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Fabio Luchetti: Gestão com antroposofia
Atualmente conselheiro de administração da Porto Seguro, o executivo adota a linha filosófica para repensar processos e relações nas empresas
Fabio Luchetti

Fabio Luchetti/ Foto: Régis Filho

Em um de seus últimos livros, O Homem da Companhia (Companhia das Letras, 1996), o jornalista inglês Anthony Sampson descreve “o padrão das carreiras no coração da classe média”. De acordo o autor, especializado em publicações sobre o mundo empresarial, a busca dos executivos — pelo menos até os anos 1990 — era por um emprego vitalício que lhes oferecesse afeto e reconhecimento. Nesse contexto, observa, o escritório era o sucedâneo da igreja, da aldeia e do serviço militar.

Fabio Luchetti, atualmente conselheiro de administração da Porto Seguro, é o exemplo acabado desse tipo de profissional, hoje em vias de extinção. Ele entrou para a seguradora como office boy, aos 18 anos; serviu em diferentes áreas e empresas do conglomerado e galgou todos os postos da hierarquia, de analista a supervisor e diretor, até chegar a CEO, aos 40 anos, em 2006. Mas ao contrário do que poderia se esperar de um executivo com essa trajetória, ele fez um desvio. Dois anos atrás, dobrou a esquina na rua Cardoso de Almeida, no bairro paulistano das Perdizes, para nela instalar o Instituto Cultural Adelina. A decisão veio dez anos antes da aposentadoria compulsória (aos 63, pelas novas regras que ajudou a definir e estabelecer na Porto Seguro).

Projeto cultural que visa fomentar a arte em suas variadas linguagens, o Instituto Adelina foi batizado em homenagem à sua mãe. O executivo dedicou à concepção do instituto o mesmo afinco e esmero comuns em suas iniciativas corporativas: estudou — fez inclusive uma pós-graduação em museologia, curadoria e colecionismo na Faculdade de Belas Artes de São Paulo —, pesquisou e pediu auxílio de consultorias especializadas.

Não queria abrir outro negócio e ficar imaginando mil formas de ganhar mais dinheiro.

“Já estava com 49 anos, e tinha receio de não ter um grande novo desafio”, explica Luchetti. “Mas também não queria abrir outro negócio e ficar imaginando mil formas de ganhar mais dinheiro. Eu queria manter a ligação com as artes e os projetos que havia conhecido e com que tinha trabalhado na Porto”, afirma.

Não queria abrir outro negócio e ficar imaginando mil formas de ganhar mais dinheiro.

Nos seus últimos cinco anos como CEO, Luchetti teve mais tempo para se dedicar aos projetos culturais da companhia — notadamente o Espaço Cultural Porto Seguro —, e também das iniciativas sociais. Além dessas, uma outra paixão vem tendo papel fundamental em suas influências: a Antroposofia.

O contato do executivo com a linha filosófica, calcada nos ensinamentos criados no século 20 pelo austríaco Rudolf Steiner, ocorreu quando a consultoria Adigo foi contratada para apoiar o processo de sucessão do então presidente e controlador da Porto Seguro, Jayme Garfinkel, em 1998. “Caiu a ficha! Virei fã da Antroposofia e, como CEO, adotei seus arquétipos como modelo de gestão”, recorda.

Particularmente “espetacular”, para Luchetti, é a “Visão Quadrimembrada”, arquétipo que divide as organizações em quatro dimensões:
1. Identidade: a filosofia, a visão, a missão e o propósito de existir.
2. Relações: como o nome diz, trata das relações entre os funcionários, clientes, corretores, prestadores, fornecedores, acionistas e a comunidade como um todo.
3. Processos: como os produtos e serviços chegam aos clientes, como a empresa administra os projetos, gera os resultados e administra as despesas; como atende os clientes, monitora riscos, inova.
4. Recursos: as ferramentas necessárias para as atividades da organização se desenvolverem bem.

A maioria das consultorias aborda os processos — ponto que consome mais tempo e em que elas ganham mais dinheiro, observa Luchetti. Acontece que nem sempre o problema está nos processos. Pode estar numa disputa de poder entre duas áreas, em uma questão de relações, ou então na falta de clareza sobre qual é o papel de cada diretoria. “Se o problema for corretamente identificado, é possível dispensar os ‘downsizings’ e as reengenharias que viram as organizações de ponta cabeça, como aconteceu na década de 1990”, enfatiza.

Na visão antroposófica, é preciso ser criativo e ousado em processos e recursos para lidar com a imprevisibilidade do futuro e enfrentar as inevitáveis mudanças — já que, segundo o arquétipo antroposófico dos setênios, assim como as pessoas mudam a cada sete anos, biologicamente e emocionalmente, as companhias também crescem, conquistam novos mercados e novos clientes, criam outros produtos, perdem e ganham funcionários e dirigentes.

