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A mão que balança o mercado
De acordo com as conveniências, Estado muda regras e interfere no rumo dos investimentos privados

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Quando agem livremente para satisfazer seus próprios interesses, indivíduos acabam beneficiando a sociedade como um todo mesmo sem querer, como que conduzidos por uma “mão invisível”. A teoria, pregada por Adam Smith no século 18, perdeu força muitos anos e crises depois. No mercado de capitais brasileiro atual, por exemplo, paira outro tipo de mão, de modo flagrante — a do Estado, que também atua em benefício próprio. Nesses casos, porém, não exatamente favorecendo a todos.

A fim de cumprir metas de superávit e de inflação, o Estado busca encher os cofres do Tesouro e enxugar a base monetária. Três casos recentes comprovam que, para a realização desse plano, regras são mudadas de uma hora para a outra, conforme a necessidade do governo. Um deles é a cobrança de compulsório em depósitos interfinanceiros de empresas de arrendamento mercantil (leasing). Segundo dados do Banco Central (BC), as leasings escoaram para os bancos R$ 160 bilhões até novembro de 2007. Grande parte desses recursos eram obtidos por meio da emissão de debêntures das leasings, que se transformou num formidável canal de captação para os bancos.

Instituições financeiras são proibidas de captar recursos através do lançamento de debêntures. Mas nada as impedia de fazê-lo por meio das leasings que controlam, subscrever esses títulos e repassá-los a clientes interessados. A estratégia era excelente para os bancos, pois, enquanto a captação via Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) sofre um compulsório de 23%, os recursos arrecadados pelas leasings com as debêntures são isentas de recolhimento.

Disposto a encarecer o crédito, o Banco Central secou essa fonte de recursos. Em 31 janeiro de 2008, publicou a circular 3.375, determinando o recolhimento compulsório de 25% sobre as transferências de recursos das leasings para os bancos por meio de depósitos interfinanceiros. Segundo uma fonte ligada ao BC, o objetivo da medida foi trazer isonomia entre as formas de captação dos bancos. No entanto, desde 1996, conforme a resolução 2.309, do Conselho Monetário Nacional, essa modalidade de transação entre bancos e leasings é permitida (veja quadro abaixo). Por que o Banco Central decidiu agir só agora? Para Luciano Araújo, sócio-diretor da estruturadora de operações Hampton Solfise, a resposta a essa pergunta está nas metas de superávit da União. “O depósito compulsório é um clássico da política monetária”, afirma.

DIVIDENDOS JÁ — A fome da União por dinheiro em caixa também começou a avançar sobre os gordos dividendos da Eletrobrás. Por vários anos, entre 1979 e 1998, a estatal deixou de distribuir os lucros, alegando dificuldades financeiras e necessidade de recursos para investimentos. Mas nunca os minoritários aceitaram bem essa história. Um grande investidor institucional brasileiro contestou insistentemente, sem sucesso, as demonstrações financeiras da empresa. “De tanto dar soco em ponta de faca”, esse investidor encerrou sua participação na estatal, segundo uma fonte ligada a ele, que preferiu não se identificar.

O total devido aos acionistas ordinaristas chega a R$ 8,15 bilhões (valor atualizado pela Selic em 31 de março de 2008). Desse montante, R$ 4,6 bilhões cabem à União, que detém 53,99% do capital com direito a voto. Na visão do departamento de análise da Link Corretora, há sinais de que a solução para o pagamento desses dividendos deve sair em breve. Mais uma vez, a mão do Estado move os pauzinhos. Em junho, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, apresentou ao presidente Lula uma proposta de corte de mais de R$ 14,2 bilhões do Orçamento Geral da União. A medida seria fundamental para que o governo atingisse a meta de superávit primário, elevada de 3,8% para 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de maio.

Bernardo afirmou publicamente que R$ 4 bilhões dessa economia virão do recebimento de dividendos de estatais. “Nos últimos anos, temos tido uma política de não receber todos os dividendos, até para permitir que as empresas façam investimentos. Provavelmente, vamos diminuir essa flexibilidade, vamos querer receber, o que aumenta a nossa receita”, disse ele à Agência Brasil, empresa de comunicação do governo federal. Isso não foi suficiente para entusiasmar André Segadilha, gerente do departamento de análise da Prosper Corretora. Ele diz ser difícil fazer qualquer tipo de previsão sobre os proventos retidos pelo fato de a companhia sofrer forte interferência do governo federal em sua gestão. “Por mais que esteja otimista com o setor elétrico, o mercado embute um desconto na ação da companhia por ser estatal”, argumenta o analista.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Eletrobrás informa que há muito tempo tenta equacionar os problemas dos dividendos, uma demanda de todos os investidores, e não só da União. A empresa nega a existência de pressão do Planalto sobre o desembolso. Contudo, o Estado não está alheio à discussão. “O sucesso dessa operação, pela magnitude do valor envolvido, necessita de uma negociação prévia com o acionista majoritário”, afirmou o diretor financeiro e de Relações com Investidores (RI), Astrogildo Quintal, em fato relevante divulgado em 2 de junho.

