Diálogo entre um investidor estrangeiro e um brasileiro

, Diálogo entre um investidor estrangeiro e um brasileiro, Capital Aberto

Alexandre Póvoa*/ Ilustração: Julia Padula

Um investidor estrangeiro (E) encontra um velho amigo, um investidor brasileiro (B), em uma happy hour.
O bate-papo logo começa, animado.

E – Então, continuamos comprando?
B – Há oito anos, com juro zero no mundo, não fazemos outra coisa. Vamos surfando, mas a hora da verdade e da correção dessa anormalidade está cada vez mais próxima.
E – Que nada… Os bancos centrais garantem. Finalmente, no Brasil, o impeachment! Posso investir já?
B – Cenário clareando. Agora têm que sair as reformas e o BC tem que começar a baixar os juros.
E – Dá para ser otimista? Agora vai?
B – Pelo menos parou de piorar, interrompemos o caminho para o desastre. Durante o governo Dilma, a indústria de fundos teve um crescimento medíocre, mesmo assim graças ao sucesso dos fundos de previdência (haja concorrência desleal de CRIs, LCAs e LCIs!). R$ 130 bilhões foram resgatados de produtos de ações e multimercados, que perderam 12% (!) de participação no todo. Um pesadelo!
E – Mas os políticos são os mesmos? Temer era vice da Dilma… Confiar no PMDB?
B – É incomparável a qualidade da nova equipe econômica, começando pelo Ministério da Fazenda, passando por Banco Central, bancos estatais, BNDES e demais órgãos públicos. E certamente o Congresso vai aprovar as reformas. Não por convicção, mas para mudar a agenda. Interessante que assuntos como investigações, Lava Jato etc ajudam indiretamente na disposição do parlamentar em votar, ao contrário do que se poderia imaginar. Apesar da fotografia tétrica, estou otimista com o novo longa metragem fiscal.
E – Afinal, quando a Selic finalmente cai?
B – O mercado errou ao tentar antecipar a queda de juros quando o Ilan assumiu o comando. O BC, no discurso, conseguiu lentamente ganhos importantes nas expectativas. Mas a herança maldita da desastrosa gestão do Tombini está refletida na inércia. Os caras vão reduzir a taxa Selic devagar, para não jogar esse esforço todo pelo lixo. Devem começar com 25 pontos-base em outubro. Novamente, acho improvável que a autoridade monetária seja agressiva no ciclo de afrouxamento, como o mercado espera.
E – Que papo de cheirinho é esse?
B – Brincadeira por aqui… Cheirinho de queda de juros, de ajuste fiscal… (risos)
E – E a história da queda de preço da gasolina que foi noticiada? Não ajuda o BC?
B – Em tese, sim. A cada 10% de queda do preço da gasolina na bomba, existe um efeito direto aproximado de 0,3% no IPCA, fora o impacto indireto. Se a decisão valer a partir da segunda quinzena de dezembro, pega a inflação de 2017. Mas essa história não bate com as declarações recentes do CEO da Petrobras.
E – Como assim?
B – Depois da enorme destruição de valor ligada a um misto de corrupção e incompetência, a Petrobras sinalizou, na escolha do novo CEO, uma blindagem para as interferências políticas tão comuns em um passado recente. O mercado estava ansioso, e a empresa anunciou um plano de investimentos crível, que soou como música aos ouvidos dos investidores.
É verdade que, hoje, para recuperar os prejuízos da defasagem de preços do passado, a gasolina brasileira é a mais cara do mundo (25% de diferencial). Mas fica uma pergunta: se você tem uma empresa privada, vende seu produto com ganho relevante de margem e a concorrência das importações ainda está distante, qual é a lógica empresarial de reduzir os preços? Se isso acontecer, vai pegar mal, lembrando os prejuízos que a empresa teve nos últimos anos vendendo combustível barato para maquiar a inflação.
E – É melhor ficar de olho então! Estamos comprados na ação, apostando na história da desalavancagem e na competência da gestão responsável. Retrocessos não são admissíveis.
B – Agora é sua vez, gringo: fala aí o que está achando do cenário mundial.
E – Superdesequilibrado, quase neurótico. Tem aplicadores, apavorados, investindo cerca de US$ 15 trilhões em taxas negativas embutidas em títulos japoneses, alemães e suíços. Tem também investidores se alavancando em ações —afinal, os juros estão zerados há oito anos. Conservadorismo e arrojo extremos convivendo, bipolaridade perigosa.
B – Logo vão sair vários dados da economia americana. Tomara que mostrem uma recuperação consistente.
E – Tá maluco? Aí o FED sobe os juros! Tem que torcer para que indicadores fracos prevaleçam. Quanto pior, melhor, o juro continua zero e o dólar não se fortalece. Vai que eles sobem os juros e desarmam o pouco que a economia andou nos últimos anos…
B – Ué, mas dados econômicos ruins não vão contra os fundamentos que valorizam os ativos no longo prazo?
E – Lord Keynes já dizia que “no longo prazo, todos estaremos mortos.” O que importa é que o vício continua — sem juro zero e uísque não sobrevivemos!
B – Mas o Japão também não é um risco iminente? O iene já recuperou mais de 20% frente ao dólar em 2016!
E – Como vocês dizem, tá tudo dominado. Você não viu que o BC japonês garantiu que vai dominar a curva de juros longa?
B – Mas isso vai contra a teoria econômica! BCs têm poder sobre a parte curta da curva.
O mercado estabelece a precificação da parte longa. O arsenal já está tão esgotado que o Kuroda resolveu até queimar livros de economia.
E – Bobagem, as autoridades monetárias podem tudo. Até jogar dinheiro de helicóptero!
B – Mas isso não está ficando perigoso? A produtividade das principais nações despencando e as economias, sem exceção, não reagem à altura do juro zero há oito anos, o que provoca alocação ineficiente de ativos e consequente dano à produtividade, como em um círculo vicioso que começa a ameaçar o PIB potencial.
E – Muita teoria… o juro zero garante tudo!
B – E na Europa, crise bancária de novo?
E – Não acredito que, depois da operação-mostro de resgate de 2011, os governos europeus vão colocar tudo a perder.
E olha a China surpreendendo com números positivos!
B – É verdade, as commodities pelo menos parecem ter encontrado um piso. Mas não foge do assunto político: se ganhar o Trump, estamos todos ferrados. O cara vai ser protecionista ao extremo, afetando o comércio mundial, e vai questionar até a dívida pública.
E – Viu o último debate? Massacre da Hillary. Nem a Monica Lewinsky tiraria ela do sério, apesar da agressividade do Trump. Chance baixa desse sujeito.
B – Mas tem Yellen, Fischer e companhia, todos prometendo subir os juros.
E – Antes das eleições americanas, chance pequena. O pessoal do FED realmente elevou o tom do discurso, tanto no comunicado pós-reunião como em falas dos seus membros. Mas na atualização das estimativas dos resultados dos próximos encontros, os dots, os membros do FED reduziram as expectativas do processo de normalização monetária — adiaram o tempo e a intensidade das futuras altas de juro.
E – Então, continuamos comprando?
B – Há oito anos, com juro zero, não fazemos outra coisa. Vamos surfando, mas a hora da verdade e da correção dessa anormalidade está cada vez mais próxima.

A vida dos investidores continua. Difícil é prever o que os livros de história econômica contarão daqui a dez anos.


*Alexandre Póvoa ([email protected]) é presidente da Canepa Asset Brasil e autor dos livros Valuation, como Precificar Ações e Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor


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