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Marcelo Trindade sobre eleição: “Nunca entrei numa briga para perder”
Ex-presidente da CVM trilha caminho desconhecido em disputa pelo governo do Rio
Fotografia: Régis Filho

Marcelo Trindade não quer pensar na possibilidade de perder a disputa por um dos piores empregos do mundo: o de governador do martirizado Rio de Janeiro. “Eu vou ganhar. Nunca entrei para perder, por mais difícil que seja a briga”, assegura o ex-diretor e ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em conversa com a capital aberto no seu comitê eleitoral, em Ipanema.

Não é a primeira vez que o candidato do Partido Novo troca uma posição assentada por um caminho desconhecido. Nascido em Copacabana há 53 anos, filho de mãe espanhola e pai carioca, um dos principais advogados de direito societário do País e professor de direito na PUC do Rio, Trindade deixou o estágio numa firma de engenharia onde ganhava dois salários mínimos (“Um bom salário naquele tempo”) para receber a metade num programa da Capes — fundação vinculada ao Ministério da Educação que tem o propósito de aperfeiçoar universitários. “Pegavam os melhores alunos da sala e davam uma bolsa de um salário mínimo. A gente estudava de 8h às 12h, almoçava no bandejão da faculdade e ficava das 14h às 18h estudando com monitores, não professores, para saber mais do que os colegas de sala. A ideia era puxar o nível da turma, criando uma competição. Foi a primeira vez, entre várias na minha vida, em que larguei o salário melhor para pegar o pior. Minha mãe, pouco antes de morrer, me disse: ‘Já cansei de criticar suas decisões. São todas erradas, mas todas dão certo!’”

Foi um dos monitores daquele programa que o levou a fazer estágio no escritório de Sérgio Bermudes, ainda em seus primórdios na época. Lá, Trindade tomou outra decisão “errada”: associar-se a Luiz Eduardo Correia e a Bruno Lara Resende (irmão do economista André Lara Resende) para formar o próprio escritório. “Quando fui conversar com Sérgio Bermudes, ele me disse, surpreso: ‘Poxa, Marcelo, mas você vai sair? Você tem um futuro enorme aqui!’ Eu, que já tinha uma certa fama de arrogante no escritório, respondi: ‘Sérgio, eu quero ser que nem você! E para isso tenho que repetir a sua carreira [Bermudes havia começado numa sala de imobiliária, e só podia atender os clientes depois das seis da tarde, quando ela fechava]. Quero fazer o caminho difícil.’”

No pequeno escritório de contencioso que os três abriram, em 1987, houve o primeiro flerte de Trindade com a política. “Escritório pequeno de contencioso faz desde a briga por causa de cachorro no condomínio até fechamento de usina nuclear com liminar”, relembra. O Plano Collor de 1990 e o congelamento dos depósitos e investimentos bancários foram sua primeira derrocada. Trindade ficou sem dinheiro para pagar os três funcionários que havia contratado na empreitada. Foi salvo pelo seu João, dono da padaria e confeitaria Remarque Ltda., em Botafogo, que não era cliente, mas fora fazer uma consulta sobre a situação de seu contrato de locação diante do Plano Collor. “Eu não cobrava consulta, como não cobro até hoje, mas naquele tempo só quem tinha dinheiro era padaria, supermercado e empresa de ônibus. O seu João me puxa um maço de notas de dentro da calça e… ‘Quanto é que eu lhe devo, doutor?’. Aí, fiz a conta rápido de quanto tinha que pagar aos três e respondi: ‘É tanto!’. Peguei o maço de dinheiro, saí da sala, entreguei para a secretária e falei: ‘Este mês salvou. Vamos ver como fica o próximo’”.

“Nunca entrei para perder, por mais difícil que seja a briga”

Morando com a mãe depois de se separar da primeira mulher e já com a sociedade desfeita, Trindade foi ocupar uma sala na banca de outro advogado. Aos poucos, os negócios foram aparecendo, melhorando, até que, em 1994, com a estabilização monetária propiciada pelo Plano Real, surgiram os primeiros gestores de recursos independentes, todos no Rio de Janeiro. Trindade começou a advogar para esses gestores, tanto em assuntos de contencioso quanto de direito societário — a proverbial morosidade da Justiça no contencioso despertava-lhe uma preferência pelo societário. “Demorava muito para receber, só quando a causa era julgada. No societário o dinheiro vinha mais rápido.”

