Quando se acerta errando: a (re)presentação de pessoas jurídicas em assembleias
29/1/2015
, Quando se acerta errando: a (re)presentação de pessoas jurídicas em assembleias, Capital Aberto

Raphael Martins*/ Ilustração: Julia Padula

A análise das decisões administrativas e judiciais às vezes contém fundamentos que provocam profunda estranheza no jurisdicionado. A referência aqui não é feita aos argumentos que podem ser contrapostos por outros mais consistentes, mas àqueles que, por qualquer ângulo que se analise a matéria, não seriam nem remotamente aplicáveis ao caso.

Essas situações acontecem normalmente quando se inverte o processo natural de formação do convencimento e a decisão — consciente ou inconscientemente — antecede à análise dos argumentos. É quando, já tendo decidido o caso, o magistrado passa a coletar argumentos que embasem o seu juízo e, na falta deles, muitas vezes apela. Afinal, o importante seria o mérito e não a argumentação, em que pese a falta de respaldo democrático para tanto.

Um exemplo recente do fenômeno ocorreu no julgamento do Processo RJ-2014-3.578, em que a CVM decidiu, ao interpretar o parágrafo 1o do artigo 126 da Lei das S.As., que “as pessoas jurídicas podem se fazer representar [em assembleias gerais] tanto por meio de seus representantes legais quanto por meio de mandatários devidamente constituídos, de acordo com os atos constitutivos da sociedade e com as regras do Código Civil”.

Para entender o caso, lembremos o que estabelece o referido artigo: o acionista pode ser representado na assembleia geral por procurador que atenda aos requisitos ali definidos (constituído há menos de um ano, seja acionista, seja administrador da companhia, advogado ou ainda, nas companhias abertas, instituição financeira). Aqui, discute-se representação, isto é, um terceiro ser nomeado para participar de uma assembleia geral e manifestar a vontade por aquele acionista. A lei, portanto, restringe o rol daqueles que podem ser nomeados como representantes nessa circunstância, assim como o faz em outras tantas (a representação em juízo, por exemplo).

Algo bastante diverso é a presentação, ou seja, a ocasião na qual alguém, exercendo uma função na pessoa jurídica (um diretor ou um administrador, por exemplo) manifesta (dá presença), sem intermediários, a vontade da pessoa jurídica. Trata-se, nesse caso, da situação do chamado “representante legal”, em relação ao qual o citado artigo da Lei das S.As. e todos os seus requisitos não se aplicariam.

Querendo facilitar a presença das pessoas jurídicas em assembleias, a CVM embaralhou tudo, ao justificar sua decisão com o argumento de que a situação do representante legal (o presentante) é em tudo análoga à do representante, não se justificando uma distinção entre os dois. Como o representante legal da pessoa jurídica não precisa observar aqueles requisitos, o representante também não precisaria.

Assim, ao invés de reconhecer a distinção prevista em lei, criou-se uma distinção nova, entre a pessoa jurídica, cujo representante não precisa atender nenhum dos requisitos do comentado artigo, e a pessoa natural, cujo representante precisará observar todos. Isso muito embora a pessoa física que vá pessoalmente (situação análoga ao da pessoa jurídica que comparece por seu “representante legal”) tampouco precise observar os requisitos legais do artigo 126 da Lei das S.As. Ou seja, uma confusão…

O saldo da decisão é positivo, ao tirar um entrave burocrático à participação das pessoas jurídicas nas assembleias gerais. Sua fundamentação, entretanto, será difícil entender e explicar. Para resumir, a CVM acertou errando.


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