Já a identidade e as relações devem ser protegidas e alteradas muito sutilmente, por serem dimensões “atemporais”, que dão “o tom e a alma da empresa”. Logo, são necessárias para preservar seu sucesso no futuro diante das mudanças.

E a gestão pela Antroposofia funciona? “Depende muito de cada tipo de empresa”, responde Fabio. “Do ponto de vista pragmático, para culturas que têm visão de longo prazo, é espetacular. Já para as que não têm esse perfil não adianta, porque a Antroposofia parte da premissa de que é preciso ter paciência e resiliência para se colher resultados”, explica.

A Antroposofia parte da premissa de que é preciso ter paciência e resiliência para se colher resultados.

De acordo com Luchetti, as preocupações e questionamentos atuais a respeito do meio ambiente e da sustentabilidade favorecem modelos de gestão mais humanizados e, também, o desenvolvimento da consciência de que as organizações devem ser analisadas em ciclos mais longos, de 10, 15 anos — e não de meros 12 meses. Em contrapartida, ele adverte que cada vez mais o negócio “é fluido, efêmero, e a vida dos produtos, que antes era de três, quatro décadas, encolheu drasticamente para três, quatro anos. A implicação é que as empresas — e as pessoas — precisam se preparar para mudar, inovar, se autocriticar e “criar as próprias crises”.

Como assim? Quem quer crises? E como se cria as próprias? Criar as próprias crises, explica, significa sair da tão falada “zona de conforto”. Luchetti sugere “ouvir a famosa voz interna” e anotar tudo o que vem à mente, assim como as críticas que se recebe. “Se pessoas diferentes fazem críticas semelhantes, é sinal de que algo vai mal com você; não são os outros que são chatos”, sublinha.

Essa consciência nasceu num momento turbulento na organização, que deixou Luchetti “anestesiado, com a visão turva”. Foi quando ele teve a ideia de consultar a monja budista Coen Roshi para saber como organizar seus pensamentos. Primeiro, ela explicou que meditar não significa ficar sem pensar em nada, mas deixar os pensamentos fluírem e, então, registrar os que são recorrentes — eles são um alerta do cérebro de que algo precisa ser resolvido, sob pena de obstruírem o fluxo das ideias. “Meditar e anotar tudo virou uma ferramenta de trabalho”, conta.

É um pouco parecido com a “pivotagem” que ele descobriu mais recentemente, na Oxigênio, a aceleradora de startups que abriu na Porto Seguro. Conversando com um jovem da USP, que lhe explicava seu modelo de negócio, Fabio descobriu que a pivotagem consiste em colocar um problema sobre a mesa e “girá-lo” em todos os sentidos em busca de solução. Nesse processo, surgem as alternativas e a superação dos gargalos. Muitas vezes eles são ignorados, observa Luchetti, para se preservar modelos tradicionais e interesses enraizados. Ou seja, a questão, no fundo, é a falta de vontade de transformar. E nesse cenário, ressalta, a educação artística, caminho do Instituto Adelina, é uma saída. “Ela contribui para a autonomia das pessoas e estimula que tenham uma visão humana do mundo.”

Rotina

Acordo às 6h30 para levar meu filho à escola. Faço ginástica e tomo um café. Sigo com a agenda que, hoje, inclui assuntos do Instituto Adelina, do conselho da Porto Seguro, coaching de executivos, além palestras e consultorias sobre processos de sucessão.

Cuidados com a saúde

Faço check-up a cada dois anos desde o ano 2000. Exercícios aeróbicos três vezes por semana e um certo controle na alimentação de segunda a sexta.

Lazer

Nos fins de semana, vou para minha casa no interior de São Paulo, onde meus filhos e os cachorros podem usufruir de espaço, verde e clima perfeito. Eu aproveito para ler livros e revistas, e me atualizo em matérias mais profundas. Quando fico em São Paulo, divido meu tempo entre Instituto Adelina, teatro, cinema e restaurantes com amigos.

Livros de cabeceira

Sobre o Ofício do Curador, de Alexandre Dias Ramos; Previsivelmente Irracional, de Dan Ariely.

Inspirações

Minha mãe, Adelina, que foi uma mulher forte, dedicada à família, ética e altruísta; e Jayme Garfinkel, que me ajudou a ter uma visão de gestão mais humanista.

Momento mais difícil

Decidir deixar a posição de CEO de uma empresa espetacular que ajudei a construir ao longo de 34 anos da minha vida.


 

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