A bolsa dá as cartas
BM&FBovespa confirma seu monopólio ao ditar as regras para negociação de BDRs não patrocinados

, A bolsa dá as cartas, Capital AbertoDesde 2008, quando a Securities and Exchange Commission (SEC) dispensou os emissores estrangeiros de registro para negócios em balcão (nível 1) se atendidas algumas condições mínimas, os ADRs chamados de não patrocinados se multiplicaram. De um total de 222, um mês antes de a regra ser lançada, eles atingiram 1.070 programas no fim de abril. Sua principal característica é serem emitidos por conta e risco do banco depositário, sem a participação das companhias emissoras — daí o termo “não patrocinado”. Para os bancos, esses recibos tornaram-se um filão de negócios. Empresas como Nintendo, L´Oreal, Heineken e Fujifilm têm hoje quatro depositários cada patrocinando seus ADRs de balcão e concorrendo entre si. Os , A bolsa dá as cartas, Capital Abertobancos lucram com a cobrança de uma taxa a cada emissão ou cancelamento do ADR, que é paga pelo investidor ao negociar o papel. Agora, graças a uma iniciativa da BM&FBovespa lançada em abril, os recibos não patrocinados podem começar a fazer sucesso também no Brasil, na forma de brazilian depositary receipts (BDRs). O plano é oferecer ao investidor local a possibilidade de aplicar em recibos de ações de companhias estrangeiras como Google e McDonald’s a partir da BM&FBovespa.

As bases criadas pela Bolsa para essas transações, contudo, são completamente diferentes do que existe lá fora. A começar pelo ambiente de negociação. Nos Estados Unidos, por exemplo, os ADRs não patrocinados são negociados apenas em mercados de balcão organizado. Os mais tradicionais são o Pink Sheet e o Bulletin Board, e o mais recente é o Nyse ArcaEdge, uma plataforma de balcão lançada pela Bolsa de Nova York em março deste ano. Aqui, embora a Bolsa diga que eles transacionarão em mercado de balcão, na prática os BDRs não patrocinados serão mais um ativo do MegaBolsa, o sistema de negociação regular da BM&FBovespa. Outra diferença é que eles provavelmente continuarão sendo negociados somente na bolsa paulista, já que não existem mercados concorrentes à altura.

O monopólio da BM&FBovespa, aliás, explica boa parte das características do projeto de recibos não patrocinados desenhado por ela. Sem temer que os bancos depositários negociem os recibos em outras praças, a Bolsa resolveu ditar as regras. Proibiu, por exemplo, que os bancos concorram entre si negociando o DR de uma mesma companhia, como acontece nos Estados Unidos. O processo vai se dar a partir de licitações abertas pela Bolsa para aquisição do direito de oferecer os recibos com exclusividade. Para participar do “leilão”, o banco deverá concordar em garantir um determinado volume de negociação dos recibos. Isso significa que, caso os investidores não negociem o mínimo garantido, o banco deverá pagar os emolumentos contratados da mesma forma. Vencerá a instituição que oferecer o maior volume garantido. Cada leilão dará o direito de emitir recibos para dez empresas, escolhidas a critério do banco.

O edital da Bolsa também define um teto para a taxa a ser cobrada do investidor. No mercado norte-americano de não patrocinados, como vários bancos oferecem DRs de um mesmo emissor, a concorrência entre eles arbitra o preço. Aqui, cada banco vencedor terá o monopólio sobre um grupo de dez companhias, o que levou a BM&FBovespa a estabelecer regra para evitar abusos de preços. Assim, os bancos participantes ficam obrigados a cobrar, no máximo, R$ 0,10 por emissão ou cancelamento do DR. Nos Estados Unidos, devido à concorrência, a taxa flutua. Em média, fica em torno de US$ 0,05.

O primeiro banco a explorar os BDRs não patrocinados, contudo, já está escolhido: será o Deutsche Bank. Interessado na oportunidade de desbravar o segmento, o banco alemão saiu na frente e propôs à Bolsa um projeto de parceria para o segmento de DRs não patrocinados, razão pela qual a BM&FBovespa lhe deu prioridade para estrear. Mas a licitação para os demais interessados já está aberta. O prazo para envio das propostas vai até o fim de maio, e o vencedor será anunciado no dia 26 de junho, quando se abrirão os envelopes. Apenas a proposta do ganhador será divulgada.

Julio Ziegelmann, diretor de renda variável da BM&FBovespa, justifica a exigência de garantia de volume: “É interesse da Bolsa desenvolver o mercado, e por isso faz sentido escolher o banco que mais se esforçará para desenvolver o produto”, afirma. A boa intenção não alivia a indignação de um executivo do mercado ouvido pela CAPITAL ABERTO, que pediu para não ser identificado. “É um absurdo. Como pode a Bolsa determinar o que cada banco irá fazer?”, questiona. Ele levanta dúvidas sobre o direito da Bolsa de limitar cada instituição ao patrocínio do recibo de um emissor. A Instrução 332 da CVM caracteriza como programa de BDR não patrocinado aquele “instituído por uma ou mais instituições depositárias emissoras de certificado”.

De acordo com advogados ouvidos pela reportagem, o modelo escolhido não infringe a norma da CVM. “A Bovespa tem o direito de estipular uma regra para o seu ambiente de negócios”, afirma Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do Motta, Fernandes Rocha Advogados. Maurício Menezes, sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, segue a mesma linha: “A Bolsa pode autorregular o mercado que está criando”, diz. Os advogados observam que, em tese, nada impede que a BM&FBovespa venha a ter um concorrente e que este, por sua vez, abra o seu mercado para os bancos atuarem livremente.

Essa concorrência, contudo, não seria fácil. A plataforma adversária já começaria em desvantagem, uma vez que provavelmente se trataria de um mercado de balcão organizado típico. Na BM&FBovespa, os BDRs vão negociar em pleno MegaBolsa, com ampla visibilidade — cotações e ordens enviadas aparecerão, lado a lado, nas telas de negociação das ações de companhias brasileiras. A possibilidade de uma outra bolsa de valores concorrer é ainda mais remota, devido ao modelo vertical e integrado da BM&FBovespa. Além de ser a única bolsa de valores do País, ela detém o sistema de liquidação.

DIVERSIFICAÇÃO — Ainda que constituído sob um monopólio, o mercado de BDRs não patrocinados da BM&FBovespa tem vários aspectos positivos. Os recibos de ações serão mais uma opção para os gestores de fundos que podem aplicar em ativos no exterior. No caso dos multimercados, essa parcela é de 20% do patrimônio. A experiência de outros países latinos mostra que os BDRs podem atingir, com o tempo, volumes significativos de negociação. Ricardo Nascimento, diretor de custódia do Deutsche Bank no Brasil, lembra que na Argentina os recibos representam entre 10% e 20% do volume de negociação diário. No México, essa participação varia de 20% a 35%. “Nós antevimos que haveria a necessidade de um mercado como esse no Brasil”, diz Nascimento.

Felipe Claret, superintendente de registro de valores mobiliários da CVM, área que será responsável pela aprovação dos programas, também está otimista. “Quanto maior o número de companhias e de ativos, melhor para o mercado”, diz. Previstos desde 2000 no normativo da autarquia, os BDRs ficaram todos esses anos adormecidos. Não fosse a iniciativa da Bolsa, é possível que eles continuassem apenas como um capítulo da regulação.


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