Em 1998, prestou serviços para as gestoras de recursos Dynamo e Investidor Profissional e para o Banco Icatu. Os três haviam se unido para obter melhores condições na venda da Lojas Renner à multinacional de varejo americana J.C. Penney. Logo após a compra da rede gaúcha, a J.C. Penney fez uma oferta pública ao mercado propondo pagar pelas ações em poder dos investidores um terço do valor pago aos antigos controladores. A maioria dos investidores aceitou a oferta, o que permitiu à J.C. Penney comprar 35% do capital total da Renner que estava em poder do mercado. Mas a Investidor Profissional, a  Dynamo e o Icatu se recusaram a vender as ações. Eles consideraram o preço fixado, de 25 reais por lote de mil ações, muito baixo. Advogando para os três, Trindade passava pelo menos dois dias por semana em Porto Alegre. “Só tinha um hotel bom naquele tempo lá, que era o Caesar Park, e o advogado dos americanos era o TozziniFreire. Então eu brigava de dia, mas jantava e tomava uísque com eles à noite”, recorda Trindade.

Feito o acordo entre as partes, o adversário da véspera tornou-se o novo sócio. Ingressou no TozziniFreire do Rio e lá atuou até ser convidado para integrar a diretoria da CVM pelo seu então novo titular, José Luís Osório, que era o presidente do Icatu, em janeiro de 2000. “Eu disse: Agora não posso, estou construindo minha casa e não dá para parar de ganhar dinheiro. Mas quando eu acabar a primeira parte, eu vou.” Em dezembro do mesmo ano, Trindade virou diretor da CVM, onde ficou até 2002. Dois anos depois, o então presidente da autarquia, Luiz Leonardo Cantidiano, desentendeu-se com o governo Lula e deixou o cargo, recomendando Trindade para o posto.

Aos 39 anos, Trindade assumiu a presidência da CVM, de novo abrindo mão de uma renda invejável. “Minha mulher reclamava muito, porque eu ganhava mal. E eu respondia: o salário, eu concordo que é horroroso, mas pensa que isso aqui é uma bolsa de PhD, e para uma bolsa de PhD até que não é muito ruim. Aquilo é, realmente, um PhD em direito societário.”

Mais do que o conhecimento na área, entretanto, o que realmente o marcou no trabalho de xerife do mercado foi constatar que o serviço público pode ser eficiente, pode gastar pouco e não precisa ser contra a iniciativa privada. “Um pedaço grande dessa minha decisão de ser candidato tem a ver com essa memória afetiva que eu tenho da minha passagem pela CVM. Foram cinco anos extremamente felizes. Ganhei muito mal, não saía do cheque especial, mas fui muito feliz!”

O “PhD” deu frutos. Permitiu a Trindade costurar a estratégia que fez o varejista francês Casino derrotar a troika Abilio Diniz, BNDES e Carrefour pelo controle do Grupo Pão de Açúcar. Abilio havia concordado em vender sua participação para o Casino em troca de investimento. Em paralelo, no entanto, tentou comprar a operação brasileira do maior concorrente do Casino, o também francês Carrefour, associando-se ao banco BTG Pactual e ao BNDES, que planejava criar mais um “campeão nacional”, como a Ambev e a JBS. Foram dois anos de escaramuças jurídicas, até que em 6 de setembro de 2013 Abilio renunciou à presidência do conselho de administração do Pão de Açúcar. “Liguei para o presidente do Casino [Jean-Charles Naouri] e falei: ‘Eu não disse que o Brasil não era nem a Venezuela nem a Rússia?!’”, relembra. “Se você tem a causa certa e a expõe adequadamente, é possível ganhar, mesmo contra todos os titãs!”

Depois de tantas decisões erradas que deram certo, ele agora parte para um “duplo mortal carpado, sem rede de segurança”. Candidata-se a governador num reduto do populismo, o Rio de Janeiro, por um partido que sem nenhuma vergonha defende a iniciativa privada e o mercado. “Como várias pessoas do meio político, uma delas o governador Paulo Hartung [do Espírito Santo] — que eu admiro muitíssimo —, acho que você ganha uma eleição ganhando, mas você também ganha uma eleição perdendo”, filosofa. “Eu não aguentava mais ver meu estado maltratado, levado a essa situação por uma sucessão de governos da pior qualidade em todos os sentidos. Vou fazer 54 anos, tenho três filhos, sou realizado profissionalmente. Parei e pensei:  Já que estamos aqui, vamos tentar subir o Everest!”

3×4

Rotina: acorda antes das 6 horas, lê dois jornais ao tomar o café da manhã e vai para a PUC ou academia. Depois, cumpre compromissos relativos à campanha eleitoral.

Cuidados com a saúde: faz exercícios físicos 2 a 3 vezes por semana.

Fim de semana: Dedica à leitura, preparação de aulas da semana seguinte e ao lazer com a família.

Livro de cabeceira: Poesia Completa e Prosa, de Vinícius de Moraes.

Uma inspiração: Sua mãe, pela sua cultura de trabalho.

Conselho para quem está começando: Perseverança, retidão e resistência à tentação dos atalhos.

Momento mais difícil: Todos em que um cliente foi atacado e temeu não conseguir afastar o ataque.

Melhor momento: Nascimento dos filhos.

 


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