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Campo minado
Este ano não promete boas notícias para o setor energético. Quem investir em energia, óleo e gás terá boas chances de sair chamuscado

campo-minadoOs prognósticos para o setor energético em 2015 estão tão incertos quanto as previsões meteorológicas para este verão. Quem arriscar investir no segmento precisa estar preparado para todo tipo de intempérie. Aos adeptos do setor elétrico, a indicação é voltar os olhos para o céu. Sem a boa vontade de São Pedro, o nível dos reservatórios continuará baixo e o risco de racionamento de energia, iminente. A situação deve aumentar o uso de geração térmica e inflar a já bilionária conta a ser paga pelas empresas do setor devido aos efeitos da Medida Provisória (MP) 579, promulgada em 2012. O investidor do nicho de petróleo e gás também não encontra um horizonte ensolarado. A revelação de que a maior empresa do ramo no País está envolvida num esquema gigantesco de fraude e lavagem de dinheiro tem impactado sua capacidade de operação. A Petrobras poderá retardar investimentos e ter dificuldade para atingir a meta de dobrar sua produção nos próximos sete anos. Diante desse diagnóstico, investir no setor em 2015 é tarefa para quem tiver estômago de aço.

Pilha de equívocos
Ao editar a MP 579, transformada na Lei 12.783, o governo mudou as regras para renovar os contratos de geração e transmissão que expiravam entre 2015 e 2017. As elétricas que aceitassem as condições teriam de abandonar o regime de preço livre e se submeter a tarifas reguladas pelo poder concedente. Com isso, em vez de comercializar energia acima de R$ 100 por megawatt-hora (MWh), teriam de vendê-la por preço bastante inferior: R$ 20. Apesar de onerosas, as normas acabaram aceitas por boa parte das empresas da holding Eletrobras, controlada pela União. Graças a isso, a estatal enfrenta questionamentos de minoritários da Justiça: eles alegam que a decisão foi benéfica apenas para o governo, cujo objetivo era controlar o preço da energia. Entre as companhias abertas que disseram não às mudanças estão Copel, Cemig e Cesp.

A negativa, não esperada pelo governo federal, teve efeito colateral nas distribuidoras. Devido à estiagem, mesmo com várias empresas do grupo Eletrobras tendo acatado as condições do governo, 2 mil MW médios deixaram de ser contratados em 2013 e de 2,5 mil em 2014. Diante dessa situação, restou às distribuidoras comprar, no mercado de curto prazo, a diferença entre o consumo de energia e o montante contratado. Porém, a escassez de chuvas fez os preços subirem às alturas: o recorde foi R$ 822 por MWh, de fevereiro a abril. E o resultado, um rombo bilionário na conta das distribuidoras. Para amenizar a situação e garantir o fornecimento de energia, a União entrou em cena: emprestou cerca de R$ 20 bilhões para as empresas do setor cobrirem os gastos. O valor tem se mostrado insuficiente. Em dezembro, para aliviar a pressão sobre o caixa do setor, o governo anunciou que o preço máximo da energia no mercado de curto prazo será de R$ 388 o MWh.

A MP 579 criou ainda outro problema. Ao editá-la, o governo definiu que as empresas que aceitassem seus termos seriam reembolsadas por ativos ainda não depreciados, uma vez que a remuneração dessas usinas não mais poderia ser repassada às tarifas. Inicialmente, teriam direito à indenização apenas ativos de transmissão em operação após maio de 2000. Para acalmar os ânimos do mercado, a União decidiu estender a remuneração também para ativos em funcionamento antes dessa data. Estabeleceu pagamento em 30 anos, mas não determinou a fórmula de atualização das parcelas. Estima-se que as transmissoras tenham a receber R$ 15 bilhões — Eletrobras, Cemig e a Cteep são três das principais beneficiadas. O problema é que o fundo setorial que arcaria com essas despesas está pobre de recursos, pois a maior parte do dinheiro foi usada para bancar a redução média de 20% nas tarifas de energia, prometida pelo governo quando anunciou a MP 579. “Esse é um ponto a ser equacionado. As empresas contam com o dinheiro da indenização”, comenta Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

A situação deve gerar ainda mais pressão sobre o Tesouro. É o governo, junto com o consumidor, que tem arcado com as despesas bilionárias do setor. No período de 2013 a 2015, esse valor deve atingir R$ 105 bilhões. O valor engloba, entre outras coisas, o empréstimo feito às distribuidoras, as indenizações pagas às empresas que aceitaram renovar as concessões de usinas e linhas de transmissão e o subsídio do governo para baixar a conta de luz. Dois terços desse montante serão pagos pela população, por meio de tarifas, e um terço, pelo Tesouro. “Em 2009, optou-se por um modelo de modicidade tarifária [segundo o qual o serviço público deve se prestado da forma mais barata possível] que provocou um enorme rombo”, afirma Pires. “A Aneel está sem credibilidade no mercado”, ressalta Rodrigo Machado, sócio do Madrona Hong Mazzuco (MHM) Advogados.

