Com pernas próprias
Círculo de Debates Infraestrutura, sobre como estruturar projetos de qualidade

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Em junho, o governo anunciou um pacote de R$ 198,4 bilhões em concessões de transportes. Diante de um contexto que combina aperto fiscal e menor repasse do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as condições de financiamento de projetos de infraestrutura serão diferentes. Quem tiver interesse em promover essas obras será obrigado a colocar mais recursos próprios, além de recorrer aos agentes privados. Esse panorama eleva a importância de bons projetos, capazes de inspirar confiança no mercado e de se manterem em pé sem o dinheiro barato do BNDES. Neste Círculo de Debates — o primeiro de uma série de quatro encontros sobre infraestrutura a ser realizada nos próximos 12 meses —, cinco especialistas (veja fotos) trouxeram suas visões sobre como estruturar projetos de qualidade e sinalizaram possíveis entraves. Confira os melhores trechos a seguir.

CAPITAL ABERTO: O que caracteriza um bom projeto? Onde ele começa?

circulo1Rosane Lohbauer: Um bom projeto começa com um bom planejamento. O primeiro passo é o contratante, no caso o poder público, saber o que ele quer contratar. Ele precisa se fazer algumas perguntas básicas: “Quais são os projetos prioritários? Em quais deles vou investir? O que eu quero fazer?”. No Brasil, essa reflexão não ocorre. Não existe planejamento interno da administração pública. Muitas vezes, o projeto vem de uma promessa de campanha, de uma pressão interna ou é feito porque, de alguma forma, pode ter retorno maior do ponto de vista eleitoreiro.

Frederico Turolla: Um bom projeto também precisa atender a uma demanda relevante da sociedade e, nesse sentido, cabe estudar qual a melhor forma de atendê-la: por meio de uma parceria ou concessão? É preciso haver ainda uma alocação adequada dos riscos entre os participantes e segurança na relação público-privada.

Maria Eduarda Berto: É fundamental que um projeto de qualidade se preocupe com a governança. A interação com o setor privado pode ajudar neste aspecto, trazendo novidades, ponderações. Chegar a um consenso sobre como construir essa governança, contudo, não é algo simples quando uma das partes é o governo. Um projeto da União reúne diversos ministérios que precisam interagir em reuniões semanais.

Antonio de Oliveira: Do ponto de vista de uma instituição financeira, um bom projeto reúne alguns princípios básicos, como previsibilidade de fluxo de caixa e marco regulatório estável. Infelizmente, temos um histórico recente de mudanças drásticas em setores estratégicos. Nessa questão do consenso, há um ponto relevante: os agentes públicos e privados têm agendas que às vezes não coincidem. É frequente a agenda pública estar relacionada a um mandato. Nesse sentido, o anúncio de Dilma Rousseff de retomar as concessões é muito importante para o País, pois a iniciativa extrapola o período em que estará no poder. São projetos de longo prazo, de 30 anos. Acho que isso reflete, até certo ponto, uma mudança de pensamento, o que é positivo. Se as motivações do projeto são a de um mandato, a qualidade da licitação é ruim. Isso dá uma abertura muito grande para correções durante o curso da obra. Aí acontecem os aditivos, os estouros de orçamento, as solicitações de reequilíbrio econômico-financeiro.

circulo4Gabriel Kohlmann: Outro ponto que interfere na qualidade do projeto é a sua capacidade de ser financiado. Os principais players estão com capacidade financeira bastante limitada, principalmente os grandes. Quando se olha os pequenos, esse potencial, pelo tamanho deles, é ainda menor. O fato de a instituição exigir uma garantia corporativa, uma fiança bancária, que é um instrumento caro, das empresas que querem participar de um projeto estruturado, uma PPP (Parcerias Público-Privadas) ou concessão pode afastar as empresas menores. Essa é uma equação com lacunas a serem resolvidas. E, com as empresas grandes em crise [devido às investigações que sofrem na Operação Lava Jato], a tendência é que as menores participem das próximas licitações.

