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O Brasil infeliz
Com a bagunça política, a bonança fica para o futuro
, O Brasil infeliz, Capital Aberto

Evandro Buccini*/ Ilustração: Julia Padula

Meus três últimos artigos para esta coluna, publicados desde outubro de 2016, trataram de temas estruturais, principalmente da produtividade — variável essencial para o crescimento de longo prazo. Após sete meses, vale a pena voltar para a análise da conjuntura econômica e de seus indicadores, e imaginar como o futuro pode se desenrolar.

O Brasil entrava em um círculo vicioso preocupante antes do impeachment de Dilma. As medidas de desempenho da economia mostravam um país contraindo em velocidade cada vez maior. As variações do PIB de 2014 a 2016 foram de 0,1%, -3,8% e -3,6%, e em relação ao nível máximo, no final de 2013, o PIB caiu quase 10% — a maior recessão da história brasileira. A indústria produz hoje o mesmo que no final de 2008, pior momento daquela crise (a famosa “marolinha”). Em consequência da atual recessão, o desemprego pulou de perto de 6% em 2014 para quase 14% hoje.

Mesmo nesse enredo de filme de terror venezuelano, a inflação permanecia alta, com a desconfiança das pessoas em relação ao futuro e a desvalorização da moeda. Os economistas discutiam uma patologia chamada dominância fiscal, que significa a derrota completa do Banco Central na luta contra a inflação. A percepção das pessoas com o descontrole das contas públicas determinaria o aumento dos preços.

É verdade que depois do impeachment o crescimento não voltou na velocidade que gostaríamos e conforme indicavam as medidas de confiança dos empresários e dos consumidores. Os problemas eram mais profundos, frutos de anos de tentativas do governo de alocar capital em setores que não ofereciam os melhores retornos e de uma crise de crédito sem precedentes. Esta é a primeira crise verdadeira que o País atravessa tendo o crédito como uma variável relevante — desde o início da década passada, o crédito em proporção do PIB mais do que dobrou, para acima de 50%. Atualmente, com famílias e empresas endividadas, bancos não emprestam recursos e a alavancagem cai lentamente, e com crescente grau de inadimplência.

Entretanto, desde o final do ano passado, os indicadores concordam, unânimes, que a economia parou de piorar, mas com a volatilidade tradicional dessa etapa do ciclo econômico: alguns meses de crescimento e outros de queda. Hoje, o Focus indica crescimento do PIB de 0,5% neste ano e de 2,5% no ano que vem. Alguns economistas são mais otimistas e veem avanço de 1% em 2017 e de quase 4% em 2018. Não é uma recuperação vigorosa, mas é um alívio após os dois últimos anos. Neste ano contamos com a ajuda providencial da agricultura: a safra recorde de grãos será o grande impulso da economia.

Já em relação aos preços, o debate é mais pacífico. A maioria dos economistas concorda que a inflação permanecerá baixa por algum tempo por causa da ociosidade nos fatores de produção e da fraqueza dos preços de alimentos. Em junho, quando o IPCA acumulado em 12 meses estará abaixo de 3,5%, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deve tomar uma decisão que os economistas esperam há muitos anos: baixar a meta de inflação. A meta mais baixa tem efeito importante na condução da política monetária e também um impacto político, já que restringe as ações dos governantes, diminuindo o espaço para heterodoxias milagrosas de curto prazo. O político que defender uma meta maior terá a difícil tarefa de defender a inflação em rede nacional.

A maior recessão da história e a nova direção da política econômica provocaram a forte queda da inflação e abriram espaço para o expressivo recuo da taxa de juros. Após receber críticas a seu conservadorismo inicial, que ancorou as expectativas de inflação para prazos mais longos, o Banco Central começou a cortar a taxa de juros e conseguiu fazê-lo em velocidade muito maior do que se imaginava na virada do ano. Hoje, o Focus mostra que os economistas esperam que a taxa de juros fique em 8,5% do final de 2017 até o final do horizonte da pesquisa, 2021.

Para que a queda da taxa de juros seja sustentável, há que se ver o que acontece com a taxa de juro neutra, ou estrutural, da economia, obtida do equilíbrio de complicados modelos matemáticos — é a taxa que não estimula nem deprime a economia. Um trabalho recente, publicado na Revista Brasileira de Economia, de autoria de Fernando de Holanda Barbosa e outros[1], mostra que as diversas medidas estimadas estão entre 4% e 5%. Apesar de menor do que no passado recente, a taxa é muito mais alta que a de outros países emergentes. A expectativa é de que a continuidade de uma política econômica que vise aumentar a produtividade e melhorar o ambiente institucional leve a uma queda ainda maior da taxa estrutural. Se essa for também a diretriz da próxima administração federal, quem sabe a queda sustentável das taxas de juros aconteça nos próximos anos.

Vivemos em um momento importante para o futuro do País. Os últimos anos testaram os fundamentos econômicos estabelecidos entre a década de 1990 e o início dos anos 2000. Por pouco a presidente Dilma e seus assessores não destruíram essas instituições. O novo governo começou, aos poucos e sem muita convicção (afinal é um governo do velho PMDB), a reconstruir o que havia sido destruído e pode deixar uma boa base para o crescimento nos próximos anos. Mas, daqui a pouco mais de um ano, uma importante eleição dirá se a sociedade prefere esse caminho (não importa quem seja o líder, importam as políticas que implantar) ou o retrocesso ao capitalismo de comparsas, voltado para dentro e sem ganhos de produtividade. A consequência não é alta ou a queda da bolsa, mas o desenvolvimento do País.

Post scriptum

Este texto foi escrito antes da divulgação do conteúdo da delação premiadíssima dos donos da JBS, mas acredito que a maior parte do que escrevi permanece válido. O Brasil infeliz, continua a ser atingido por tempestades quando ainda está se recuperando da anterior. A bonança fica para o futuro. Obviamente, a bagunça política atrasará a tramitação da reforma da previdência, com risco considerável de o Congresso abandoná-la. Caso o presidente seja substituído, a principal bandeira da eleição indireta deverá ser a manutenção da direção da política econômica. O mais relevante é a conclusão do texto, que apresento nas últimas frases e que aqui repito: a eleição de 2018 será importante para garantir que prossigam os avanços institucionais dos últimos anos no combate à corrupção.


¹ BARBOSA, F. D. H.; CAMÊLO, F.; JOÃO, I. C. A Taxa de Juros Natural e a Regra de Taylor no Brasil: 2003-2015. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, dezembro 2016.


*Evandro Buccini ([email protected]) é economista da Rio Bravo Investimentos


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