Próximo voo
Pedro Parente, ex-ministro do Planejamento e da Casa Civil: “O homem é escravo da palavra e senhor do silêncio”

, Próximo voo, Capital AbertoNos próximos dias o ex-ministro Pedro Parente vai empreender seu primeiro voo solo. Não se trata aqui da inédita rotina longe de cargos executivos nos setores público e privado. Embora esteja, de fato, passando o comando da Bunge a um novo CEO — numa transição planejada que remete à tarefa assumida entre os governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula — para se dedicar a conselhos de administração e ao trabalho na empresa da esposa, em que é sócio minoritário, Parente também se prepara para voar literalmente. Vai aprender a pilotar aviões e tirar o brevê tão logo seja “dono da própria agenda”.

“Quando viajo em aeronaves menores, sempre acompanho o que o piloto faz. Pode até ser uma idealização, mas acredito que é o hobby que procuro”, conta ele, já de posse das informações sobre cursos e horas de voo necessárias para a habilitação. O próximo CEO da Bunge, Raul Padilla, assume em maio; no mês seguinte Parente estará livre para voar.

Dar-se ao luxo de idealizar e ter hobbies é novidade para o atual presidente dos conselhos de administração da BM&FBovespa e do grupo publicitário ABC. Parente, que ganhou notoriedade por ter gerenciado duas situações espinhosas em sua passagem pelo governo (a crise de energia de 2001 e a transição presidencial), sempre trabalhou duro e, desde cedo, assumiu responsabilidades. Aos 14 anos, com uma pastinha debaixo do braço, entrava em prédios de escritórios de Brasília para vender livros da distribuidora de sua mãe, especialmente a Biblioteca de Formação Familiar, que enfeitava as estantes da época com a lombada vermelha. Quatro anos depois, foi trabalhar num desses prédios, o do Banco do Brasil, após ser aprovado em concurso público.

Do primeiro salário, na contabilidade do banco, ele não se esquece. Era de 669 cruzeiros, com um rendimento líquido de 570, dos quais separou 250 para “contribuir em casa”. O trabalho que ele considerava um bico — havia sido aprovado em engenharia na Universidade de Brasília — era necessidade: com dez irmãos, cinco mais velhos e cinco mais novos, a família lutava para viver dos rendimentos do pai funcionário público. “Ser engenheiro era o meu projeto”, recorda-se. Depois de formado, porém, exerceu a profissão por apenas três meses. Retornou ao Banco Central (BC), para onde já havia migrado, na esteira de outro concurso. “Só então percebi quanto gostava do meu trabalho. Queria fazer carreira no BC, na área de finanças públicas.”

Sentado à cabeceira da mesa de reuniões da Bunge, maior empresa de agronegócio do Brasil, Pedro Parente faz uma observação: o orgulho da carreira no setor público está relacionado aos valores profissionais que encontrou em seus primeiros chefes, dotados de “uma visão de cliente, infelizmente diversa daquela que se tem do funcionário público no País”. Depois de se destacar, como especialista, na reestruturação das finanças públicas da década de 1980 (mais conhecida como reforma bancária), Parente acabou convidado para ser secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda. O cargo, alto para os 32 anos de idade, era também sua primeira posição no governo.

“Sempre me vi como um funcionário de carreira, imbuído do espírito público, que aproveitava as oportunidades de progressão e de ter boas experiências”, diz, enumerando suas realizações técnicas nos ministérios de Francisco Dornelles, Dilson Funaro, Bresser Pereira e Marcílio Marques Moreira. Quando o presidente Fernando Henrique Cardoso se elegeu, em 1994, Parente estava em Washington, no Fundo Monetário Internacional, participando de missões em países da antiga União Soviética e da América Latina. Logo foi convidado pelo ministro da Fazenda Pedro Malan para ser seu secretário-executivo. Após a reeleição, tornou-se ministro do Planejamento.

Foi quando veio a surpresa. Convocado ao Palácio do Planalto com apenas três meses de ministério, Parente ouviu atento o preâmbulo de Fernando Henrique sobre sua necessidade de ter um polo de relevância política e aumentar a estatura da chamada economia real. Como a conversa passou pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ele imaginou que seria convidado ao cargo, até Fernando Henrique completar o raciocínio: “Por isso, estou pensando em levar o Clóvis Carvalho para lá. E a única pessoa que acho que pode assumir a Casa Civil é você”.

