Corretoras “low cost”
Modelo de negócio que dispensa aporte de patrimônio e tecnologia atrai instituições e leva BM&FBovespa a mudar as regras do segmento

, Corretoras “low cost”, Capital Aberto

Há algum tempo as corretoras de valores não vão bem. As independentes — aquelas que não fazem parte de conglomerados financeiros e prestam serviços para empresas do próprio grupo — são as mais cambaleantes. Têm as receitas concentradas nos serviços de corretagem e sofrem com a queda na participação dos investidores pessoas físicas no pregão. No acumulado do ano, apenas 16,7% da movimentação da BM&FBovespa partiu desse público. Em 2009, para efeito de comparação, essa proporção chegou a 30,5% e superou até o giro financeiro dos institucionais. A má situação financeira desses agentes ligou o alarme da BM&FBovespa, que em 2012 montou uma comissão para estudar maneiras de fortalecer o setor de intermediação. Uma das ideias em estudo é criar um modelo que dê às corretoras a chance de operar com custos fixos menores sem abrir mão do status de “participante” da Bolsa — trocando em miúdos, sem tirá-las do seu radar de fiscalização.

A proposta é desmembrar a categoria de participante em duas. Na categoria plena, a corretora mantém ampla autonomia para operar, mas precisa arcar com os depósitos de garantias. Um degrau abaixo ficariam as corretoras não plenas, dispensadas dos depósitos, mas obrigadas a se acoplar a uma corretora completa que garanta as suas transações. Por estarem também na categoria “participante”, elas permanecerão sob a vigilância da BM&FBovespa Supervisão de Mercado (BSM), o órgão responsável pela autorregulação de todos os ambientes da Bolsa.

Hoje, as corretoras já podem optar pela migração para um sistema em que são dispensadas de depositar garantias, chamado de “conta e ordem”. Entretanto, ficam fora do radar da Bolsa. É justamente essa a razão da urgência em aprovar o plano. Em dificuldades financeiras, as corretoras começaram uma onda de migrações por conta própria. “Percebemos que os pedidos de migração se acentuaram e, por conta disso, estamos acelerando o projeto”, conta Cícero Vieira Neto, diretor de operações da BM&FBovespa.

O novo sistema ainda precisa passar pelo crivo do Banco Central (BC), que receberá a proposta ao longo deste mês. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já avaliou o projeto informalmente e também precisa dar o seu aval. Por enquanto, a autarquia estuda se haverá necessidade de ajustar a Instrução 461, que rege o funcionamento dos mercados regulamentados e das bolsas.

FÔLEGO NOVO — O objetivo da Bolsa, ao criar a nova categoria de corretoras, é preservá-las sem enfraquecer a supervisão. A conta é simples. Como plena — ou seja, livre para oferecer todos os serviços atrelados à execução de ordens, da negociação à liquidação —, uma corretora deve assumir a responsabilidade financeira das transações feitas pelos clientes. Isso significa engessar R$ 25 milhões de seu patrimônio como garantia. É preciso, ainda, arcar com todos os custos tecnológicos, como o de manter o próprio home broker. Quando atuam como parceiras de corretoras plenas, elas evitam esses gastos. O depósito das garantias vira capital para novos investimentos, e a estrutura tecnológica passa a ser terceirizada, em troca de uma parte da corretagem.

A precursora da migração para o formato “low cost” foi a Máxima. Desde o ano passado, ela deixou de ser uma corretora plena para se tornar parceira da CGD Securities — antiga Banif Corretora, adquirida pelo grupo português Caixa Geral de Depósitos. José Costa Gonçalves, diretor da Máxima, lembra que a corretora ainda operava no azul naquela época. Mas, não fosse a adoção da nova modelagem para o seu negócio, teria se tornado deficitária e poderia ter abandonado o mercado. O executivo calcula que a parceria lhe proporciona uma redução nos gastos fixos de cerca de R$ 1,3 milhão ao ano. “Somente o link com o sistema da Bolsa custa cerca de R$ 80 mil por mês”, diz. O novo modelo de negócio, segundo Gonçalves, está dando certo. Além dos custos menores, a base de 400 clientes permanece sob seu atendimento.

