Esta coluna é escrita sob o impacto da notícia do falecimento do querido Luiz Leonardo Cantidiano, que ao longo das últimas décadas contribuiu continuamente com o debate acerca do desenvolvimento regulatório e institucional do mercado de capitais brasileiro. Não por acaso, em sua última contribuição como colunista da CAPITAL ABERTO, Cantidiano (como pedia para ser chamado por seus colegas) debruçou-se sobre as principais preocupações suscitadas pela então recentíssima MP 784.
Cantidiano destrinchou as principais novidades da MP para o processo administrativo sancionador (PAS), mas o texto também instigou uma reflexão: a nova lei não promoverá uma revalorização dos termos de compromisso (TC)?
Afinal, o TC é uma espécie de acordo entre a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e um particular que teria praticado alguma irregularidade no mercado de capitais. Em decorrência dele, o órgão regulador, em qualquer fase que preceda a tomada da decisão de primeira instância, deixa de punir o infrator; o particular, em troca, cessa a prática da atividade irregular e indeniza os prejuízos causados pela sua conduta. Quid pro quo.
Embora seja um instituto defendido com entusiasmo tanto pelo regulador quanto pelos acusados que respondem a um PAS, fato é que o TC sempre teve um impacto social muito restrito, especialmente enquanto instrumento de reparação dos prejuízos sofridos por investidores e pelas companhias.
Afinal, na perspectiva do acusado, a quem cabe a iniciativa de propor um TC, o acordo se insere em sua estratégia processual como uma tentativa de neutralizar o risco de imposição de uma pena — usualmente pecuniária no caso da CVM — em caso de juízo de mérito desfavorável por parte do regulador. Ocorre que, em um raciocínio bastante simplista, como até então a multa estava limitada ao montante de 500 mil reais, o TC costumava ser descartado em caso de ocorrência de prejuízos de alguma relevância financeira.
Esse fato pode ser comprovado pela análise da jurisprudência relacionada aos TCs. Ela revela que a “reparação do prejuízo” exerce usualmente um papel preponderantemente negativo — qual seja, o de impedir a celebração do TC tendo em vista que as propostas apresentadas não atendem a essa finalidade legalmente exigida. Poucas vezes o TC desempenhou um papel positivo, de servir como instrumento efetivo de indenização para aqueles lesados pela conduta de um acusado.
A MP 784, por sua vez, amplia não apenas o leque de sanções e ações corretivas para se lidar com diversos tipos de irregularidade, como fortalece — na visão de muitos, excessivamente — os limites punitivos da CVM. A título exemplificativo, caso vire lei, o novo limite de multa pecuniária foi multiplicado por mil e pode atingir o montante de 500 milhões de reais. Ou seja, com esses novos patamares, é possível pensar em estruturas negociadas de reparação de prejuízos mais complexas no mercado de capitais.
Nesse aspecto, portanto, a MP 784 oferece o instrumental necessário para que os TCs passem a exercer um novo papel dentro dos mecanismos de supervisão disponíveis para a CVM. Fica apenas o lamento de não contarmos mais com a inteligência de Cantidiano nos auxiliando, e ao regulador, a compreender e balizar essas novas possiblidades do instituto.
*Raphael Martins é advogado e sócio de Faoro & Fucci Advogados
Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.
Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.
User Login!
Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.
Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais
Ja é assinante? Clique aqui