UMA MÃO LAVA A OUTRA — E quem diria que uma ajuda para a Eletrobrás honrar seus compromissos viria do Estado de São Paulo? O empurrãozinho pode ser dado com o leilão de privatização da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). O edital do leilão, divulgado em 29 de fevereiro (SF/001/2008), definiu como alvo da oferta pública por aquisição de controle as ações preferenciais classe A. Como se sabe, o direito do acionista minoritário de vender suas ações em caso de alienação de controle, o chamado tag along, está previsto no artigo 254-A da Lei das S.As. O dispositivo determina que o preço pago por ação do minoritário deve ser, no mínimo, 80% do valor pago por papel do bloco de controle. No entanto, a lei concede o tag along apenas a ações ordinárias, com direito a voto. Ações preferenciais estariam de fora. No edital, a Cesp afirma que as ações preferenciais classe A adquiriram poder de voto devido ao não-pagamento de dividendos por mais de três anos consecutivos. E se “esquece” de que esse direito de voto das preferenciais é restrito, como a própria companhia define em seu relatório de informações anuais (IAN). Se a Cesp tivesse dúvidas sobre esse ponto, elas poderiam ser dissipadas com a leitura da Instrução 361 da CVM. O artigo 29 da norma afirma que a OPA por alienação de controle deve ser dirigida às ações de emissão da companhia detentoras de “pleno e permanente direito de voto”.

Questionada pela CAPITAL ABERTO, a Cesp afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que a inclusão das ações preferenciais classe A, além das de classe B e das ordinárias, teve como objetivo beneficiar a todos os acionistas da empresa. A Eletrobrás é que deve ter gostado da boa vontade da Cesp, pois detém 82,02% das preferenciais classe A. O preço pago na OPA será definido com base no resultado final do leilão. Tomando-se como referência o preço mínimo do leilão estabelecido pelo edital, de R$ 49,75 por ação, a Eletrobrás poderá faturar nesse negócio, pelo menos, R$ 331 milhões. Uma fonte do mercado vê nesse “detalhe” uma ótima moeda de troca do Palácio dos Bandeirantes com o Planalto. A grande pedra no caminho do leilão da Cesp são as incertezas quanto à renovação das concessões de usinas hidrelétricas, que expiram em 2015. Uma eventual mudança das regras depende, novamente, da mão do Estado. A história mostra que ela não costuma falhar.

Entendimento sobre resolução é controverso

Engana-se quem pensa que o BC sossegou com as debêntures. Agora, a instituição estuda até retaliar os bancos que subscreveram os papéis emitidos pelas empresas de leasing. Conforme apurou a CAPITAL ABERTO, o entendimento do departamento jurídico do BC é de que a compra seria um afronta à resolução 2.595, de 1999, do Conselho Monetário Nacional. O regulamento alterou a resolução 2.309, de 1996, que permitia às leasings receber “empréstimos, repasses de recursos e garantias de instituições financeiras controladoras, coligadas ou interdependentes”. A 2.595 retirou a palavra “controladora”, proibindo, na visão do BC, as subscrições de debêntures conduzidas pelos bancos desde então. “Quem fez errado, não tem jeito, corre o risco de ser punido”, diz uma fonte ligada ao BC.

António Aires, sócio do escritório Demarest & Almeida Advogados, tem uma opinião diferente. Segundo o advogado, o termo “controladora” teria sido suprimido do texto por ser desnecessário. Afinal, até a lei 6.099, de 1974, sobre a tributação de operações de leasing, menciona só “interdependentes e coligadas”. E a resolução 2.309 tratou de trazer definições a esses termos. O artigo 27 considera coligada ou interdependente, entre outras situações, a pessoa que participar com 10% ou mais do capital da “entidade arrendadora”. “A idéia de controle está presente nesse conceito de interdependência”, observa Erick Frederico Oioli, do Levy & Salomão Advogados. (D.G.)

BNDES concorre com investidores

Houve um tempo em que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) era praticamente a única fonte de financiamento de longo prazo das empresas brasileiras. De 2004 para cá, a exuberância de mercado de capitais veio derrubar esse paradigma. Tanto que hoje o banco ressalta sua função de fomentador das ofertas iniciais de ações (IPOs). “O papel do BNDES é incentivar a abertura de capital”, diz Eduardo Rath Fingerl, diretor responsável pela área de mercado de capitais da instituição. Mas, com sua política de concessão de empréstimos subsidiados e investimentos em grandes empresas, o banco também tem sido encarado como um concorrente de peso para agentes privados do mercado.

Em abril, a BNDESPar, empresa de participações do banco, tornou-se sócia da Bertin S.A., subsidiária do grupo Bertin que se preparava para o IPO. Ao garantir a bolada de R$ 2,5 bilhões do banco de desenvolvimento, a S.A., dona de faturamento bilionário, decidiu adiar a estréia na Bovespa. Hoje, nem sabe dizer quando deve retomar o processo. Episódios como esse, na opinião do diretor-presidente do Ibmec São Paulo, Claudio Haddad, revelam que o BNDES foge de sua missão de corrigir distorções do mercado, financiando setores sem acesso a capital. “Não há como justificar investimentos subsidiados em empresas que já têm porte e podem recorrer ao mercado e lançar ações”, diz o economista.

Para ele, é mais controversa ainda a injeção de recursos do BNDES na Vale, que tem uma linha de crédito com juros subsidiados de cerca de 8% ao ano. A controladora Valepar, que tem entre seus acionistas a BNDESPar, deve acompanhar o aumento de capital de US$ 15 bilhões anunciado em junho pela mineradora. Caso isso realmente ocorra, o BNDES deve colocar mais de R$ 400 milhões na emissão primária. “Se o objetivo do BNDES fosse maximizar os lucros investindo em grandes grupos econômicos, nem deveria conceder empréstimos subsidiados”, critica Haddad.

Não só a bolsa, como também a indústria de fundos de capital de risco tem se incomodado com a atuação do BNDES. Um gestor de fundo de capital-semente conta que já perdeu oportunidades por causa dos empréstimos-pechincha da instituição. “Empresas menores precisam, além de dinheiro, aconselhamento sobre gestão e governança. O BNDES está equipado para suprir essas carências?”, questiona o gestor. Com a iniciativa privada em plena ebulição, o papel do BNDES merece mesmo ser repensado. (Danilo Gregório e Yuki Yokoi)


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