A fila cresce
Diante de um cenário adverso, companhias aguardam uma oportunidade para lançar ações. Estatais devem sair na frente

Nos últimos 18 meses, apenas duas companhias lançaram ações na BMF&Bovespa. Em 21 de outubro de 2014, a Ouro Fino, fabricante de produtos veterinários do interior de São Paulo, arrecadou pouco mais de R$ 400 milhões em seu IPO. Em 5 de junho deste ano foi a vez da Par Corretora, empresa de seguros controlada pela Caixa Econômica Federal, captar cerca de R$ 600 milhões. A escassez reflete a infertilidade da economia e o clima político conturbado. Mesmo sem sinais claros de que a turbulência vai ficar mais amena, um grupo de companhias aguarda pacientemente uma janela de oportunidade se abrir neste ano.

Entre as candidatas a fazer uma oferta pública inicial de ações (IPO) estão as estatais IRB, Caixa Seguridade e BR Distribuidora e a companhia de capital privado BR Home Centers. A Azul Linhas Aéreas anunciou que poderia ofertar ações neste ano, mas, pela terceira vez, desistiu. A boa notícia é que o número de emissões pode aumentar consideravelmente a partir de 2016. Ivan Clark, sócio da PwC, estima que algo como duas dezenas de companhias lançarão ações nos próximos dois anos. “São empresas dos setores financeiro, de serviços de saúde, tecnologia da informação, infraestrutura e varejo”, afirma.

Sócio da área de Global IFRS e Offerings Services da Deloitte, Bruce Mescher também antevê o aquecimento das ofertas de ações. A razão está na cobiça dos fundos de private equity estrangeiros por pechinchas no Brasil. A recessão econômica e os reflexos da Operação Lava Jato têm obrigado várias companhias nacionais a se desfazerem de ativos, num momento em que a desvalorização do real aumenta o poder de compra desses fundos: “E a saída clássica desses veículos de private equity é via abertura de capital na bolsa”, observa Mescher.

O problema é que se a recessão da economia, por um lado, impulsiona as transações de private equity, por outro, retarda emissões de ações no curto prazo. “Alguns clientes têm nos procurado para avaliar a possibilidade de fazer IPO em 2016, mas é difícil dizer se haverá espaço, diante das incertezas em relação ao ambiente econômico e político no Brasil”, afirma Camila Goldberg Cavalcanti, sócia do Barbosa Müssnich Aragão Advogados. Segundo um banqueiro, a piora do clima político em agosto limou da fila de espera deste ano a oferta da JBS Foods, que poderia captar mais de R$ 3 bilhões. Agora, a companhia avalia ingressar no pregão em 2016. De acordo um advogado, cinco ofertas que poderiam ser feitas neste ano foram suspensas por causa das condições de mercado desfavoráveis.

Sócio do Tozzini Freire Advogados, Rodrigo de Campos Vieira conta que dois de seus clientes, um do agronegócio e outro da área de serviços, discutem a abertura de capital, mas sem previsão de data para lançar ações. Na sua opinião, o grande receio das empresas é o comportamento da precificação da oferta. Elas temem que investidores apliquem um desconto grande demais em razão da turbulência.

Estatais na dianteira

Embora empresas privadas figurem na lista de candidatas a ingressar na bolsa neste ano, o mais provável é que as estatais saiam na frente, como forma de aliviar as contas apertadas do governo. Nos bancos de investimento, o esforço é para que as emissões ocorram até dezembro. “Afinal, se sair a presidente, como ficarão esses IPOs?”, pergunta um diretor de banco nacional, referindo-se a um eventual impeachment de Dilma Rousseff.

O conselho de administração da Petrobras aprovou os planos para uma oferta de ações da BR Distribuidora, unidade de distribuição de combustíveis da estatal. A empresa pretende fazer uma emissão secundária de ações que corresponda a 25% do seu capital social, podendo chegar a 33%. A ata da reunião do board, de 6 de agosto, mostra que nem todos os conselheiros votaram a favor da proposta, que surge em meio à necessidade da estatal de vender US$ 15,1 bilhões em ativos até o final de 2016 para ajudar a reduzir a dívida de US$ 132 bilhões, a maior entre as empresas do setor de petróleo no mundo.