Rosane Lohbauer: A participação das menores não seria algo novo. Na licitação da BR-050, em um trecho entre Goiás e Minas Gerais, em 2013, assistimos à formação de um consórcio composto por pequenas empresas — construtoras e fornecedoras de asfalto ou equipamentos — que se juntaram, arremataram o lote e agora estão trabalhando nele.

CAPITAL ABERTO: Para fomentar a participação das empresas menores nas novas licitações de rodovias, o governo diminuiu os lotes médios concedidos — terão 400 quilômetros, metade do tamanho ofertado em 2012 e 2013. Mas há o desafio da concessão da garantia, que, como foi dito, é um instrumento caro. Como as pequenas empresas participarão?

Frederico Turolla: Acredito que as grandes empresas também estarão presentes nessa rodada de investimento. O encurtamento dos lotes não serve apenas para atrair players de pequeno porte, mas também para aumentar a viabilidade econômica dos trechos concedidos. Pela sua maturidade, o setor de rodovias lidera o pacote de concessões, a despeito de uma orientação de planejamento: a de acabar com a predominância das rodovias na matriz de transportes.

Maria Eduarda Berto: Essa iniciativa do governo mostra um amadurecimento. A BR-101, na Bahia, tinha 800 quilômetros e, depois, o trecho a ser concedido caiu para 200 quilômetros. O governo ouviu o mercado financeiro. Financiar lotes de mil quilômetros no contexto de curto prazo é complexo. Ao fatiar esse tamanho, a União tende a atrair players não envolvidos na Operação Lava Jato e, portanto, sem sua capacidade de crédito afetada.

circulo3Antonio de Oliveira: O agente privado, cada vez mais, tem relevância num momento extremamente crítico, o início da construção. Nessa fase, a empresa não obteve o financiamento da obra [pelo BNDES] e precisa tocar o empreendimento com um empréstimo-ponte. Porém, se ela não tem nem capacidade de conseguir uma fiança bancária, como obterá um empréstimo-ponte? A questão, então, é como o agente privado diminui o custo dessas duas coisas. Esse é o debate do momento. Sem cumprir essa etapa inicial, não adianta dizer que a nova cesta de financiamento de longo prazo prevê a emissão de debêntures para o vencedor da concessão ter acesso a uma parcela maior de financiamento atrelada a TJLP (taxa de juros no longo prazo) no BNDES. Esses pontos estão sendo discutidos pela Anbima [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais].

CAPITAL ABERTO: O que é possível fazer?

Antonio de Oliveira: O custo da fiança pode se tornar mais baixo se atestada a qualidade do projeto. Mas e no caso do empréstimo-ponte, qual a solução? No Brasil, sempre se pensa em isenção fiscal. Porém, isso não pode mais ser incluído na agenda. Tenho acompanhado algumas sugestões do setor privado às quais o governo vai certamente resistir ou não vai poder acolher, em razão do momento. Uma ideia é permitir que os depósitos à vista dos bancos direcionados ao compulsório sejam usados para a concessão de empréstimo-ponte. Isso faz sentido considerando que o segundo mandato da presidente está voltado ao modelo de retomada de investimento. No primeiro mandato, a agenda era a manutenção do nível de consumo e, para fomentar isso, o Banco Central autorizou os bancos a darem crédito para financiamento de carros usando o dinheiro do compulsório.

CAPITAL ABERTO: O uso do compulsório resolveria essa necessidade?