A primeira corretora a adotar o formato “low cost” calcula uma economia anual de R$ 1,3 milhão nos gastos fixos

O exemplo da Máxima foi seguido por outras corretoras tradicionais. Desde fevereiro, as operações da Souza Barros no segmento BM&F estão acopladas à CGD; as operações com ações seguirão o mesmo caminho em breve. Outra que aderiu foi a Magliano. “Já assinamos contrato com uma quarta corretora e estamos negociando com outras dez instituições”, declara Everson Ramos, diretor de tecnologia da informação (TI) e de canais eletrônicos da CGD.
O modelo promete sanear as finanças da própria corretora portuguesa. Em 2011, de acordo com as demonstrações de resultado arquivadas no BC, a CGD acumulou prejuízo de R$ 3,584 milhões. Até o terceiro trimestre do ano passado, as perdas somavam R$ 4,699 milhões. “O objetivo é fazer que as parcerias utilizem a nossa capacidade instalada ociosa e cubram os gastos fixos”, explica Ramos. Outra aposta da CGD é a diversificação. A corretora firmou um contrato com a seguradora Liberty que lhe permitirá atuar na venda de seguros e está negociando para viabilizar a venda de produtos de previdência.

Quem também trabalha em prol da diversificação é a Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord). A entidade tem promovido eventos com os participantes do mercado para compreender qual é a real situação das corretoras e como será o futuro de cada uma delas. “Temos corretoras que querem se especializar em determinados produtos. Outras almejam ser shoppings financeiros”, observa José David Martins Júnior, diretor superintendente da Ancord. Além disso, a entidade tem estudado formas de reduzir a dependência em relação às receitas de corretagem. “Há projetos em gestação, como o de permitir a cessão de microcrédito, além de diversos produtos e serviços que podem agregar valor, como as debêntures e o trabalho de coordenação de ofertas”, completa.

Sistema de distribuição será testado
Os investidores demandarão uma gama maior de produtos. Com a queda das taxas de juros reais, tudo indica que começarão a olhar além dos tradicionais fundos de investimento, da poupança e dos CDBs, migrando para ações e títulos do Tesouro — ou mesmo debêntures, cotas de fundos imobiliários e letras de crédito. Quando essa realidade vier, porém, os canais de distribuição do mercado de capitais brasileiro serão colocados à prova. Historicamente concentrados nos bancos, por meio de suas numerosas agências bancárias, eles serão forçados a se multiplicar. O reforço financeiro das corretoras de valores planejado pela BM&FBovespa é uma vertente da estratégia para aprimorar a capilaridade da distribuição. Outra é a educação tanto dos agentes que atuam na ponta da venda quanto dos investidores. Na BB DTVM, distribuidora do Banco do Brasil, um dos produtos de maior sucesso é a letra de crédito do agronegócio (LCA), que representa uma promessa de pagamento futuro de créditos concedidos a agentes do agronegócio. “Conseguimos isso porque fizemos um grande esforço de educação”, constata Carlos Takahashi, presidente da BB DTVM.

A XP é um exemplo de corretora que procura preencher as lacunas do sistema atual. Por meio de uma rede de 1,5 mil agentes autônomos, distribui 400 fundos de investimentos e cem produtos de renda fixa. “O principal gargalo do mercado é o varejo. Em geral, os investidores só conhecem os produtos ’bancarizados’”, diz o sócio Rossano Oltramani. O cardápio dos bancos é, por natureza, mais restrito. No caso dos fundos de investimentos, a maioria dos investidores encontrará apenas os produtos geridos pela própria instituição. Produtos de menor apelo popular, como as debêntures, também não são encontrados facilmente nas agências.

A distribuição concentrada nos bancos tem razões históricas, calcadas na formação dos grandes conglomerados financeiros. “O sistema bancário abafou o mercado de capitais e assumiu toda a capilaridade”, afirma Ney Carvalho, historiador e ex-corretor de valores. Takahashi, da BB DTVM, acrescenta: “Durante muitos anos as alternativas de investimento foram a caderneta de poupança, os produtos atrelados aos juros e, depois, os CDBs. Isso levou a que o processo de captação de recursos dos bancos e, por consequência, de venda de produtos ocorresse pela malha das agências”.


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