O presidente do conselho da BR e também presidente da Vale, Murilo Ferreira, foi contrário à ideia, assim como o conselheiro que representa os funcionários da Petrobras, Deyvid Bacelar. Para Ferreira, primeiro a empresa deveria profissionalizar a gestão e formatar um plano de negócios, para só depois vender as ações — e sob outras condições mercado. A cautela faz sentido. Sem essa preparação, o investidor poderia impor um desconto muito grande sobre as ações da BR e inviabilizar a oferta. “Nas companhias controladas pelo governo, a pressão pela entrega de mecanismos reforçados de compliance e governança será maior”, acrescenta Eliana Chimenti, sócia do escritório de advocacia Machado Meyer.

O conselho de administração da Petrobras aprovou os planos para uma oferta de ações da BR Distribuidora. A empresa pretende fazer uma emissão secundária de ações que corresponda a 25% do seu capital social

Neste contexto, ganhar a confiança dos investidores internacionais será crucial. Nos últimos anos, eles foram responsáveis pela compra de cerca de dois terços das ofertas primárias de ações, patamar que deve se manter. De janeiro a julho de 2015, o investimento estrangeiro na Bolsa teve superávit de R$ 20,97 bilhões, cerca de 25% superior ao saldo positivo do mesmo período do ano anterior. “Hoje, os investidores estão mais seletivos em relação aos preços e às ofertas. É preciso que as histórias sejam ainda melhores”, diz Eliana.

No caso da Par Corretora, os estrangeiros compraram 49% da oferta, na qual as ações foram vendidas a R$ 12,33, perto do teto (a faixa variava de R$ 11,25 a R$ 12,35). Ao todo, a companhia movimentou R$ 210 milhões em sua estreia no pregão — na data, o papel subiu 10%. A demanda foi elevada: quem participou da operação recebeu uma ação para cada seis reservadas. Os analistas atribuem esse corte ao fato de o segmento de seguros crescer apesar da crise econômica. No primeiro trimestre, a receita do setor aumentou cerca de 20%.

Na opinião de Daniel Facó, sócio do Souza Cescon Advogados, é provável que o ano se encerre apenas com a oferta da Par Corretora. “A questão política é muito delicada. Mesmo as ofertas das estatais estão sofrendo com a instabilidade, o que prejudica a formação de preços e o interesse dos investidores”, destaca o advogado, que enxerga a possibilidade de três a cinco operações até o fim de 2016, duas delas do setor privado (para as quais prevê transações em montantes de R$ 100 milhões a R$ 300 milhões, indicando que a leva de grandes empresas estaria chegando ao fim).

O IPO da IRB Re Brasil (ex-Instituto de Resseguros do Brasil) deve estar entre os últimos gigantes. A expectativa é de que envolva R$ 4 bilhões, em uma oferta esperada para outubro. Um dos motivadores da operação é o aumento do caixa do governo federal, que precisa atingir a meta de superávit primário das contas públicas. A União e o Banco do Brasil detêm 48% de participação na empresa — o restante é dividido entre Bradesco Seguros, Itaú Seguros e Fundo de Investimento de Participações Caixa Barcelona. Em junho, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que o governo estuda medidas como aberturas de capital para elevar a arrecadação. “Elas permitem, de um lado, aumentar a receita e, ao mesmo tempo, melhoram o dinamismo em diversos setores.”

Via rápida

Num cenário de instabilidade, estar preparado para aproveitar as janelas de oportunidade torna-se ainda mais importante. Por isso, na visão de Luciano Ferreira Cunha, sócio de auditoria da E&Y, a Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), atualizada no segundo semestre do ano passado, poderá ganhar visibilidade em várias operações, de diferentes tamanhos, nos próximos meses. De acordo com uma fonte ouvida pela reportagem, uma companhia pode ofertar ações pela 476 entre outubro e novembro.

Originalmente, a norma era válida apenas para ativos de renda fixa, mas, em 2014, ganhou uma versão que contempla ações e debêntures conversíveis. Publicada em 2009, a Instrução 476 regula as ofertas públicas que, por adotarem esforços restritos de venda, ganham descontos regulatórios. Ela permite que uma empresa lance papéis sem precisar registrar a oferta na CVM. “Há menos burocracia envolvida, por isso pequenas e médias ofertas devem ser feitas com base na 476”, afirma Mescher, da Deloitte. Os descontos regulatórios tornam a emissão de ações pela Instrução 476 mais ágil do que pela 400 — calcula-se uma economia de três a cinco meses no processo. Os esforços restritos de venda exigidos pela norma (a oferta pode ser lançada a 75 investidores qualificados, dos quais 50 subscrevem as ações) também são uma vantagem no momento atual, já que podem acelerar a captação. Num cenário em que as companhias precisam estar preparadas para aproveitar qualquer mínima brecha para lançar ações, agilidade é, sem dúvida, um ingrediente que não pode faltar.


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