“Aí foi realmente uma posição de sacrifício”, lembra Parente, reiterando que nunca quis fazer política. “A função mais importante do chefe da Casa Civil é servir de anteparo ao presidente. É como um fusível colocado para proteger o equipamento elétrico. Se houver um pico de energia, o fusível queima, mas o equipamento não.” Parente não somente deu conta do sacrifício por quatro anos, sem se queimar, como virou o gestor do apagão e da transição. “Se ser conciliador e ao mesmo tempo conseguir tomar as decisões é ser político, então fui um. Muito mais por treinamento, no entanto, do que por uma opção de carreira.”

Depois de descobrir, ainda que involuntariamente, suas habilidades políticas, Pedro Parente achou que deveria testar o talento de executivo no setor privado. “Tendo chegado a ministro, seria muito difícil ocupar outras posições no serviço público”, explica. “Além disso, havia um detalhe: eu não tinha poupança. Possuía apenas uma chácara pequena e um apartamento financiado pelo fundo de pensão do BC.” O teste, como vice-presidente da RBS, durou sete anos, nos quais comandou uma reestruturação. Em 2010, recebeu convite para presidir a Bunge — de onde ele sai agora, após negociar a aposentaria da vida executiva.

Aos 61 anos, esse carioca de fleuma britânica (morou no Rio de Janeiro até os 9 anos e tem ascendência inglesa) mal disfarça a excitação com a rotina que se aproxima. Ela incluirá algum expediente na Prada Assessoria, empresa que gere recursos de 20 famílias, e novos conselhos de administração: “Penso em entrar em mais dois”, revela.

A experiência vem desde os tempos em que presidiu conselhos de bancos públicos e estatais, quando estava no governo, e se intensificou nos últimos anos, em empresas como RBS, Duratex, CPFL e Kroton. “Gosto muito dessa atividade, pelo contato que proporciona com as pessoas e com o próprio negócio, que é um organismo vivo. O processo decisório é muito rico.” Se depender do entusiasmo e da fama de workaholic, Parente corre o risco de não ter muitas horas disponíveis na agenda para pilotar.

3×4

Rotina – Trabalha até 16 horas por dia. A partir de junho, contudo, sua rotina mudará radicalmente. “O importante agora é ter mais controle da minha agenda, do meu tempo mental, algo impossível no comando de uma empresa com 20 mil colaboradores em 19 estados. Mas trabalho muito e adoro; isso não vai mudar.”

Reclamação – A filha mais nova, de 18 anos (ele tem três filhos, do primeiro casamento), costumava reclamar do pai workaholic. Após começar um estágio, entretanto, diz compreender sua paixão pelo trabalho. “Foi bacana.”

Hobby – Seus hobbies eram apenas a leitura e as viagens com a esposa. Agora, pretende pilotar aviões. “Quero ter tempo para não fazer nada, para o tal ócio criativo.”

Saia-justa – Quando foi convidado quase simultaneamente para ser secretário-executivo nos ministérios da Fazenda e do Planejamento, em 1994. “Pedi para o Malan explicar ao [José] Serra que eu já tinha aceitado a Fazenda, mas ele não ligou e eu fiquei com a batata quente.”

Pior momento no governo – Em janeiro de 1999, quando uma mudança no câmbio gerou corrida aos bancos (“Cheguei a temer que a estabilidade econômica fosse para o brejo”), e em 2001, no começo da crise energética (“No auge da constatação do problema, cogitavam-se até oito horas de apagão por dia; imagine o que isso significaria para São Paulo…”).

Melhor momento no governo – O reconhecimento pela boa gerência na crise do apagão. “Criamos o comitê de gestão da crise, fizemos instrumentos de implantação de mercados e tudo funcionou bem. Foi uma realização profissional.”

Admiração – Seus primeiros chefes, no Banco do Brasil (Tasso de Carvalho) e no BC (Cincinato de Campos), além do presidente Fernando Henrique Cardoso, “uma pessoa maravilhosa para se trabalhar junto”.

Conselho para quem está começando – Ter humildade. “Tive dificuldades no começo da minha carreira por falta de humildade. Aprendi a lição, graças a uma espécie de treinamento em relações interpessoais.”

Livro na cabeceira – Está lendo The Challenger launch decision, de Diane Vaughan. “Ela faz uma avaliação dos motivos que levaram ao acidente com o ônibus espacial [Challenger, em 1986]. É um livro extraordinário sobre práticas indevidas nas empresas.”

Viagem marcante – Para Mianmar, com a esposa. “Um país pobre, mas sem miséria, com povo alegre e muita coisa bonita para ver. Ainda não é um desses países pasteurizados, cheios de McDonald’s.”

Ditado – “O homem é escravo da palavra e senhor do silêncio.”

 

Foto: Greg Salabian


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