Nas contas de Pires, somente em 2015 as despesas com o setor elétrico alcançarão R$ 35 bilhões. Podem aumentar ainda mais, já que neste mês deverá ser dada largada ao sistema de bandeiras tarifárias. Ele permite o repasse mensal para a conta de luz do custo extra das distribuidoras com o uso de termelétricas quando a bandeira for amarela (sinal de condições de geração menos favoráveis) e vermelha (condições mais custosas de geração). Na verde, a tarifa não sofre acréscimo. Dado o baixo nível dos reservatórios, espera-se que as térmicas sejam acionadas durante todo o ano de 2015, o que fará a bandeira vermelha ser hasteada. Isso implicará um adicional de R$ 3 a cada 100 KWh. “O sistema pressionará ainda mais as tarifas. Na Light, isso pode representar aumento de 9% da conta apenas em janeiro”, estima Pires.

campo-minado2Saiu caro
Esse cenário de alta vai na contramão do que pretendia a MP 579. Em fevereiro de 2013, após a sanção da medida na Lei 12.783, o governo anunciou uma redução média de tarifas de 20%. A queda durou menos de um ano. “Já estamos num patamar mais elevado”, diz Pires. Para o advogado Julião Coelho, ex-diretor da Aneel, a União deu um sinal equivocado ao consumidor quando anunciou o desconto na tarifa. O incentivo abriu espaço para o brasileiro gastar mais energia — o consumo residencial chegou a subir 8% em 2013 — num momento em que os reservatórios já estavam em queda. Assim, pode-se dizer que a seca apenas agravou uma situação já delicada. Em dezembro, o nível dos reservatórios ficou abaixo de 20%, menor patamar histórico. “É essencial ter uma sinalização adequada. O sistema de bandeiras tarifárias deveria ter sido adotado já em 2013, mas foi postergado”, lamenta Coelho.

Diante do leite derramado, o jeito é torcer para não haver desabastecimento de energia elétrica em 2015. As chances de ele ocorrer, no entanto, são altas. “O risco de racionamento é de dois dígitos”, projeta Erik Rego, consultor da Excelência Energética. Nesse cenário, mais sofrimento aguarda o setor. “O preço médio deve ficar em R$ 450 por MWh, o que trará dor de cabeça para grandes empresas que precisam comprar energia neste ano e também para as que ficarem sem contrato”, observa Ricardo Sassatani, consultor da Thymos Energia.

A conjuntura dá uma ideia da missão espinhosa que o Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, terá em seu primeiro ano no ofício. “Se o rombo de R$ 35 bilhões for repassado para as tarifas, estamos falando de um reajuste de 39% no preço da energia; se o Tesouro arcar com uma parte, de R$ 9 bilhões, por exemplo, a conta subirá 29%”, calcula Pires. O problema, alerta, é que isso pode comprometer o superávit primário de 1,2% planejado para este ano.

Tanta incerteza tem gerado aversão a investimento. Segundo Diogo Berger, diretor de project finance do Santander, desde a edição da medida provisória, em setembro de 2012, até agora, as transações no setor ficaram mais escassas, assim como os recursos estrangeiros dirigidos a ele. Para se ter uma ideia, nos leilões de energia de fonte eólica, entre 2009 e 2011, 42% dos investimentos eram feitos por empresas do exterior. Entre 2012 e 2014, a proporção caiu para 28%. Já os agentes públicos elevaram sua presença de 17% para 26%. “Esse cenário é fruto da MP 579. O problema é que o setor elétrico vai precisar se capitalizar via mercado de capitais nos próximos anos.”

Correr para onde?
Para piorar, o investidor que quiser fugir da eletricidade não encontrará abrigo no nicho de óleo e gás, dominado pela Petrobras. A principal insegurança são os impactos da operação Lava Jato. Pires acredita que o desafio será refundar a estatal, que precisa ter autonomia para reajustar seus preços e se focar novamente em sua atividade fim: exploração e produção de óleo, com destaque ao pré-sal, cuja rentabilidade e curva de aprendizado são boas. Para ele, a Petrobras conta com alguns trunfos, como grandes reservas, alta competitividade do pré-sal e elevada competência em exploração de óleo em águas profundas. Nesse sentido, um caminho seria vender os ativos de gás natural.

Na visão do diretor comercial da Gás Energy, Ricardo Pinto, a presença da petroleira no setor de gás é um obstáculo para a expansão do setor e para o acesso das indústrias a gás abundante e barato. A estatal está em todos os elos da cadeia: da produção e exploração à comercialização. “Essa posição inibe a competitividade”, considera. O superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, ressalta que o setor paga hoje US$ 13 pelo milhão do BTU (medida de poder calorífico), enquanto nos Estados Unidos gasta-se um terço desse valor. “O gás é uma indústria paralisada no Brasil”, lamenta Machado, do MHM. Como se vê, não há oásis no setor energético. Quem quiser investir no segmento precisará estar pronto para possíveis choques.

Ilustração: Grau180.com


Logo_GD_Rel_SocietariasAs perspectivas para o setor energético em 2015 foram tema do primeiro encontro do Grupo de Discussão Infraestrutura, realizado pela Capital Aberto em São Paulo. Veja mais aqui.


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