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À margem do jogo
Bancos ampliam a fatia dos IPOs reservada para as pessoas físicas, mas, na prática, a mudança tem pouco efeito

, À margem do jogo, Capital Aberto

 

Eles pediram, bateram o pé e, por fim, conseguiram. De um ano para cá, as pessoas físicas garantiram, pelo menos no prospecto, o direito de ter uma participação maior nas ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês). JBS, Even, JHSF Participações e Bematech, que abriram o capital entre março e abril do ano passado, marcaram a virada. Previram uma alocação de até 20% das ações para o varejo, bem superior aos tradicionais 10%. Nos meses seguintes, a moda pegou, e reservar até um quinto da oferta para as pessoas físicas virou rotina. A notícia poderia ser comemorada por aqueles que defendem a participação do varejo nessas operações, não fosse um detalhe: na prática, nada mudou.

O aumento do percentual reservado para esse público atendeu a uma bandeira hasteada por empresas e outros agentes do mercado. Soou positivo no papel, mas os bancos continuaram fazendo a mesma alocação que praticavam antes, ou seja, abaixo de 10%. Quando o prospecto deixa uma margem variável na definição da oferta de varejo, eles não são obrigados a atender o que extrapola a percentagem mínima definida. Em princípio, a alocação de recursos é decidida em conjunto com a companhia. Contudo, na queda-de-braço para atender os interesses de todos os envolvidos, a disputa pende para quem tem mais poder de fogo — no caso, os investidores institucionais, principalmente os estrangeiros.

Houve casos em que, a despeito do aumento do percentual reservado, as pessoas físicas tiveram suas compras limitadas e ficaram com uma fatia pequena. Veja-se o exemplo da Even, que veio a mercado em abril do ano passado: embora a reserva variasse entre 10% e 20%, o investidor de varejo não pôde levar mais do que R$ 3.576 em ações da companhia. No total, esse público arrematou módicos 6,8% da emissão.

MENOS INTERESSE — A manutenção do rateio não é o único efeito contraditório da decisão dos bancos de ampliar o volume reservado para o varejo. Em alguns casos, a participação desses investidores caiu devido a uma baixa na demanda. Amil e Helbor tiveram apenas 3,6% e 3,3% de suas ações compradas por pessoas físicas. O BIC Banco, somente 4,5%. Nos três casos, os pedidos desses investidores foram atendidos integralmente. Os dois IPOs mais recentes, de Le Lis Blanc e Hypermarcas, não haviam divulgado os resultados finais até o fechamento desta edição. No segundo, sabe-se que houve rateio entre os investidores pessoas físicas. Mas, no da Le Lis Blanc, os pedidos do varejo foram totalmente atendidos — o que pode ser um indicador de demanda reduzida.

, À margem do jogo, Capital AbertoDuas razões ajudam a entender por que as pessoas físicas se desinteressaram pelos IPOs em casos como Amil, Helbor, BIC Banco e, provavelmente, Le Lis Blanc, apesar de todas serem marcas conhecidas do público. A primeira está ligada aos reflexos da crise do subprime, nos Estados Unidos. “Um dos filtros usados pela pessoa física é o da volatilidade. Se o risco no mercado está maior, o investidor se arrisca menos”, diz Jansen Costa, diretor de homebroker da Ativa Corretora. “O cliente está mais seletivo. Hoje ele não compra qualquer coisa. Até um mês atrás, antes da chegada do investment grade, o mercado estava muito volátil.” Costa afirma que, para papéis que despertem muito interesse, o aumento de percentual previsto nos prospectos pode até fazer sentido. Mas alerta que o apetite do varejo diminuiu muito. Para ele, em empresas com menos apelo junto ao público, a parcela de 20% nem se justifica.

Costa cita a baixa procura do varejo por ações da Amil para se referir a um outro aspecto da decisão de investimento desse público. Num IPO, explica, os aplicadores de varejo procuram um balizador do mercado, como uma empresa do mesmo segmento, para tentar adivinhar como será o desempenho da novata. “Logo antes da operação, a Medial caía 7%, o que levou o investidor pessoa física a concluir que não poderia entrar no setor. De uma forma geral, ele não tem capacidade de olhar para o preço justo da empresa, só para o conjunto das informações”, diz o executivo da Ativa. “Nessas horas, papéis de segunda linha sofrem.”

O segundo motivo que levou a pessoa física a pensar duas vezes antes de acionar sua corretora foi o mecanismo anti-flipper introduzido pela Bovespa no ano passado. O flipper é aquele investidor que compra o papel no IPO com intenção de vender no mesmo dia, apostando numa forte valorização em curto espaço de tempo. Ao perceber o grande volume de flippers no mercado nos últimos dois anos, a Bovespa criou um mecanismo que privilegia o investidor mais consciente. Por meio dele, no processo de alocação da oferta, investidores que fliparam nos IPOs anteriores vão para o fim da fila. Estreado na abertura de capital da própria Bovespa, o filtro apareceu também nas ofertas de BM&F, Gerdau, Le Lis Blanc e Perdigão.

Com isso, o investidor percebeu a necessidade de selecionar suas “flipagens” para não ser barrado nas operações mais lucrativas do ano. “Nosso cliente tem ficado tão preocupado com o próximo IPO, que começa a calcular em qual ele vai poder flipar ou não”, diz Costa, da Ativa. Para as corretoras, embora o filtro ajude a focar no cliente que busca uma aplicação de mais longo prazo, os ganhos diminuem, uma vez que o número de transações cai.

CONFLITO DE INTERESSES — Com tantos acionistas interessados em participar da estréia em bolsa e logo pular do navio, faz sentido para as empresas privilegiar quem busca um casamento mais duradouro. A contrapartida, contudo, é a provável perda de liquidez dos papéis. Veja-se o caso da Helbor: a companhia teve suas ações lançadas a R$ 11, chegou a R$ 12,84 e, em 20 de maio, mostrava uma cotação de R$ 9,30. “Como no caso da grande maioria das listadas, um dos problemas é a baixa liquidez. Apenas entre 10% e 15% do capital da companhia, que tem free float de 48%, são negociados diariamente”, afirma Rodrigo Krause, diretor de Relações com Investidores (RI) da empresa.

Para os bancos, a alocação dos recursos no IPO é um conflito a administrar, já que eles têm a missão de conciliar os interesses de emissores e investidores. Os grandes aplicadores se tornam extremamente atraentes, por serem clientes promissores para os bancos. Além disso, permitem uma margem de ganho maior, uma vez que a venda não passa pelas corretoras encarregadas da distribuição para o varejo. “Uma alocação ótima é algo subjetivo. É difícil saber qual o percentual ideal para ser reservado às pessoas físicas”, explica Ronald Herscovici, sócio do escritório Souza Cescon.

Mesmo com a especulação declarada dos flippers e a necessidade dos bancos de atender às demandas dos investidores institucionais, há defensores ferrenhos da participação da pessoa física no IPO. Alexandre Póvoa, diretor do Modal Asset Management , já defendia, dois anos atrás, o aumento para 30% da parcela alocada aos investidores pessoas físicas nas ofertas. Ele reivindicava também uma reserva de 60% para os aplicadores nacionais. “Criamos uma dependência grande do investidor estrangeiro.” Póvoa acredita que as pessoas físicas são fundamentais para o desenvolvimento do mercado. Por isso, defende, é preciso que existam condições reais de participação do varejo nas ofertas.


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