Boicotes
Empresas por vezes criam as próprias armadilhas
Boicotes

Ilustração: Rodrigo Auada

No final de 2018, uma cadela morreu, aparentemente após ser golpeada pelo segurança de conhecida rede varejista. São acontecimentos comuns. Nas lojas, nos bancos e em casas noturnas, também os humanos são vítimas, muitas vezes por suspeitas infundadas, revelando as orientações equivocadas desses truculentos seguranças. Parecem, como está na moda dizer, pitbulls.

Em outra vertente, marcas de luxo não hesitam em esfolar e jogar fora. A centenária Burberry colocou ambientalistas em pé de guerra, ao anunciar a incineração do equivalente a 28 milhões de libras esterlinas em produtos não vendidos, muitos confeccionados com peles de animais.

Problemas da espécie ocasionam boicotes dos consumidores, especialmente nesses tempos de comércio pet friendly estimulando a afeição dos humanos pelos bichos.

Ao contrário, as fraudes da Volkswagen na emissão de poluentes ou o explosivo Galaxy Note 7, da Samsung, não provocaram boicotes aos produtos dessas marcas. As reações são mais frequentes quando se trata de agressões aos animais.

A questão, para o mercado, é a possibilidade de a administração prevenir tais reações, evitando perda de receita, que penaliza os acionistas. Nos recentes casos de corrupção envolvendo gigantes empresariais, ações judiciais movidas por investidores resultaram em indenizações. Na hipótese dos boicotes previsíveis (como consequência de condutas inaceitáveis), essa possibilidade deve ser seriamente considerada pela governança.

O tema comporta variações. Na política, por exemplo, o leque é amplo. Geralmente, o boicote é praticado nas eleições, por meio dos votos nulos, brancos e abstenções que, no último pleito presidencial brasileiro, somaram 42,1 milhões (21,3% dos eleitores). Essas opções certamente decorrem da percepção crescente de que os governos se mostram insensíveis, ou incapazes, em face das demandas coletivas.

Os papéis podem se inverter, como aconteceu há 70 anos, nos EUA, durante o macartismo. O esperto senador McCarthy promoveu boicotes, perseguições e até prisões, contra quem (segundo ele) desenvolvia atividades antiamericanas. Gente do cinema foi boicotada, não pela má qualidade ou por atitudes reprováveis, mas por opções políticas. Coisas assim demonstram, na prática, o postulado de Giacomo Matteotti — o fascismo não é uma opinião, é um crime.

Só quando o presidente Kennedy assumiu, aquela caça às bruxas, mostrada em filmes como Nosso Amor de Ontem (1973), Testa-de-ferro Por Acaso (1976), Uma Carta para Elia (2010) e Trumbo (2015) foi varrida. Pena que, periodicamente, se repita, aqui e ali.

Trotsky dizia que o fascismo é a tática de reserva da chamada burguesia. Pode ser, pode não ser, mas realmente é intrigante a leniência com que as sociedades absorvem ideias extremistas, um fenômeno observado em todas as camadas sociais. Talvez seja coisa de raiz que, vez em quando, sai do armário, feito epidemia, como mostrou Bertolucci no filme O Conformista (1969).

Coco Chanel, a lendária estilista, era antissemita, colaboracionista, foi amante de um espião nazista e trabalhou para a Abwehr. Ao final da Segunda Guerra, chegou a ser detida pela Resistência e, em 1946, interrogada no Tribunal de Paris, revelou-se também uma mentirosa descarada.

Mesmo naqueles tempos, não se tem notícia de boicote aos produtos com seu nome. E o Chanel nº 5 ainda perfuma o mundo.


Carlos Augusto Junqueira de Siqueira, advogado, é autor da seção “Crônica”, publicada a cada dois meses na Capital Aberto


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