupo Severiano Ribeiro. Num momento de bonança de mercado, os herdeiros podem não ver vantagens deixar o controle dos negócios.

Fundos para produção

Já na produção e na distribuição de conteúdo esse apego parece ser muito menor — como comprova a operação envolvendo o jovem Porta dos Fundos, fundado em 2012. E é aí que o mercado de capitais pode por ora atuar com mais vigor, atraindo os investidores estratégicos e os interessados em diversificação de portfólio. A Investimage está estruturando um FIP (o Global Content FIP Investimage) com o objetivo de constituir o maior grupo de produção e distribuição de conteúdo audiovisual do Hemisfério Sul — a expectativa é de lançamento do FIP em até três meses. A ideia é captar 300 milhões de reais para investimentos em produtoras e distribuidoras de países como Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e México, num movimento de consolidação de mercado, e também possivelmente em empresas de games e em plataformas digitais para difusão de conteúdos gerais e de educação. A gestora já tem participação, por meio do mecanismo do Funcine (fundo de financiamento da indústria cinematográfica nacional), no capital de empresas como Conspiração Filmes, Glaz Entretenimento, Bossa Nova, Oca Animation, Copa, AfroReggae Audiovisual e Gullane, e recentemente constituiu três “funcines” em parceria com o BTG Pactual. Entre as produtoras há também os casos de Conspiração Filmes, que recebeu aportes de Icatu e Rio Bravo Investimentos (pioneiras nesse tipo de operação no Brasil); e H20, do diretor Fernando Meirelles, que igualmente atraiu o Icatu.

No Brasil, uma produtora pode ser considerada de grande porte se tiver faturamento anual entre 120 milhões e 150 milhões de reais — receitas que podem vir de longa ou curta-metragens, programas para televisão e outras mídias ou filmes publicitários. O governo dá uma mãozinha a esse mercado, com financiamentos do BNDES e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), alimentado pela Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), tributo que incide sobre produção, licenciamento, veiculação e distribuição de obras cinematográficas e videofonográficas com fins comerciais. Já o Funcine prevê a criação de fundos que recebem aportes de investidores, recursos que, então, são direcionados a uma ou mais produções ou projetos ligados ao parque exibidor. Esses fundos são constituídos sob a forma de condomínio fechado e devem ser administrados por instituições devidamente autorizadas e sob regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — as normas estão consolidadas na Instrução 398/03 (com trechos modificados pelas instruções 435/06, 451/07 e 498/11).

 

Sob demanda

A intensa migração de audiência da TV aberta para a internet e para as plataformas de video on demand (VOD) ajuda a explicar a evolução da produção de conteúdo, que hoje mistura players que antes operavam separadamente. Assim, tradicionais redes de televisão (de sinal aberto e fechado) compram produtoras menores; distribuidores com pouco tempo de mercado, como Netflix, passam também a produzir conteúdo próprio. Estima-se que, no Brasil, em apenas quatro anos o VOD atingiu cerca de 11 milhões de consumidores — um número bastante expressivo, principalmente considerando que a televisão por assinatura levou 20 anos para chegar a 19 milhões de pagantes.

Cientes do interesse de participantes do mercado de capitais — como os fundos de venture capital e de private equity —, as empresas nacionais de audiovisual têm se preocupado em se tornar mais eficientes e produtivas, afirma Christian de Castro, sócio da Zooks Consultoria e da Luz Mágica Produções Audiovisuais (produtora dos cineastas Cacá Diegues e Renata Almeida Magalhães). Mas elas fazem isso também por causa de uma demanda regulatória: a chamada Lei da TV paga (de número 12.485/11) estabeleceu uma exibição mínima de 3,5 horas por semana em horário nobre de conteúdo audiovisual local, regra válida para canais de televisão por assinatura que exibem preponderantemente filmes e documentários. Além disso, diz a lei que metade do conteúdo deve ser proveniente de produtores independentes. Com mais espaço e consumidores exigentes, as produtoras precisaram produzir mais — e melhor. O processo, no entanto, ainda está em curso, ressalta Castro.

E dá retorno?

Da parte dos investidores — sejam eles do mercado de capitais, empresas ou pessoas físicas — escolher aplicar recursos no audiovisual pode ter variadas motivações. Uma delas é fiscal: aqueles que se dispõem a aplicar em fundos ligados ao Funcine podem direcionar parte do imposto de renda devido a esses fundos — até 3% do imposto a pagar no caso das pessoas jurídicas e até 6% no das pessoas físicas. Outro incentivo, para as empresas, vem do ganho de imagem associado à exposição da marca.

Já quem investe na indústria audiovisual esperando um retorno polpudo pode se desapontar. “A cada dez filmes, apenas dois ou três são grandes sucessos”, pontua Peronne, da Investimage. Um bom exemplo de sucesso é o filme Minha Mãe é uma Peça 2, que teve custo de produção de 7 milhões de reais, bilheteria de 120 milhões de reais e lucro aproximado de 50 milhões de reais. Não são poucos, no entanto, os casos em que a produção custou mais que a bilheteria, gerando prejuízo. O esperado longa-metragem do grupo Porta dos Fundos atraiu mirrados 454 mil espectadores em 2016, teve bilheteria de 6,2 milhões de reais e resultou em perdas de 70%, relata Peronne. Isso não significa que a Viacom tenha motivos para lamentar, já que em outras plataformas a trupe continua bombando. No Youtube, por exemplo, o canal do Porta dos Fundos acumula nada menos de que 13,55 milhões de inscritos.

 

 


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