Lições da crise financeira de 2008
No caso brasileiro, aprendizado parece não ter sido suficiente para enfrentamento de nova turbulência externa
crise financeira, Lições da crise financeira de 2008, Capital Aberto

Mauro Miranda*/ Ilustração: Julia Padula

Há dez anos, o mundo se viu mergulhado em uma crise econômica e financeira de dimensão comparável apenas àquela vivida na Grande Depressão, três gerações antes. Assistiu-se ao desfazimento de instituições financeiras icônicas, ao salvamento público de outras tantas, a uma desaceleração e recessão econômicas de alcance global e à perda de milhões de empregos. No Brasil, a crise de 2008 tardou a ser sentida, em comparação com o que acontecia nos EUA e na Europa. O que ficou de aprendizado dessa experiência nefasta? Três lições da crise parecem ter particular importância para o Brasil.

A primeira é que a economia brasileira, por ser aberta e fazer parte integral do mercado financeiro global, está sujeita a tempestades e a períodos de bonança criados por fatores externos. Hoje essa afirmação parece óbvia, mas a inserção do País no mercado internacional é um fenômeno recente. Depois do Plano Brady do início dos anos 1990, somente há cerca de duas décadas o Brasil voltou a acessar o mercado internacional de capitais, com a emissão de global bonds pelo Tesouro Nacional; surfou a onda do aumento de preço das commodities durante parte dos anos 2000, mas sofreu desaceleração quando a crise de 2008 chegou. A economia brasileira cresceu a uma taxa média de 4,8% ao ano no período entre 2004 e 2008, mas apresentou recessão (ainda que leve) em 2009. Ou seja: o País está inserido em um contexto internacional, para o bem e para o mal, e sentirá os efeitos de qualquer crise, mesmo que ela não tenha se originado por aqui.

A segunda lição é que a ampla regulação dos mercados não tem o poder de evitar crises financeiras. No pós-crise imediato, muitas vozes acusaram as autoridades por não terem imposto uma regulação financeira mais pesada. Entretanto, essa é uma visão estreita das causas da crise. O que fica como aprendizado é que não basta existir muita regulação — para ser útil e ajudar na prevenção de crises, ela precisa ser eficiente. Deve efetivamente proteger o investidor e permitir seu acesso a informações relevantes. Um prospecto com 400 páginas não é informativo, assim como um formulário de referência com 900 páginas não é útil. Os reguladores devem buscar simplificar as normas, torná-las eficazes e reduzir o respectivo custo de observância. Na esteira das recentes inovações, será cada vez mais ouvida a expressão regtech, que representa a aplicação de tecnologia para o cumprimento de regulação. Tanto empresas quanto reguladores devem adotar o quanto antes as inovações nessa área, o que aumentará a segurança dos mercados.

A terceira lição — talvez a mais importante — é que o Brasil só conseguirá mitigar os efeitos adversos de crises financeiras nascidas no exterior se estiver com a casa em ordem. Em 2008, a economia brasileira crescia e acumulava superávits primários bem acima de 3% do PIB a cada ano. Mesmo sendo um país emergente, de onde tipicamente o capital foge na direção de paragens mais seguras em momentos de crise, o Brasil suportou relativamente bem a crise de dez anos atrás. O mesmo não se pode dizer agora: o País enfrenta a pior crise fiscal de sua história e a economia tem um processo de recuperação muito lento. Uma nova crise financeira vinda de fora terá efeitos devastadores para a economia brasileira nesse cenário. E não há dúvida de que ela acontecerá — resta saber quando.

Pensando nessas lições, neste momento pós-Copa e pré-eleições, é compreensível o nervosismo dos participantes dos mercados financeiros e de capitais. Afinal, a casa não está em ordem; o Brasil está despreparado para um novo período de turbulência internacional. Não se pode evitar essa turbulência, mas é preciso ter em mente que a capacidade da economia brasileira para aguentar uma crise externa será tanto maior quanto menor for sua fragilidade. A década de 2010 foi perdida para o Brasil. Que o mesmo não aconteça com os anos 2020 e que o resultado das eleições deste ano permita a criação de condições para um futuro econômico mais condizente com o potencial do Brasil.


*Mauro Miranda, CFA ([email protected]), é presidente da CFA Society Brazil. As opiniões apresentadas neste artigo não representam, necessariamente, a visão das entidades às quais o autor está associado.


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