O sistema de capitalização é adequado para sanar a previdência?
Modelo faz parte da reforma previdenciária proposta pelo governo Bolsonaro
Carlos Heitor Campani

Carlos Heitor Campani/ Ilustração: Julia Padula

SIM

O sistema de capitalização é parte da solução mais adequada para a reforma da previdência brasileira, mas desde que adotado com os devidos cuidado e responsabilidade. Na minha opinião, está claro que implementar o sistema de capitalização por si só seria economicamente inviável e socialmente aquém do ideal. Inviável porque o custo para a migração completa é enorme, impensável para a nossa economia, pelo menos por ora. E socialmente aquém do ideal porque acredito que o sistema previdenciário brasileiro deve ser utilizado de forma socialmente eficiente — o que aqui se traduziria como uma ferramenta de redistribuição de renda daqueles que mais têm para aqueles que mais precisam. Ademais, um sistema de capitalização puro e simples geraria aposentadorias muito baixas para as camadas mais pobres da sociedade.

Defendo que se adote um sistema híbrido, com a coexistência dos sistemas de repartição e de capitalização. O sistema de capitalização complementaria o sistema de repartição. Este teria um teto abaixo dos atuais R$ 5.839,45 e pouco acima de dois salários mínimos (que hoje corresponderiam a cerca de R$ 2 mil), de forma a garantir os mesmos direitos atualmente existentes para mais da metade dos trabalhadores — e, note o leitor, dos trabalhadores mais pobres. Os maiores salários, a partir desse novo teto do INSS, teriam sua renda na aposentadoria complementada pelo sistema de capitalização.

A capitalização deve ser parte da solução para a questão previdenciária no Brasil

O sistema de capitalização tem muitos méritos. Ele é transparente, por permitir que o trabalhador acompanhe seu saldo e sua rentabilidade. É sustentável e não gera déficit aos cofres do Tesouro, muito pelo contrário: ele ajuda a formar uma poupança social, que é excelente para a economia do País. Em última instância, uma boa poupança social ajuda a reduzir a necessidade de capital estrangeiro e pressiona as taxas de juros para baixo. O sistema de capitalização remuneraria o dinheiro dos trabalhadores de acordo com taxas de mercado, o que no longo prazo geraria uma riqueza adicional, por meio dos famosos juros sobre juros, mas nesse caso atuando a favor da população. Defendo um sistema em que o trabalhador seria estimulado, inclusive, a fazer contribuições adicionais, prevalecendo a meritocracia: quem mais poupar, mais ganhará ao se aposentar.

Um sistema híbrido teria condições de reduzir os custos da folha salarial corporativa, estimulando a geração de emprego. E, principalmente, criaria condições para, no médio prazo, zerar (ou pelo menos reduzir a níveis sustentáveis) o déficit da Previdência Social, fazendo sobrar dinheiro para investimentos em áreas prioritárias, como saúde, educação e infraestrutura.

Ressalte-se que esse sistema híbrido em nada reduziria a aposentadoria de mais da metade da população brasileira (justamente aquela com salários mais baixos). E os mais ricos contribuiriam proporcionalmente mais para o sistema de repartição e teriam um teto de aposentadoria reduzido. Esse “a mais” pago pelos mais ricos serviria exatamente para garantir a sustentabilidade do sistema de repartição e, em última instância, a aposentadoria daqueles que mais precisam. Estaria aí o mecanismo de transferência de riqueza das classes mais abastadas para as classes menos favorecidas.


Carlos Heitor Campani (www.carlosheitorcampani.com) é professor do Coppead-UFRJ


 

Kaizô Iwakami Beltrão

Kaizô Iwakami Beltrão/ Ilustração: Julia Padula

NÃO

Na discussão sobre melhores opções para um sistema previdenciário, é necessário que se estabeleça bem o ponto de partida: um modelo pode ter vantagens se começa num dado momento, sem passado, ou acumular desvantagens se já há um modelo (maduro ou não) a ser substituído. O Brasil tem um sistema com quase 100 anos, um passivo de beneficiários e trabalhadores em processo de aquisição de benefícios. Independentemente da forma de reconhecimento dos pagamentos já feitos por esses trabalhadores, o montante deve ser no mínimo na casa de duas vezes o PIB. Essa dívida, claro, poderia ser alongada, mas uma “geração-sanduíche” teria que arcar com ela e com sua própria aposentadoria.

Não se deveria considerar uma transição que pensasse tão somente no longo prazo, punindo gerações intermediárias — o que poderia levar a práticas de elisão fiscal pelos mais jovens, que tenderiam a buscar estratégias para legalmente driblar a alta carga de contribuições. É bom ter em mente, ainda, o propósito de qualquer sistema previdenciário: ser uma espécie de seguro para garantir renda quando da perda de capacidade laborativa, por idade avançada, doença, invalidez ou, no limite, falecimento. Usar uma política pública (como é a previdenciária) com um propósito bem definido, para outros fins — redistribuição de renda, proteção de vulneráveis, geração de empregos, criação de poupança nacional para investimentos, por exemplo — pode afetar sua eficiência quanto ao cumprimento de seu mandato original.

Há mitos em torno da capitalização, como a elevação da poupança nacional

Peter Orszag e Joseph Stiglitz escreveram um texto em 1999 ponderando os prós e os contras dos sistemas de aposentadoria, em particular o que listaram como mitos da capitalização. Eis alguns deles.

Contas individuais aumentam a poupança nacional. Não há evidências, teóricas ou práticas, para essa afirmação. A existência de um fundo nominativo do trabalhador pode criar a ilusão de que uma poupança pessoal não seria necessária, desestimulando outras possíveis reservas.

Taxas de retorno são maiores com capitalização individual. Os valores usualmente veiculados como taxas de retorno em sistemas de capitalização individual têm sido do fundo em si, e não das contas individuais. Para se calcular as taxas líquidas de retorno de contas individuais é necessário descontar as taxas de administração que podem consumir grande parte da rentabilidade (aparente) do fundo. Via de regra, contas com fundos menores têm custo proporcionalmente maior, o que cria um grau de inequidade no sistema.

Incentivos do mercado laboral são melhores com contas individuais. Ainda que contas individuais aumentem a transparência da relação entre a contribuição e o benefício, não existem evidências que esta seja uma preocupação para os trabalhadores de baixa renda. Para eles, a propensão marginal à poupança é muito reduzida e há sempre a alternativa (no caso brasileiro) do recebimento de um benefício assistencial, com um valor semelhante ao que seria obtido no caso previdenciário. Há que se considerar também que certas atividades, principalmente as rurais, são sazonais e não obrigatoriamente monetizadas, o que dificultaria um fluxo regular e contínuo de contribuições.


Kaizô Iwakami Beltrão ([email protected]) é professor da Ebape-FGV


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