Antonio de Oliveira: Sim. O Brasil não precisa só retomar o percentual de investimento sobre o PIB; é necessário também construir uma base de capital fixo para o futuro. Isso permitirá a redução da expectativa de inflação, porque teremos capacidade instalada para absorver um eventual crescimento do País.

circulo2Frederico Turolla: Nos anos 1970 e 1980, o Brasil lançou mão do redirecionamento de compulsórios. Naquela ocasião, o final não foi feliz. Recentemente, o modelo baseado em consumo também levou a distorções importantes. No fim, a conta chega, e o impacto pode ser dramático. O Brasil perdeu meio por cento do PIB em investimento de infraestrutura no pico do PAC [Programa de Aceleração de Crescimento], em 2007 e 2008, até este ano. O uso do compulsório pode ser uma ótima solução do ponto vista conjuntural para os leilões, para viabilizar as operações. Mas isso pode trazer um impacto de credibilidade para o governo, com consequências na classificação de risco do País.

Antônio de Oliveira: Há outra discussão que a Anbima vem tendo com o Ministério da Fazenda. Quem está comprando as debêntures de infraestrutura? Como eu atraio o investidor para esse título quando ele tem à disposição LCIs e LCAs [letras de crédito imobiliário e de agronegócio, respectivamente], que, além de isenção fiscal, oferecem garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC)? Além disso, por que a remuneração da debênture de infraestrutura precisa estar atrelada ao índice de preço ou taxa fixa? O problema para o investidor é que, no índice de preço, a correção monetária é paga na amortização. Como estamos falando de projetos de longuíssimo prazo, a amortização acontece só lá na frente. CAPITAL ABERTO: Quem vem comprando as debêntures de infraestrutura?

Antônio de Oliveira: Principalmente a pessoa física. Mas há um problema nisso. Eu vou partir do princípio do suitability: a fase arriscada de um projeto precisa ser assumida pelos “big boys”. E quem são eles no Brasil? Os bancos e os investidores institucionais. Quem financia infraestrutura no mundo inteiro são os fundos de pensão. No Brasil, isso não ocorre; as fundações têm hoje uma agenda voltada à compra de título público. E se olharmos a regulação desses fundos, vamos perceber que eles cada vez mais vão comprar títulos do governo. Pois eles não têm benefícios para adquirir crédito privado. Para fins do cálculo de superávit atuarial, por exemplo, se o fundo de pensão compra um título público, livre de risco, ele consegue trazer todo o ganho a valor presente. No título privado, não pode fazer isso.

circulo5Maria Eduarda Berto: Também acho que vale a pena tocar em outro tema. Hoje se nota muita atividade no mercado secundário, com várias empresas e fundos estrangeiros de olho em ativos de infraestrutura colocados à venda. Essa é uma forma de os projetos de infraestrutura se capitalizarem.

Gabriel Kohlmann: Mas é preciso qualificar o perfil dos agentes que entram no Brasil com o objetivo de comprar esses ativos. Há muitos com o olhar de financiadores, como os fundos de private equity estrangeiros ou os fundos soberanos asiáticos. Não vejo tanto interesse dos operadores estrangeiros, aqueles que, de fato, assumem o risco da operação, em comprar ativos por aqui.

Antônio de Oliveira: Não concordo. O investidor estrangeiro quer retorno, e o Brasil ficou caro durante um bom tempo. Mesmo com um mercado megacompetitivo, ninguém queria vir para o País. De seis meses para cá, o cenário mudou drasticamente. Agora vemos grandes operadores que saíram do Brasil há alguns anos voltando. Os estrangeiros vão chegar numa velocidade muito rápida. Além disso, eles têm uma vantagem para comprar ativos no Brasil, o câmbio. O brasileiro faz uma autocrítica muito pesada sobre o País. Mas nós somos uma democracia, temos leis e instituições sólidas, muitas delas seculares. Se influenciarmos o País na direção correta, teremos um mercado excelente e um país de oportunidades.

Rosane Lohbauer: Eu concordo com o que o Antonio disse. O setor privado precisa discutir e criar uma massa crítica para levar propostas ao governo. Nós estamos falando de bons projetos, então o que seria uma boa modelagem? Como adotá-la? Não adianta só criticar.


Ouça o podcast do evento:


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